On The Road: Gigantes do Soul Jazz
Por Cláudio Vigo
Postado em 19 de novembro de 2001
Mais uma vez estava eu entretido com uma novidade - os new darlings chics de plantão: o grupo de Acid Jazz alemão De Phazz. Tudo muito cool, desde os grafismos em preto e branco da capa, trumpetinhos em surdina, vocais soul, climas etéreos e uma evocação retrô a coisas como golas rolês, impalas brancas e um estilo groove de ser, que já fez a festa de muita gente boa como o Count Basic de Peter Legat, Brand New Heavies, Us3, Brooklin Funk Essentials e tantos outros pra quem móveis pé de palito e Dry Martini nunca saíram de moda. Só que toda essa turma, apesar de fazer um som bacaninha e estiloso, na verdade dilui e porque não dizer copia (muitas vezes descaradamente) com muito menos talento, as gemas do Soul Jazz dos anos 60 e início dos 70, um tempo onde um bando de negão espertos caíam dentro do órgão Hammond, fazendo um suingue insuperável. Botei um CD do John Patton pra tocar e resolvi encarar a empreitada. Bem vindos ao mundo maravilhoso do Funk e do Soul Jazz!
Lembro-me até hoje da primeira vez em que escutei um CD de Acid Jazz, o primeiro "Jazzmatazz" do Guru, lá pelo início dos anos 90. Quando ouvi aquela mistura de Funk, Hip Hop e o bom e velho Jazz, muitas vezes sampleado de venerandas figuras como Donald Byrd, Freddie Hubbard e tantos outros, parecia que estava descobrindo a pólvora. "Caramba!", pensei, isto talvez fosse uma saída para a música Pop e uma revitalizada no Jazz. Muita gente boa foi nessa, e músicos do calibre de Courtney Pine, Brandford Marsalis e Vernon Reid fizeram álbuns no estilo, alguns excelentes; outros mais novos cooptaram e trouxeram à tona velhos ídolos esquecidos como o Brooklin Funk Essentials com Pharoah Sanders, ou fizeram música de altíssima qualidade como o trio Medeski, Martin & Wood. Mas a verdade é que o tempo foi passando, a fórmula se diluindo e o excesso de charme acabou levando muita gente a um beco sem saída. Uma das (se não a melhor) coisas boas que aconteceram com este culto ao passado foi o renascimento de muitos músicos geniais que estavam um tanto quanto esquecidos, com o relançamento de quase tudo que estava esgotado e inacessível e uma verdadeira febre de Hammond bands que contaminaram experimentalistas como John Abercrombie e John Scofield e geraram boas surpresas como os noruegueses do Real Thing.
Na verdade, a matriz de tudo isso, a origem, se encontra no Soul Jazz feito, com enorme sucesso, a partir do final dos anos 50 e início dos anos 60 como uma reação negra ao branqueamento cool do Jazz West Coast por figuras (excelentes também) como Dave Brubeck, Shorty Rogers, Stan Getz, etc, que vinham com um som bastante lírico e intelectualizado. Ideal pra curtir uma fossa com um copo de Red Label pensando na vida inútil lendo algo bem sartreano, mas meio difícil de dançar. Neste clima, Horace Silver e Ramsey Lewis, dois pianistas de gênio e muito balanço, resolveram botar um molho na coisa e menos gelo nesse uísque, e deram uma quebrada neste ritmo, balançando o Hard Bop que estava também na crista da onda. O resto é história (bota história nisso), que mexeu na música como um todo. Daí vieram uma multidão de músicos (vamos falar de alguns) que influenciaram a maneira de se fazer não só o Jazz como deram origem à estrutura do Soul e Funk modernos, como também muito da estrutura do Rock'N'Roll clássico dos anos 60 e 70. Ao ouvirmos coisas como James Brown, Sly Stone, Kool & the Gang, Aretha Franklin, Marvin Gaye e por que não Allman Brothers, Doors, etc, mal podemos imaginar o tamanho da dívida de toda esta gente com o Soul Jazz sessentista.
A ênfase no ritmo era uma constante no estilo, não havia lugar para digressões temáticas ou caraminholas viajantes. O negócio era pau no lombo. Quase sempre tinha um órgão Hammond conduzindo a coisa, muitas vezes dispensando o baixo, além de um sax tenor levando a melodia, um baterista animal e um guitarrista sempre genial. Piano e cordas eram raros.
