Lincoln Braite: Colecionador paulistano fissurado por Kai Hansen
Por Ricardo Seelig
Postado em 25 de agosto de 2007
Esta matéria foi publicada muitos anos atrás, está datada, e a coleção mostrada hoje deve ser bem diferente. Mas a matéria continua sendo uma curiosa cobertura sobre uma invejável coleção, e por isso a destacamos.
Quem é fã do Gamma Ray e do Helloween certamente já trocou alguma idéia com o paulista Lincoln Braite. Figuraça, um dos colecionadores mais fissurados que eu já conheci, Lincoln dedica seus esforços colhendo material não de um grupo específico, mas sim de um músico. Aficcionado pelo lendário Kai Hansen, o qual chama de "Mestre", Lincoln nos apresentou a sua imensa coleção e contou muitas histórias interessantes. Então, vista sua calça de couro, coloque sua capa e viaje com a gente por esta história de paixão e dedicação a esse mitológico músico alemão.
Lincoln, pra começar o nosso papo, eu queria que você se apresentasse aos nossos leitores.
Meu nome é Lincoln Braite, tenho 32 anos, faço parte do Fangface-Clan, Fã Clube Gamma Ray na América do Sul, e este ano estamos fazendo dez anos de existência. Sou colecionador do músico Kai Hansen, o fundador do Gamma Ray e também do Helloween, onde permaneceu de 1985 até 1988. Além de material destes dois grupos, coleciono também suas participações em outras bandas.
Como foi o seu primeiro contato com o rock?
Bem básico. Foi vendo na TV em alguns raros programas da época, shows ou vídeoclipes. Um programa bem legal de clipes na época se chamava Realce, na Gazeta. Tinha aqueles amigos do seu amigo que gravava umas fitas com qualidade bem baixa, mas é o que tínhamos naquele tempo.
Mais ou menos com que idade você percebeu que essa paixão não tinha cura, e que iria acompanhá-lo por toda a vida?
Eu acho que foi aos quatorze anos que tomei a minha decisão, mas a minha preocupação na época era como conseguir um bom acervo, conhecer as bandas novas e comprar os vinis. Naquela época a grana era super curta e os contatos com pessoas que curtiam eram muito poucos, infelizmente, mas quem gosta mesmo supera estes problemas no decorrer do tempo.
Você consegue dizer em que momento você se transformou de um fã normal de música em um colecionador?
Foi no momento que percebi que tinha muito material de uma mesma banda e ouvia mais um determinado grupo que os outros. Foi aí que começou a mania. Também ficava atento se a banda tinha algum lançamento que eu não possuía, e assim ia atrás para comprar, ou mesmo acompanhando sempre seus lançamentos. Por gostar tanto do Gamma Ray eu conheço o nome de todas as músicas dos álbuns, de tanto ouvir.
Qual o tamanho da sua coleção?
Não sei no momento, mas posso chutar uns 250 CDs (Gamma Ray + Helloween + participações). Além dos CDs, coleciono também vinis e DVDs do Kai.
Também tenho CDrs e DVDrs que são gravações de shows pelo mundo afora realizados por fãs. Podem ser apenas áudio em CDr ou shows com imagem em DVDr. Tenho um site onde faço apenas trocas com outros fãs (www.thepiracy.cjb.net). E das outras bandas acredito que sejam uns 700 CDs.
De quais grupos você possui mais material, quais são as suas bandas favoritas?
Eu coleciono apenas o falecido Helloween de 1985 até 1988, quando o Kai ainda permanecia na banda, o Gamma Ray e as participações do Kai em trabalhos de outros grupos.
Tenho também todos os CDs do Running Wild, Destruction, Satan, Blitzkrieg, Iron Savior (até o Kai Hansen) e Therion. Gosto também de bandas como Nuclear Assault, Kreator, Whiplash (os primeiros), AC/DC (apenas com o Bon Scott), Accept, Annihilator, Anthrax (apenas com o Belladonna), Attack (alemão), Blind Guardian, Bathory, Blackmores Night, Circle II Circle, Carnivore, Chroming Rose, Dark Tranquillity, C.I.A., Danzig, Death, Dio, Desaster, DRI, Doro, Demons & Wizards, Death Angel, Exodus, Entombed, Exciter, Epica, Grave Digger, Gun Barrel, Glenn Tipton, Hellhammer, Halford, Heavens Gate, Hallows Eve, Iron Maiden, Jon Oliva's Pain, Judas Priest, Kreator, Motörhead, The Misfits, Manowar, Metal Church, Nashville Pussy, Necronomicon, Overkill, Onslaught, Rage, Rush, Raven, Stormwarrior, Samnhain, Savatage, Sabaton, Tankard, Torture Squad, Testament, Twister Sister, Trans-Siberian Orchestra, Thin Lizzy, U.D.O, Venom, Warlord, Warlock, W.A.S.P., Warhammer … Acho que é isto que me lembro.
