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Para onde vão Robert Fripp e os amestradores de focas?

Por Cláudio Vigo
Postado em 06 de dezembro de 2004

Tudo começou quando a fidalga figura de meu amigo Cecil Galvão me telefonou com uma proposta que parecia o passaporte para o paraíso. "Vamos ver o Fripp?" Respondi de cara- "Quem, o Robert Fripp?" Pois era ele mesmo, um dos meus ídolos de todos os tempos que vinha pela primeira vez nestes tristes trópicos brasileiros, acompanhado das focas amestradas do G3. "Será que isso vai dar certo Monsieur?" "Que tal pagar pra ver?" disse o personagem cofiando o bigode e ajeitando seu pincenê imaginário. Resolvi pagar, e a conta foi altíssima.

Antes de qualquer coisa vale a apresentação de meu acompanhante na empreitada. Flautista emérito, formado em música, bicho grilo de boa cepa e freqüentador das dunas do barato, festivais de inverno de Ouro Preto, andanças pelado em Arembepe, possivelmente com os Novos Baianos. Uma figura psicodélica, mas extremamente refinada, cultor de Adorno e André Breton, com quem troco inúmeros discos, que vão do kraut rock mais ancestral até perolas do soul e do cool jazz. Ou seja, nenhum neófito, muito menos inexperiente, sobre qualquer tipo de manifestação musical.

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Conheço (e bem) o trabalho do King Crimson desde os anos 70 assim como as aventuras solo do "Mr Cabeção" Robert Fripp. Já vi o vento fazendo curva e o viés do espelho a bordo de Suástica Girls ou outras paisagens da alma propostas pelo dito cujo. Aquele estilo psicótico já me fez discutir com muita gente em sua defesa que o classificava como reles empulhação. Tenho um amigo de longuíssima data que sapateia em cima de sua foto e o chama de estelionatário do espírito, enganador etc... Coisa que nunca concordei. Tenho quase todos seus discos, ou seja, sou o que se pode chamar de fã.

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A noite iniciou com o já notório engarrafamento para chegar na Barra da Tijuca que enfrentei com até alguma galhardia me distraindo com algumas coisas no cdplayer. Um chopp de leve no Cervantes abriu os serviços e ficamos comentando coisas que iam de Belew nos Talking Heads até aventuras mais obscuras do Fripp como os shows com David Sylvian. Após trocarmos alguns disquinhos de presente, meu amigo se atracou com três pedaços de fígado sangrento, pois estava faminto. Tal qual um píton que vislumbrasse o futuro em vísceras, tive um insight e percebi todo o horror que nos esperava.

O Caos, a empulhação, o fake, a boçalidade tudo isso pululava explícito no molho amanteigado que entremeava as batatas do prato na mesa. "Isto te fará mal, caro Cecil", eu disse com voz de Moisés de filme de Cecil B. de Mille. Ele ficou assustadíssimo e me oferecendo um havana disse que já estava acostumado e que o colesterol dele estava ok. "Não... não, eu falo do ataque das focas amestradas, do fim dos tempos em forma de notas desperdiçadas". "Oh..." ele disse, enquanto o azulado da fumaça cobria seu rosto de forma enigmática. Rumamos para a entrada do show compenetrados no nosso papel de "tiozinhos sukitas" entre miríades de adolescentes (ou nem tanto) vestidos de preto gritando como num mantra maligno: "Vai Vai Vai Vai...."

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"Vão pra onde?" Perguntei perplexo e a resposta do meu amigo foi simplesmente impublicável... Na entrada fui parado pelo segurança, que sem respeitar meus cabelos brancos, resolveu me dar uma geral como nos velhos tempos... Quando achou na minha sacola um manual anarquista de altíssimo teor subversivo ficou mais intrigado do que se tivesse achado cem gramas da mais pura manga Rosa ou cartelas de Yellow sunshine... "Mas porque o senhor traz este tipo de livro para assistir este show?" Respondi- "Estava vindo de outro lugar e pra fazer hora eu costumo ler"... "Ahhhhhh" e nem quis ver mais nada... Quando eu ia saindo ainda perguntou: "Mas o senhor gosta disto mesmo?" "Do livro ou do show?" Perguntei. "Deixa pra lá" ele respondeu e foi atormentar a alma de um pobre infante chapado de conhaque de mel com algum outro aditivo.

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Entramos na suprema escuridão e o mito entrava no palco! Uauuuuu... Que emoção! Sentou no escuro, quase de costas e ligou uma engenhoca que parecia o motor do meu dentista que fazia uuuuuuueeeeeeeennnnnn junto com aquela cama de sons pré-gravados que fazem a delicia dos soníferos do tipo Kitaro ou assemelhados.

