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Mamonas Assassinas: a história das fotos dos músicos mortos, feitas para tabloide

Por Igor Miranda
Fonte: El País
Postado em 02 de março de 2021

No dia 2 de março de 1996, ocorreu o acidente de avião que tirou a vida dos músicos da banda Mamonas Assassinas. O extinto jornal "Notícias Populares", associado ao Grupo Folha e de circulação em São Paulo, foi um dos veículos responsáveis por divulgar fotos dos corpos das vítimas no local em que o avião colidiu, na Serra da Cantareira, também na capital paulista.

Mamonas Assassinas - Mais Novidades

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As fotos divulgadas pelo "Notícias Populares" foram produzidas por Fernando Cavalcanti e não só circularam nas páginas impressas da época, como, também, passaram a ser divulgadas por anos na internet. Em um artigo escrito para o site El País, em 2018, o fotógrafo comentou a situação e fez uma reflexão a respeito da cobertura, que "mesclou jornalismo, entretenimento e morbidez".

Cavalcanti conta, inicialmente, que estava trabalhando para cobrir a folga na madrugada do lendário fotojornalista Zé Maria, ao lado do repórter Hélio Santos. Eles ouviram, pela frequência do rádio da polícia, sobre um acidente de avião que seria dos Mamonas Assassinas.

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Os profissionais correram para o local da colisão, onde eram realizadas buscas, até então sem sucesso - os policiais retomariam a procura pelos corpos e destroços apenas pela manhã. "Quando amanheceu, quem chegou primeiro foi o helicóptero da Globo, e rapidamente foi costurando um acordo: exclusividade para a Globo e o helicóptero auxiliaria nas buscas. Assim, o helicóptero pousou, embarcou alguém da equipe de buscas e a polícia começou a cercar os jornalistas num canto. Então, percebi a movimentação, tirei meu colete, embrulhei a câmera numa camisa de flanela, deixei minha mochila com o repórter e me escondi no mato", contou o fotojornalista.

Ao se "infiltrar" em meio à equipe de buscas, Fernando Cavalcanti acabou conseguindo chegar perto dos fragmentos do avião e dos corpos dos músicos dos Mamonas Assassinas. Os responsáveis pelo resgate estavam mais preocupados com o acidente em si, então, não se importaram com o fotógrafo ali.

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Após a Globo ter exercido seu direito de exclusividade, os demais jornalistas foram liberados para trabalhar no local, ainda que por trás de uma corda isolando a região central do acidente. Fernando Cavalcanti seguiu produzindo as fotos e, ao fim do turno, as deixou à disposição dos editores, que publicaram todo o conteúdo, sem censura.

Sucesso em vendas

Publicado na segunda-feira (o acidente ocorreu em um sábado à noite e as fotos foram produzidas no domingo), o jornal "bateu seu recorde de tiragem, imprimiu três ou quatro clichês e na terça-feira publicou um pedido de desculpas ao seus leitores por não ter conseguido suprir a demanda", de acordo com Cavalcanti.

"Dias depois do acidente, um cidadão aparece na redação com uma mão, já em estado de decomposição, embrulhada num saco plástico. Ele foi à caça de souvenirs do acidente e acabou encontrando a mão. O NP ficou tão marcado pela cobertura do acidente que ele, em vez de levar a mão para a polícia, levou para a redação do jornal. E, coitado do Rogerinho (um dos fotógrafos da equipe), ainda teve que registrar aquilo", complementou o fotojornalista.

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Reflexão

Por fim, em seu texto, Fernando Cavalcanti refletiu sobre os exageros cometidos naquela cobertura - e no trabalho em geral desempenhado no "Notícias Populares", jornal extinto em 2001. "Apesar do lema do jornal de ser 'nada mais que a verdade', a maior parte do conteúdo que produzíamos era entretenimento e não jornalismo. Um dia meu editor Flavio Florido me disse: 'você pode achar que isso é uma grande piada, mas não se esqueça de que o porteiro do prédio que compra o jornal tem certeza de que isso é verdade. Muito cuidado'", relembrou.

A publicação trazia "mortos, quase sempre pobres, na capa", além de "mulheres peladas e toda sorte de histórias bizarras", também podendo ser acompanhadas de denúncias. "Naquela época, a violência nas periferias da cidade corria solta, todo final de semana tínhamos uma nova chacina. Outras vezes não havia denúncia alguma e as fotos dos mortos só serviam para saciar a curiosidade mórbida dos nossos leitores e, claro, para vender mais e mais jornais", disse.

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Cavalcanti se isenta da responsabilidade da divulgação das fotos - "a decisão de publicar isso ou aquilo nunca foi de nenhum fotógrafo, porque nunca nos deixaram influir na decisão do que publicar", diz -, mas aponta que "jornalismo e entretenimento são duas coisas completamente distintas, que devem ser separadas por uma grossa linha vermelha". "E que aquelas fotos que fiz do acidente dos Mamonas, ao contrário de tantas outras fotos de mortos que encerram alguma denúncia relevante, pertencem ao outro lado dessa linha", concluiu.

O artigo completo de Fernando Cavalcanti pode ser lido no site El País.

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Folha criticou seu próprio jornal

Curiosamente, um texto publicado pela colunista Barbara Gancia no jornal "Folha de S. Paulo" trazia uma crítica ao "Notícias Populares" pela cobertura do acidente. Os dois veículos de comunicação pertenciam ao mesmo grupo.

"No 'Programa Livre', Valéria, a namorada do Dinho, soltou os cachorros contra a imprensa. Acusou, entre outras, as publicações como o jornal 'Notícias Populares' e a revista 'Manchete' de desumanos e antiéticos por publicarem fotos dos corpos mutilados dos rapazes. Basta que qualquer um de nós se coloque por um segundo na pele das famílias e dos amigos dos Mamonas para constatar que Valéria tem toda a razão", disse a colunista.

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Em seguida, porém, ela reflete que as publicações foram esgotadas, tamanha a procura do público pelo conteúdo mórbido. "Por outro lado, as edições do 'Notícias Populares' e da 'Manchete' que traziam as escabrosas fotos do acidente esgotaram em todas as bancas da cidade. Morrer dormindo ou degolado, dá na mesma. E, no fim das contas, o único resultado prático da morbidez dessa corja de ignorantes que quer a todo custo esmiuçar o acidente, é colocar crianças diante das imagens de seus ídolos despedaçados. Bom senso, limite e decoro são mesmo privilégio de poucos", afirmou.

A coluna completa de Barbara Gancia, publicada em 13 de março de 1996, pode ser lida no site da "Folha de S. Paulo".

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Sobre Igor Miranda

Jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital pela Universidade Estácio de Sá. Começou a escrever sobre música em 2007 e, algum tempo depois, foi cofundador do site Van do Halen. Colabora com o Whiplash.Net desde 2010. Atualmente, é editor-chefe da Petaxxon Comunicação, que gerencia o portal Cifras, Ei Nerd e outros. Mantém um site próprio 100% dedicado à música. Nas redes: @igormirandasite no Twitter, Instagram e Facebook.
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