O que significa "Vira, vira, vira homem, vira, vira lobisomem" cantada pelo Secos e Molhados
Por Bruce William
Postado em 08 de dezembro de 2024
O álbum de estreia do Secos & Molhados, lançado em 1973, é um marco na música brasileira, combinando poesia, rock, MPB e elementos teatrais. O disco trouxe hits como "O Vira", com seu ritmo dançante e letra inusitada; "Rosa de Hiroshima", uma adaptação do poema de Vinícius de Moraes que aborda os horrores da guerra; e "Sangue Latino", que se tornou um hino com sua melodia marcante e interpretação intensa de Ney Matogrosso. O sucesso foi imediato, quebrando recordes de vendas e consolidando a banda como um fenômeno cultural da época.
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Dentre elas, provavelmente a canção que mais ficou marcada foi "O Vira", composta por João Ricardo e Luhli e que traz grande influência da música portuguesa, inclusive com uso de instrumentos típicos como o acordeão. Sua letra brinca com o imaginário de criaturas míticas relatadas com elementos surreais, o que transporta o ouvinte para um universo fantástico e cômico. Ela obteve também um inesperado e gigantesco sucesso junto ao público infantil, o que também ajudou a alavancar as vendas do álbum, tendo sido regravada posteriormente por inúmeros artistas até com trabalhos voltados para este público como Sandy & Júnior e Sérgio Mallandro.
Uma das partes mais marcantes da canção é o seu refrão, que diz: "Vira, vira, vira/ Vira, vira, vira homem/ vira, vira/ vira, vira lobisomem/ Vira, vira, vira/ vira, vira vira homem/ vira vira" e que como diz Felipe Cunha Germano, no texto chamado "Explicando: O Vira, de Secos e Molhados", publicado na Revista Jovem Geek: "A menção de lobisomem traz a ideia de transformação, no homem que vira lobisomem, e vice-versa. Apesar da origem ser europeia, o lobisomem é uma criatura do folclore brasileiro, cuja lenda conta de um homem que se transforma em lobo nas noites de lua cheia."
Mais adiante, Felipe diz: "Para alguns, a letra da música é uma referência metafórica para a homossexualidade, onde o momento de vira homem, vira lobisomem seria uma referência para homens que, na sociedade passam uma imagem, e em boates gays se libertam. Em partes, essa pode ser uma interpretação que se dá por conta da performance do grupo Secos & Molhados."
Seria o refrão de "O Vira" do Secos e Molhados um manifesto contra o preconceito?
Esta interpretação encontra eco em outras análises. José Roberto Zan, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Professor do Departamento de Música e do Programa de Pós-graduação em Música da referida instituição, escreveu um artigo chamado "Secos & Molhados: metáfora, ambivalência e performance", e que pode ser conferido neste link. No texto, há um trecho onde ele fala sobre essa possível metáfora: "O cancionista joga com a dupla conotação da palavra vira: a de girar (girar o corpo de acordo com a coreografia do gênero português) e a de transformação - 'Vira, vira, vira homem [...], vira, vira lobisomem'. Mas a composição adquiriu significados mais amplos. (...) possivelmente em função da performance do grupo, a música ganhou outras conotações. Para o jornalista e crítico João Nunes, tratava-se de uma espécie de referência metafórica à homossexualidade, uma 'elegia gay bem-humorada'."
Já Fernando Muratori Costa, no texto "Música e Performance: Entre Sacis, Fadas, Secos e Molhados" publicado no site A Música De, ao falar sobre o possível duplo sentido em relação ao "virar homem, virar lobisomem", a princípio traz os mesmos pontos levantados acima, mas depois faz uma ressalva: "Entretanto, o vocalista do grupo, Ney Matogrosso, e Luli - uma das compositoras da canção -afirmaram em participação no programa de televisão O Som do Vinil, apresentado por Charles Gavin, que não há qualquer conotação do tipo na música e que se trata apenas de uma canção lúdica, infantil até, com caráter fantástico".
Fernando diz logo em seguida: "Luli ainda acrescenta que o refrão era uma alusão a uma brincadeira de bar bem conhecida ("vira, vira, vira, virou"), quando as pessoas que estão bebendo juntas, de forma sincronizada, bebem uma dose inteira de bebida alcoólica de uma vez e simultaneamente (o que é conhecido como "virar") (...) Os relatos deles no programa apontam, nesse sentido, para uma canção essencialmente festiva, divertida."
Seja como for, vamos relembrar que nem sempre o significado de uma obra artística fica restrito ao intuito de seu autor, e neste sentido vamos retomar o ensaio de José Roberto Zan e reproduzir mais um trecho: "Essa dubiedade fez com que para além da aparente ingenuidade da composição houvesse algo mais contundente. Naqueles anos, os novos movimentos sociais ensaiavam seus primeiros passos, reivindicando direitos específicos de determinados grupos que se definiam a partir da identificação étnica e de gênero. Neste caso, incluíam-se as mobilizações pelos direitos dos homossexuais. Ora, numa sociedade impregnada de valores machistas e num contexto marcado pela vigência do regime ditatorial militar que, de dentre outras coisas, se respaldava numa moralidade anacrônica, as bandeiras de luta dos homossexuais adquiriam um sentido transgressor."
Apenas entretenimento ou conotação ativista? Provavelmente, como toda obra de arte, o significado do refrão de "O Vira" depende do olhar e da vivência de quem ouve. No final, o mais importante é apreciar a música, divertir-se com ela e, quem sabe, até refletir e aprender algo novo. Ou apenas sair dançando, tudo é válido!
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