Você poderia explicar porque essa sua fixação por um artista específico (o Kai Hansen), e não por um grupo? Quando começou isso?
Quando o Kai saiu do Helloween no final de 1988, os fãs da época, nos quais eu me incluo, pensavam que a banda iria permanecer com o mesmo estilo musical, mas isso não aconteceu. Quando ouvi o álbum "Pink Bublles Go Ape", que foi o primeiro álbum sem o Kai Hansen, fiquei muito desapontado com a banda e percebi que a magia havia acabado naquele momento, e então para mim só restavam as abóboras, o logo, o nome do grupo e bons músicos. Portanto, ficou bem claro para mim que toda a genialidade era do mestre Kai Hansen.
A nova banda do Kai se chamava Gamma Ray, e em 1990 saiu seu álbum de estréia, que se chamava "Heading For Tomorrow", e era simplesmente maravilhoso e contagiante. Daí em diante percebi que ele era o gênio, o criador das melodias na época do Helloween, por isto a fixação por uma artista especifico.
Desde a minha primeira audição, e até hoje, na minha opinião o "Kepper Of The Seven Keys Part 3" que o Helloween não teve a capacidade de fazer chama-se "Heading For Tomorrow". Portanto, o gênio do Gamma Ray e do Helloween é o Kai Hansen, os outros integrantes ajudam a completar o grande time. O Kai sempre teve ótimo músicos do seu lado, gosto muito da formação atual do Gamma Ray.
Vamos fazer então uma cronologia da sua vida de colecionador: qual foi o primeiro álbum que você comprou, e porque?
Desculpa, mas não me lembro o primeiro álbum de metal. Sei dizer que o vinil que mais ouvi em toda minha vida foi o do "Walls Of Jericho" do Helloween, que também foi o primeiro vinil da minha coleção e já está super gasto, mas jamais irei vendê-lo, pois faz parte da minha história.
Qual foi o número máximo de itens que você já adquiriu de uma única vez?
Quando era solteiro e não havia MP3, comprava uns dez ou quinze álbuns por mês.
Qual item você considera o mais raro da sua coleção?
Eu penso que raridade é quando poucas pessoas têm um determinado item. Poderia dar exemplo de vários, mas vou simplificar em quatro bootlegs originais.
Do Helloween, são em CD dois shows do Japão de 1987, duplos e originais. Além desses dois, cito também o vinil de 1987 em Tilburg. Do Gamma Ray, é o duplo gravado no Japão em 1996.
E o mais bonito, qual é pra você?
São os pictures "Majestic & Somewhere Out In Space" do Gamma Ray e "Helloween First & Future World" do Helloween.
Existem alguns lançamentos estranhos, e de vez em quando alguns acabam caindo nas nossas mãos. Qual você considera o item mais diferente e curioso do seu acervo?
Gostei da pergunta. Por volta de um ano atrás os três primeiros álbuns do Gamma Ray foram reeditados com encartes modernizados, com alterações nas tonalidades de cor, com a logo nova da banda (que começou a ser utilizada a partir do "Land Of The Free"). O estranho é que não houve divulgação da gravadora a respeito destes lançamentos. Não são itens difíceis de se achar, mas tem que ficar fuçando por aí pra encontrar.
Existe algum disco que você passou um tempão atrás até conseguí-lo para a sua coleção?
Sim, uma participação do Kai Hansen em um projeto chamado "German Rock Project". Ele foi difícil primeiro por que na época que foi lançado eu não sabia da participação, e devido ao meu atraso ficou difícil a aquisição, e segundo pela pouca quantidade de CDs lançados, mas no final deu tudo certo e consegui pegar o CD.
E, complementando a pergunta anterior, quais aqueles que, apesar de você estar atrás há uma cara, ainda não conseguiu?
Eu tenho todos no momento, mas sempre estou procurando pulga em cachorro, procurando algo que seria legal ter mesmo não possuindo importância para minha coleção, como, por exemplos, coletâneas.
Como você guarda e conserva a sua coleção?
Eu guardo em um armário fechado, para proteger do tempo.
Quais são os itens que você mais gosta entre todos da sua coleção?
São todos especiais para mim. Os que não eram especiais eu já vendi, troquei ou dei de presente. Não gosto de ter por ter (quantidade), mas sim possuir aquilo que gosto mesmo (qualidade).
