O que significa "O Verme Passeia na Lua Cheia" do Secos e Molhados
Por Bruce William
Postado em 02 de dezembro de 2024
Após o mega-estrondoso sucesso do álbum de estreia de 1973, o Secos & Molhados não tardou para lançar seu sucessor, que chegaria às lojas no ano seguinte trazendo a mesma fórmula: uma inovadora e interessantíssima mescla do Rock Progressivo/Psicodélico que se fazia na época com MPB e Folk, trazendo letras em boa parte adaptadas de poemas de diversos autores.
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Mas o álbum, último trabalho de estúdio a contar com a formação original que consistia em João Ricardo, Ney Matogrosso e Gerson Conrad, não teve o mesmo desempenho de seu antecessor e na semana em que estava sendo lançado já estava sendo anunciada a saída de Ney e Gerson, pelos habituais motivos envolvendo a divisão de rendas e brigas de egos, com cada um deles dando sua versão diferente da história.
Apesar de não ser tão cultuado quando o primeiro álbum, "Secos & Molhados II" traz canções do mesmo nível, e uma delas foi a que mais se destacou em termos comerciais, que é "Flores Astrais", segunda faixa do disco e que é creditada a João Ricardo e João Apolinário. Para quem não sabe, são respectivamente filho e pai, sendo o João Apolinário um jornalista e poeta português de renome, autor de diversos livros. Vamos voltar a ele mais abaixo, falando sobre um de seus livros...
O que quer dizer a letra minimalista e poética de "Flores Astrais" do Secos e Molhados, com Ney Matogrosso no vocal
Embora tenha quase quatro minutos de duração, "Flores Astrais" contém uma letra curtíssima, formada por apenas cinco linhas: "Um grito de estrelas vem do infinito/ E um bando de luz repete o grito/ Todas as cores e outras mais/ Procriam flores astrais/ O verme passeia na lua cheia", sendo que esta última frase é repetida várias vezes.
Como destaca o letras.mus.br: "'Flores Astrais é uma composição que se destaca pela sua poesia rica em imagens e metáforas cósmicas", com as 'flores astrais' citadas na letra podendo ser entendidas como: "uma metáfora para fenômenos naturais belos e misteriosos, ou até mesmo para a criatividade e a inspiração que brotam como flores no espaço da mente e da arte." E sobre o trecho do "verme que passeia na lua cheia", o site teoriza: "pode ser uma alusão à pequenez da vida terrestre diante da imensidão do universo, ou talvez uma inversão do olhar, onde o que é considerado insignificante ganha destaque e beleza sob a luz da lua."
Já um artigo do Jornal Do Dia trabalha com a possibilidade de ser uma alusão à ditadura militar que se vivia no Brasil na época, relembrando ainda da regravação feita pelo RPM em 1986: "O trecho 'O verme passeia na lua cheia' foi uma grande sacada de João Ricardo / João Apolinário Teixeira Pinto. Para além de uma viagem 'psicodélica', um recado em alto e bom tom para uma geração que vinha em sua primavera de 1968, chegando tardia no Brasil dos coturnos e porões de tortura", diz o texto.
Um blog que leva o nome "Projeto Interdisciplinar", aparentemente ligado a um "Colégio Arte", traz um ensaio que se propõe a fazer uma análise da letra, mas se esquiva da resposta ao pontuar: "O que um verme ou um ser humano que fazer na lua cheia? Isso só o compositor da música pode explicar". Entretanto, nos comentários, há algumas teorias interessantes, tais como: "Em determinados períodos do ano, na primavera, quando chove e a lua cheia nasce aparecem as "flores astrais", os cogumelos alucinógenos 'Psylocibos' que brotam nos campos, sendo que geralmente há vermes junto ao estrume de vaca onde brotam os cogumelos"; (...)"as pessoas cansadas de serem reprimidas e que deveriam unir forças para juntas se libertarem da ditadura. O verme passeia na lua cheia - seriam as pessoas na calada [da noite] consideradas vermes almejando uma realidade diferente".
