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On The Road: Papo Lynyrd

Por Cláudio Vigo
Postado em 09 de maio de 2001

Desde o início das atividades desta coluna aqui no Whiplash, não há uma semana em que não apareça um fã do Lynyrd Skynyrd me escrevendo e intimando a falar algo sobre a banda. Nunca vi coisa igual, uma galera saída de todos os cantos do país, que acredita que o Alabama é aqui e quer mais é balançar a cabeleira redneck. Resolvi chamar para um "papo Lynyrd" duas autoridades no assunto, meus amigos de mais de vinte anos Miguelito 78 e Chicozé, duas lendas vivas do "underground seventies" carioca.

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Este papo é antigo. Nos setenta e alguma coisa, costumava haver uma espécie de horda pré grunge que era precursora do estilo sem ter a mínima idéia a respeito. Todo mundo cabeludo, usando umas camisetas brancas por cima da indefectível camisa de flanela quadriculada e uma vontade de viajar pra Lumiar, simplesmente incontrolável. Eu tinha uma penca destes amigos, todos fãs incondicionais e exclusivos do LYNYRD SKYNYRD, que eu até gostava, antes de ser exposto a uma overdose da banda de que jamais me recuperei. Era sempre a mesma "old story": todo mundo no carro, indo pra praia ou zanzando pela noite adentro e eis que surgia, como das profundezas da flanela xadrez, a cassete surrada que era saudada por inúmeros "iiisssaaasss" e outros sons primários de regozijo e insuportável alegria de viver. E tome" Sweet Home Alabama", "Free Bird", "Working For MCA" e outras músicas que seriam ótimas se não estivessem sendo ouvidas pela trocentésima vez, só naquele verão, junto com a história do avião e tudo mais. Uma coisa de enlouquecer qualquer um.

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Como bom fã do Rock Sulista de então (amava o Allman Brothers), bem que eu tentava trazer outras sonoridades, mas o fracasso era total, os cassetes (sempre com as mesmas músicas) se reproduziam de forma avassaladora e em segundos eu estava sendo "apresentado" mais uma vez ao som com umas "guitarrinhas maneiras" da banda que caiu o avião, etc... etc...

Do que me lembro o LYNYRD SKYNYRD era um grupo de caipiras marrentos que estudaram juntos (o nome do grupo é uma gracinha com o nome de um técnico da escola Leonard Skinner) e adoravam encher a caveira com a bandeira confederada ao fundo e outros chauvinismos típicos (isso explica o amor incondicional de meus amigos). Foram produzidos pelo genial "super session man" AL KOOPER, que simplesmente transforma em ouro tudo que coloca a mão e desenhou o som da rapaziada enquanto eles tacavam latinha de cerveja um no outro e faziam outras amabilidades típicas do "modus vivendi" do homem branco sulista.

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De grossura em grossura, nossos heróis separacionistas chegaram ao estrelato entre peitadas em Neil Young (o "anti Southern Man" clássico) e uma pegada de guitarras realmente muito boa até que Ronnie Van Zant, Steve e Cassie Gaines foram dessa pra melhor, curtir uma gelada e azarar umas creuzas na porta da padaria do além...

O grande perigo era quando essa turma (os pré-grunges) resolvia deixar de ser fã exclusivo e sacava do violão desfiando o repertório inteiro do Beto Guedes em volta da fogueira. Nestas horas eu sempre perguntava:"cadê aquela fita do Lynyrd?"


A coisa toda se sucedeu num bar de pescadores de grandes memórias, ao cair duma tarde destas bem bestas. Umas manjubinhas, uns mexilhões e uma garrafa de Jack Daniels, que eu levei pra dar um clima "southern" e roqueiro. Por sorte o pagode ambiente estava desligado e pudemos entrar no clima sem precisar fazer discurso de fim de mundo (tão a gosto do nosso Miguelito). Antes de qualquer coisa, tenho que apresentar as peças, todos dois com mais de quarenta anos de estrada e pelo menos vinte cinco de bons serviços prestados à santíssima trindade de sex, drugs e Rock'n'Roll. Miguelito 78, já descrito em outra oportunidade, é aquele que acha que o mundo acabou em 78 e desde então recolhe os cacos (discos e mais discos) esperando que o resto do mundo termine em funk e um disco voador lhe leve de volta pro planeta Eldo Pop. Chicozé talvez seja o maior arrumador de discos impossíveis e inacreditáveis que exista. Se houve um show de Luiz Gonzaga com Hendrix com certeza ele têm este disco em mais de uma versão. Algumas coisas como Thin Lizzy e Wishbone Ash ele possui todas as excursões gravadas, uma coisa pra lá de impressionante. Os dois conhecem e já ouviram tudo de rock. Sou o caçula da turma e conheci muita coisa através do que a dupla me emprestava.