[an error occurred while processing this directive]Onde você costuma comprar os itens para o seu acervo? Que lojas você indica, aquelas que possuem os itens mais difíceis de se encontrar, para quem está começando agora a sua coleção?
Hoje, quando falamos de itens que estão em catálogo, todas as lojas especializadas estão niveladas. Os títulos raros e fora de catálogo encontramos com ex- colecionadores, lojas que trabalham com usados, lojas com grande estoque, site da banda, sites de traders, de leilões ou sala de discussões.
Você é casado, namora, tem um relacionamento com alguém? Faço essa pergunta porque gostaria de saber como essa pessoa vê essa sua dedicação a sua coleção.
Sim, sou casado. Para a patroa é indiferente, não curte o estilo, mas sempre ouve quando está no carro, por falta de opção talvez.
Como os seus amigos vêem você e a sua coleção? Você virou uma espécie de referência e consultor para eles?
Não me preocupo com isto, com o que as pessoas acham ou deixam de achar, mas os amigos que tenho mais contato acham bem bacana. Sempre fico à disposição deles para gravar o que querem.
Onde você costuma pesquisar a respeito de discos raros que você está procurando, de novos lançamentos, essas coisas. Em que fontes você busca essas informações?
A banda sempre me informa. Tem também o site oficial, traders, sites de lojas nacionais e, principalmente, as internacionais.
Quais são, para você, os dez melhores álbuns de todos os tempos?
Helloween - Walls of Jericho & Helloween
Helloween - Kepper Of The Seven Keys Pt 1 & 2
Gamma Ray - Heading For Tomorrow
Gamma Ray – Sigh No More
Gamma Ray – Insanity & Genius
Gamma Ray – Land Of The Free
Gamma Ray – Somewhere Out In Space
Gamma Ray – Powerplant
Gamma Ray – Blast From The Past
Gamma Ray – No World Order
Gamma Ray - Majestic
E, pra você, quais seriam os melhores trabalhos que o Kai Hansen participou, independente de banda ou estilo?
Eu gostei de todos, mas vou dar o nome de duas bandas com estilos bem diferentes, que o Kai canta ou toca normalmente. Acredito que poucos saibam destas participações, e indico estes grupos para irem atrás.
O primeiro é o Headhunter, o álbum "Parody Of Life" de 1990, a música "The Cursed". O Kai toca guitarra. É uma banda de Thrash Metal, e o vocalista é o Schimer do Destruction. Um grupo maravilhoso que possui apenas três álbuns, todos excelentes. Uma banda injustiçada pela mídia e por sua gravadora.
A outra banda é de Gothic Metal e se chama Heavenwood. O Kai toca em duas músicas, "Downcast" e "Luna", e gostou muito de participar porque foge do seu estilo. Recomendo também.
O que está rolando no seu som atualmente, e o que você recomendaria para os leitores do Whiplash?
Estou ouvindo bastante Gamma Ray, como sempre, e também outros lançamentos, como U.D.O. ("Mastercutor"), Dark Tranquillity ("Fiction"), Entombed ("Serpent Saints") e Danzig ("The Lost Tracks Of Danzig").
Dando uma fuçada, encontrei esta semana a banda solo do Onkel Tom Angelripper (vocal do Sodom). Gostei bastante, não conhecia. Chama-se Ein Schöner Tag.
A sua coleção tem um limite? Tipo, você acha que, algum dia, vai parar de comprar discos porque acha que, enfim, tem tudo o que sempre quis ter? Você acha que esse dia chegará, ou ele não existe para um colecionador?
Sim, tudo tem um fim/limite, até nós temos um fim. O fim da minha coleção será quando o mestre morrer. Espero que demore bastante.
Já parou para pensar com quem os seus discos ficarão quando você estiver mais velho? Quem será o herdeiro da sua coleção no seu futuro?
Já sim, várias vezes, e se meus filhos gostarem ficarão para eles, senão irei queimar tudo.
O que o rock representa na sua vida?
Para mim não é apenas música, mas sim um estilo de vida.
Kai Hansen é, sem dúvida, um dos principais músicos e compositores da história do heavy metal. Qual você acha que foi a principal contribuição dele para o estilo?
Tudo que ele já participou, cantou ou tocou foi um momento importante no meu modo de ver (penso como fã, é claro).
O momento mais forte na carreira do Kai foi no Helloween, depois do lançamento do "Keeper 2". A banda estava ficando grande, vendiam muitos álbuns e muitas pessoas da imprensa mundial falavam que o Helloween seria o novo Iron Maiden. Isto foi em 1988, e eu também acreditava nisto. Com certeza, se hoje eles ainda estivessem juntos e com a mesma formação, teríamos um Helloween gigante, que teria engolido o Iron Maiden e seria o número um. Isso não aconteceu com a saída do Kai, que preferiu largar tudo do que viver na pressão que vivia naquele momento.