Muitos destes músicos estavam totalmente esquecidos, outros são bem pouco conhecidos até hoje, mas com esta onda toda de revival gerada pelos Dj's do Acid Jazz muita coisa foi relançada e a oferta de coisas sublimes tem sido enorme, uma verdadeira tormenta para as minhas finanças. Segue abaixo um pequeno perfil de alguns músicos que conheço melhor (existem muitos outros) e umas dicas básicas de CDs que não paro de escutar, para quem quer se aventurar no gênero:
OS REIS DO HAMMOND:
A sonoridade do velho órgão Hammond B3 está intimamente ligada ao Soul Jazz, quase todos os discos do gênero tem pelo menos uma faixa onde um solo de órgão se faz presente. Existem inúmeros músicos de gênio, mas os quatro abaixo são os meus preferidos:
Jimmy Smith - O Charlie Parker, o Hendrix do órgão Hammond, praticamente inventou a sonoridade do instrumento. Com 75 anos, está na ativa até hoje e gravou uma multidão de discos geniais com acompanhantes sublimes e sempre com um time de guitarristas de encher de água a boca. É ídolo absoluto de roqueiros como Keith Emerson, Gregg Allman, Brian Auger, e virtuoses da nova geração como Joey de Francesco;
"Big" John Patton - Discípulo de Jimmy Smith, Patton é também um dos grandes do Hammond em todos os tempos. Seus discos para a gravadora Blue Note nos anos 60 são antológicos e uma usina de suingue. Voltou a gravar nos anos 90 com o maluco beleza John Zorn;
Lonnie Smith - Outra fera brava, participou de muitos dos mais importantes discos do gênero. Assumiu um visual muçulmano alucinado nos últimos tempos e gravou dois discos imperdíveis em homenagem à obra de Jimi Hendrix, sempre com bandas de altíssimo nível;
Joey de Francesco - Esse, além de branco, é um menino perto desta turma. Gênio precoce, Joey é um virtuose inacreditável, tecnicamente não fica nada a dever aos mestres. Seu encontro com Jimmy Smith em San Francisco em 2000 demonstra isto.
Outras feras do Hammond: Larry Young, Jack Mc Duff, Jimmy Mc Griff e Richard "Groove" Holmes
OS HERÓIS DA GUITARRA:
George Benson - Esqueçam o baladeiro das FMs, do dançante boboca e tudo que ele fez dos anos 70 pra cá. O George Benson dos anos 60 era um guitarrista genial, fiel discípulo de Wes Montgomery, de quem "roubou" muitas idéias. Participou de sessões antológicas, ganhou uma grana depois disso (sem dúvida), mas se tornou um chato;
Grant Green - Este talvez seja o mais injustiçado musico dos anos 60. Muita gente não conhece este maravilhoso guitarrista, cujas trechos de músicas são sampleados por grupos como Us3. Sua pegada é reconhecível aos primeiros acordes. Na minha opinião é superior a Benson e um fraseado seu vale mais que toda a discografia dos Satrianis da vida...
Cornell Dupree - Considerado o maior guitarrista rítmico de todos os tempos, praticamente (junto com King Curtis) "inventou" uma boa parte da sonoridade soul dos anos 70 quando faziam parte da banda de Aretha Franklin. Duanne Allman o tinha como exemplo. Dupree não complica, seus solos são límpidos como água de cascata. Não tem farofa nem gordura, o homem só vai na boa!
Outros guitarristas marcantes: Melvin Sparks, Kenny Burrell, Eric Gale e Freddie Robinson.
OS GIGANTES DO SAX:
King Curtis - Um gigante de verdade, como já disse, inventou muito da sonoridade Soul com os Kingpins de Aretha nos anos 60 e gravou com quase todos os grandes nomes do Rhythm & Blues da Atlantic Records. Seu estilo é uma referência para todos os saxofonistas de Black Music. Seu encontro com Champion Jack Dupree (Blues in Montreaux) é um marco. Morreu assassinado em 71 no auge da criatividade;
Lou Donaldson - Na ativa também até hoje, Donaldson teve a seu lado em seus grupos quase todos estes músicos já citados. Saxofonista de raro balanço, seus discos dos 60's são uma delícia de se ouvir. Como já dizia o título de um disco seu: "Everything I Play is Funky".
Outros saxes detonantes - Cannonball Adderley e Hank Crawford.
Como eu já disse, essa é uma pequena amostra pra conhecer um pouco dessa montoeira de músicos e discos maravilhosos. Segue uma pequena discografia básica pra sentir o clima:
"The Best of King Curtis" - King Curtis (Capitol Records-1996);
"Blue John" - Big John Patton (Blue Note - 1989) orig.1963;
"Live At Club Mozambique" - Lonnie Smith (Blue Note-1995) orig.1970;
"Walk on the Wild side / The Best of Verve Years" - Jimmy Smith (Verve-1995);
"Everything I Play Is Funky" - Lou Donaldson (Blue Note-1995) orig.1969;
"So Blue, So Funky - The Heroes Of The Hammond" - (Blue Note -1991);
"The Best Of Grant Green Vol.2" - Grant Green (Blue Note-1996);
Pois é, o que é bom não envelhece, tudo têm sua época e momento. É claro que existe muita coisa boa nestes músicos novos de Acid Jazz. Mas, assim como o Mustang 67, um solo de Hammond permanece. Chato é resumir tudo isto na atitude "pé de palito com Martini" da turma da gola rolê. Entre o conteúdo e a embalagem, o que alimenta geralmente é o conteúdo. Ou não?
On The Road
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