Cecil, sentindo o efeito do Fígado com o Havana, fez uma cara de "Quando começa?" E o treco continuava junto com uns efeitos visuais muito parecidos com os que eu colocava no escuro do meu quarto (com celofane verde) delirando com coisas como Edgar Froese. E tome uuuuuuueeeeeeennnnnnn com uns chuifsssssss. A patuléia ensandecida começou a ulular e vaiar com todas as forças e fazer sinais de heavy metal, ou seja, lá o que era aquilo e a gritar de novo: "Vai Vai Vai Vai..."

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Soltei um comentário que achei apropriado e um teen-ager com cara de bisneto de Hell Angel fez cara de que ia encarar, mas ao ver o tamanho do meu amigo desistiu. Mr. Fripp saiu do palco à francesa assim como entrou. Desligou a engenhoca e fugiu como se tivesse que pagar uma conta no banco antes das quatro. Sem que eu tivesse tempo de espernear de ódio e magoa, adentrou o palco um sujeitinho lambisgóia com uma guitarra de três braços e cabelos esvoaçantes... Fiquei procurando de onde entrava tão terrível vento encanado e descobri, com espanto, que um ventilador potente estrategicamente colocado fazia evoluir o alisamento progressivo japonês (ou seria chapinha?) do cabelo do guitar hero. Um colosso! Um esporro tonitruante com dez mil notas por minuto, caras, bocas, biquinhos e "ademanes" compunham a cena junto com uma calça de couro preta que remetia a Jim Morrison ou Serguei (dependendo da interpretação).

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Na terceira música eu já tinha certeza que estava odiando a presepada e percebi que o excelente baixista Billy Sheehan (um monstro no Niacin) se prestava ao papel de coadjuvante. O baixo era esmurrado e maltratado. Uma tentativa ou outra de algum sentimento esbarrava em mais correrias, mais biquinhos e mais ventilador. Aquilo parecia um tratamento de canal de tanto sofrimento. Meu amigo Cecil resolveu ir pro saguão, pois dizia nunca ter assistido nada pior. Acompanhei me lembrando do Holiday on Ice ou de um Circo de cavalinhos que vi no interior... Era isso! me lembrei da foca e dos truques que ela fazia com a bola no nariz. Só não tinha ventinho nem cabelo...

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Resolvi ir ao banheiro e um marmanjo chorava esguichos no mictório dizendo que havia casado ao som de Satriani e que queria morrer ao som de Steve Vai. Uau! Retirei-me correndo antes que isso pudesse acontecer. Lá fora encontrei um ou outro conhecido e algumas pessoas na mesma situação. Meu amigo tomava litros de água tônica e eu de água carbonatada esperando que a azia (agora existencial) se dissipasse. Ele botava a culpa nos vaticínios do fígado enquanto desfilava muito mais palavrões que eu supusesse conhecer. Resolvemos esperar e encarar o Satriani. Na primeira musica, mais do mesmo, só que sem ventilador, pois os cabelos há muito se foram do guitar hero numero dois. Outro horror. Muita rapidez, muita escala, muito uen uen e caras e bocas...

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Caramba... Eu já vi Santana, Jeff Beck, Al di Meola, John Mclaughlin, Pat Metheny, Coco Montoya, John Abercrombie, Paco de Lucia e muitos, muitos, mas muitos outros guitarristas excelentes tocando, pertinho, quase respirando junto. Guitarristas de jazz, progs - Hackett, Jan Akkerman, Howe, blueseiros, Robben Ford, tudo ao vivo... John Scofield, Mike Stern, Larry Corryel etc. Discos então perdi realmente a conta de quantos guitarristas escutei com atenção e devoção. O que estes caras (Satriani e Vai) fazem (independente do conhecimento Técnico) é macumba pra turista, pura enganação. Já sei, vão me chamar de anta, reaça etc... tanto faz... ou melhor, ainda bem! Desafinar o coro dos contentes tem o seu momento.

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Por puro tédio saí na terceira musica do Satriani e não me arrependo nem um pouco. Coloquei um Benson & Farrell para tocar no carro e logo depois um Illinois Jacket. O prazer de cortar a Zona Sul naquela hora longe daquilo tudo e ouvindo aquelas maravilhas foi um bálsamo para minha alma alquebrada.

Bem que o fígado havia avisado. Quem mandou não acreditar!

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Sobre Cláudio Vigo

Da safra de 62 , Claudio Vigo ganha a vida com a poesia, o jazz e o rock n roll. Paga as contas como arquiteto.
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