Você acompanha a carreira de Kai há muito tempo, e de muito perto. Com todo esse conhecimento, quais caminhos sonoros você acha que ele irá seguir no futuro?
O que sei é que o que ele lançar irá se tornar um clássico, e eu irei adorar, pois para mim ele é um gênio da música. Até hoje não existe, para mim, uma música ruim criada por ele.
Eu não sei muito bem o que posso esperar da musicalidade dele no futuro, pois ele sempre surpreende a todos, sempre tem uma fórmula nova para criar suas novas composições. Ele é o cara!!! Mas posso dizer que gostaria de ouvir mais músicas de longa duração, tipo dez, quinze minutos. Acho fenomenal quando ele cria este tipo de música. Acho bem insano como ele as constrói e as variações no decorrer da música.
Você já se encontrou com o Kai pessoalmente? Como foi?
A primeira vez foi no primeiro show do Gamma Ray no Brasil, em 1997 em Florianópolis. Era o final da turnê do "Land Of The Free", quase saindo o "Somewhere Out In Space". Eles já haviam lançado o EP "Valley Of The Kings", antecipando o próximo álbum. Nós (eu e o Paul, do fã-clube) fomos até o hotel, nos apresentamos para o Kai como fã-clube da América do Sul. Naquele momento éramos totalmente desconhecidos para ele e para toda a banda. Eles gostaram do nosso trabalho e nos tornaram oficiais a partir do álbum "Somewhere Out In Space". Foi uma emoção que palavras não podem descrever. Te garanto que, para mim, a alegria de conhecer o meu ídolo foi um dos momentos mais felizes da minha vida.
Aproveitando, deixa eu apresentar o fã-clube. O nome é "Fangface-Clan", nome do mascote antigo do Helloween até a época do "Walls Of Jericho", e que foi reutilizado pelo próprio Kai no "Land Of The Free", que deu início à Era Kai Hansen no vocal com a saída do Ralf. Somos hoje uma equipe de três pessoas (eu, o Paul e o Gilson). Tivemos outras pessoas que participaram nestes dez anos e infelizmente não deram continuidade com a gente, mas com certeza a nossa amiga Mariana é a pessoa que mais faz falta para nós.
No fã-clube não cobramos taxa alguma, cadastramos no banco de dados os e-mails das pessoas e sempre que temos novidades enviamos. Houve um sorteio realizado pelo fã-clube junto à produtora na última turnê da banda aqui no Brasil, dando a oportunidade de alguns conhecerem o grupo após o show. Foi tudo muito bem organizado e deixou os fãs/sócios muitos felizes pela oportunidade de tirarem suas fotos com a banda, além de os caras autografarem seus encartes.
Temos também, além do e-mail para divulgar a banda, a comunidade do Orkut e também o site oficial, que a equipe da Europa está na direção e nós, daqui, ajudamos eles.
Tem alguma história engraçada ou curiosa que aconteceu com você por causa da música, e que te fez pensar algo como "isso só acontece com um colecionador mesmo"?
Engraçado, mas não me lembro. Posso contar que quando eu não tinha grana e queria comprar algum vinil ou CD e não tinha muito dinheiro, um emprego fixo e tinha que dar um jeito, então arrumava trabalho em lava rápido ou fazendo bicos. Uma vez fui trocar telha do telhado pra conseguir uma grana, e comprei um vinil bootleg do Helloween.
Pra fechar, que papel você acha que nós, colecionadores, temos na indústria da música, no mundo e aqui no Brasil?
Eu desejo que tenham sempre muitos fãs para a banda aqui no Brasil, assim o Gamma Ray sempre virá tocar quando lançarem um novo álbum. Sei que nós, brasileiros, especialmente em São Paulo, enchemos uma casa de show com uma média de 5.000 fãs. Para a banda o importante é a quantidade, para encher os seus shows, não importa a qualidade, que seriam os colecionadores, pois são poucos e raros.
Penso que o colecionador é muito fiel à banda e dá lucro para a indústria da música, e também gera vários trades, em geral.
Cara, muito obrigado pelo papo, valeu por ter aceito participar da Collector´s Room, e que tudo dê certo na sua vida.
Obrigado. Achei bem divertida esta seção. Penso que teria que chamar "Collector´s Crazy Room", e desejo tudo de ótimo para todos nós. Desejo que se divirtam bastante ouvindo Gamma Ray e que aparecem sempre nos shows.
Quem quiser enviar e-mail para o fã-clube, o endereço é [email protected].
Abração.
Collectors Room
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