Inclusive se diz também nos comentários que Ney teria confirmado esta conexão política em alguma entrevista, mas vamos lembrar que apesar dele ser o intérprete da canção, que talvez não soasse tão legal sem sua presença, ela não foi escrita por ele. Então, mesmo que ele tenha interpretado a letra de forma política, isto não significa necessariamente que o autor tinha este desejo.
Então vamos a outra teoria ainda nos comentários: "Talvez fale sobre a criação do universo e da vida. Vejam o que acho: Um grito de estrela vem do infinito... parece com o Big Bang a tal explosão que gerou o universo segundo os cientistas(...) Um verme na lua cheia pode ser a criação da vida a partir de formas mais simples de vida e com a ajuda dos astros que a gente sabe que ajudaram". E é aqui que, aparentemente, a gente tem mais uma pista.
A música do Secos e Molhados que pode ser usada em aulas de astronomia e ciências
Um trabalho acadêmico que leva o nome "O Rock Nacional e sua Abordagem no Ensino de Física e Ciências segundo o Contexto CTSA e de Astronomia", e que pode ser conferido na íntegra no site da CERN, se aprofunda no contexto da letra: "Astronomia, ciência e tecnologia são temas recorrentes nas letras do rock. Logo, no cenário musical nacional pode-se listar inúmeras canções de diversas bandas que retratam esta temática. Novamente, o trio Secos e Molhados em 'Flores Astrais' faz uma analogia à Teoria da Grande Explosão, em inglês, Big Bang. Logo, poderia ser utilizada como o ponto de partida para explanar sobre a origem da vida e do universo, além de expor alguns conceitos da Teoria da Relatividade e da Astronomia (...) Por fim, o significado da expressão 'O verme passeia na lua cheia' contida no refrão e repetida por doze vezes, pode ser a criação da vida a partir de formas mais simples de vida, ou a nossa insignificância, nossa pequenez perante a imensidão do universo."
Então, para cimentar a tese, temos a dissertação de Thales Reis Alecrim intitulada "Envolto Em Tempestade": João Apolinário e as musicalizações de seus poemas no Brasil e em Portugal (1949-1974)", que foi apresentada na UNESP/Franca (link), que na parte sobre "Flores Astrais" relata que ela foi baseada no poema presente em "Primavera de Estrelas", de 1961, que é dedicado a Yuri Gagarin, o primeiro astronauta a atingir o espaço sideral.
"Isso demonstra que, para o poeta, a razão não era algo completamente negativo. Na verdade, o desenvolvimento racional da humanidade era algo positivo, no sentido de que melhorava a vida material, no entanto, o progresso não deveria menosprezar a vida humana. Portanto, o poeta português não se desvencilhava do racionalismo, mas propunha críticas a esse processo, com vistas a um horizonte onde o ser humano não fosse subjugado perante as conquistas do desencantamento da natureza."
Em seguida, Thales explica: "Na construção poética de Apolinário, os versos 'um verme passeia/ na lua cheia' não criticavam de forma necessariamente negativa a presença do homem no espaço. Para o poeta, isso demonstrava que o ser humano era impressionante, afinal, essa 'fatalidade biológica' conseguia dominar a natureza, tanto que, nessa mesma seção do livro, ele demonstra que a humanidade passou de 'verme' a 'pássaro', pois conseguiu alcançar os céus."
E para ele, os arranjos da canção também dão uma pista indireta da mensagem, já que a música começa com acordes no piano e, quando chega ao refrão, ele é repetido inúmeras vezes de forma proposital: "O destaque para o refrão, de tão excessivo, causa desconforto com essa constatação, afinal, significa que a pureza branca do satélite foi maculada por uma sujeira, um invasor indesejado. Logo, para evitar isso, se deveria regressar para o início, para um lugar anterior a essa invasão. Assim, a canção, após mais uma repetição do verso que evidencia a presença desconfortante, retorna para os acordes de piano que representam essa pureza anterior."
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