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Quando resolvi escrever sobre o Lynyrd resolvi chamá-los e botar pra falar aqui com vocês. O dia tava bonito e no fim, cheio de gaivotas no mar de Jurujuba. A garrafa de Jack Daniels estava no meio, junto com uma penca de cervejas vazias. O que segue é a coletânea do que rolou nesta tarde:

M78 Meu amigo Cláudio Vigo, espero que esse papo acabe com esta frescura de Jazz que você se meteu esse tempo todo e te traga de volta pros anos dourados (risos...). Não tem o filme "de volta pro futuro?" Pois é meu compadre, vamos de volta pro passado...

Cvigo tô fora Miguelito, tô fora. Manda aí Chicozé, e o Lynyrd?

C Zé o Lynyrd foi o melhor fruto do Southern Rock, que você erradamente diz que é coisa de Allman Brothers. Ok, são sulistas, mas só tocaram o que se convencionou chamar de Southern Rock por um tempinho. Os Allman eram calcados no blues com forte influência do Jazz; já o rock sulista tem como base o country. Vou radicalizar: os Allman acabaram com a morte do Duanne, depois viraram acompanhantes de luxo de Dickey Betts, e mais à frente, um caça níqueis repetindo as musicas antigas.
Mas olha: quem plantou o Southern Rock foi ele mesmo, desde o "Eat a Peach" que o Dickey Betts começou a apadrinhar toda aquela turma: Marshall Tucker Band, Elvin Bishop, Wet Willie etc, tudo pela Capricorn Records.

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Cvigo mas essa turma é bem inferior aos Allman. Depois dessa, põe mais Jack Daniels nesse gelo aqui.

Czé e daí? O negócio estava pegando e a MCA sentindo o cheiro da grana contratou seu ídolo Al Kooper.

M78 nosso, meu caro, nosso...

Czé pois é, o homem criou um selo especifico (Sounds of South) e contratou o já então formado Lynyrd Skynyrd que já tinha algum sucesso lá pelo sul (Flórida, Tennessee, Geórgia e Alabama). Como grande produtor, o olho dele não falhava e a banda era excelente, com um vocalista carismático.

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M78 Ronnie Barefoot Van Zant, o bicho só cantava descalço e era muito mal encarado.

Czé e tinham dois guitarristas esporrentos e excelentes. Esses três eram os principais compositores de um razoável repertório da banda. Tinham realmente uma pinta braba, eram grossos, cabeludos e bebiam profissionalmente. Na verdade, a banda já existia tinha algum tempo, com algumas músicas gravadas por selos independentes e que hoje aparecem espalhadas em varias coletâneas. Não tenho certeza, mas acho que a bossa dos três guitarristas tem o dedo do Al Kooper. O Ed King , era músico de estúdio, não tinha a mesma pose dos outros (gorducho e cabelo curto) e não era de Jacksonville, cidade natal das figuras.

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Cvigo cara, eu sou suspeito pra falar de Al Kooper, desde o Blues Project, Blood Sweat & Tears, os discos com Bloomfield e os solos. Tudo que o cara tocou virou ouro, tirando que tocou com Dylan no barraco histórico de Newport. Um gênio. É o Forrest Gump do rock. Dêem uma olhada no site dele, têm foto com todo mundo que era alguém no rock dos 60. Esse disco dele ao vivo (o ultimo) é insano.

Czé bom mesmo, um troço de doido.

M78 ei, o papo não é o Lynyrd? Daqui a pouco Vigo começa com estes papos de Mingus, Charlie Parker e estas manias... me arrepio quando lembro a primeira vez que ouvi "Free Bird" apresentado pelo Paulinho Macaco, que me disse que o som era pro Duanne Allman. Uau... grande momento. Rapaziada agora arrepiou. Vou parar com a cerveja, vou nesta gasolina braba aí. Caramba, quem gosta disso é o Keith Richards... ô Chicozé, essa manjubinha era melhor... ô Dona Maria, tá no relaxo, cadê o capricho? Assim não tem volta...

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Cvigo esta manjuba foi pescada em 78 (risos).

M78 tão esquecendo do resto da turma - Gary Rossington, Allen Collins e Ed King, depois substituído pelo Steve Gaines, o batera Bob Burns, depois Arthymus Dyle (o melhor batera sulista de todos os tempos), o tecladista Billy Powell e o baixista Leon Wilkenson.

Cvigo o nome da banda veio de um professor, né?

M78 um mala sem alça chamada Leonard Skynner (a cara do irmão José do Abel em 75)

Czé logo no primeiro disco (pra mim o melhor em estúdio) os caras arrebentaram e a MCA consegue colocá-los como banda de abertura pra excursão do The Who (Quadrophenia). Meia hora sentando a borduna e lavando a égua. A imprensa elogiou bastante, inclusive o próprio Pete Townshend. Eu tenho um bootleg de um desses shows, só meia hora, mas eles realmente arrebentam. Falando nesta turnê, dizem que o Keith Moon estava tão alucinado que não conseguiu terminar um show. Pete Townshend perguntou se alguém da platéia se habilitava a continuar.
No ano seguinte (74) o segundo disco traz um hit instantâneo: "Sweet Home Alabama", que já existia tinha tempo (aparece no meu bootleg) e que era uma resposta à musica "Southern Man" de Neil Young.

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Cvigo uma patriotada caipira bem chauvinista, verdade seja dita. Esse papo de confederados acho um saco. Daqui a pouco começa a queimação de crioulo e índio.

Czé ô rapaz... a autoestima destes rednecks tava meio em baixa nesta época. Veja só Watergate, têm a ver. Os caras queriam se sentir prá cima. Em 75 saiu outro biscoito fino com outro baterista (tenho outro bootleg desta fase que confirma isso). Até que no final do ano saiu o Ed King e só ficam com dois guitarristas. Ficou meio capenga. Os arranjos tiveram que ser refeitos, enfraquecendo o ponto alto que era o duelo de guitarras. Prá se ter uma idéia de como era a banda assim é só esperar o lançamento oficial do show completo do King Biscuit Flower Hour do mais famoso (e primeiro) bootleg do Lynyrd, que na época teve o nome de Cardiff Peaches, que trazia o show incompleto. Esse cd oficial era pra ser lançado em 95, mas por razões obscuras, teve que ser seguro dias antes do lançamento programado. Muitas cópias especiais prá imprensa foram distribuídas, gerando um item de colecionador que alcança algumas centenas de dólares hoje em dia. Em 76 a banda deu duas cartadas decisivas: primeiro trocou de produtor, saindo o Al Kooper e entrando outra fera, o Tom Dowd. Esse camarada produziu todo mundo. Só pra citar dois exemplos, o "Fillmore East" dos Allman e a verdadeira desgraça "Locked In" do Wishbone Ash. O disco ficou meio fraco (o pior dos oficiais) e não fez o sucesso esperado.

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M78 aí veio o estouro do disco ao vivo, "One More From The Road. Esse todo mundo tinha, e ouvia todo santo dia.

Czé em 76, na cola do Peter Framptom, todo mundo gravou disco ao vivo, podem verificar!

Cvigo sabe que eu acho o Framptom um belo guitarrista?

M78 que que é isso mermão, aderiu ao mela cueca? Foi esse excesso de jazz... Dona Maria, traz mais outra cerveja que este Jack Daniels tá subindo na cabeça do rapaz. Tem outra coisa pra beliscar? Essa manjuba tá difícil, tá difícil...

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Cvigo nem vou responder que o papo hoje é Lynyrd. E o peixinho até que está simpático.

M78 continua Chico, que o homem tá tendo flashback com o óleo da manjuba.

Czé outra grande sacação das caras foi o engajamento na campanha "Save The Fox", um teatro de Atlanta na Geórgia, centenário e tradicional, que tava perigando de ir abaixo. Eles encararam a defesa do teatro de frente e tiveram uma divulgação enorme nisso, com título de cidadãos honorários de Atlanta e o caramba. O disco foi gravado em três maravilhosos shows (sold out) no tal Fox Theatre com o experiente Tom Dowd produzindo e trazendo Steve Gaines na terceira guitarra, que tocava demais e era irmão de uma das vocalistas de apoio. O disco vendeu tudo (saiu até por aqui). Quando o álbum seguinte (Street Survivors) foi lançado, trazia na primeira capa uma rua escura com prédios em chamas no fundo e em primeiro plano os componentes da banda um tanto chamuscados pelo fogo. Apenas três dias após o lançamento cai o avião que levou o Ronnie Van Zant, o Steve Gaines (que acabara de entrar) e a irmã.

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M78 caramba, agora pegou! Lembro-me de cada mísero detalhe. Lia umas Melody Makers emprestadas pelo meu amigo Merrem. Fiquei passado no lance, parece que foi pane seca, o piloto calculou mal a gasosa e o avião despencou.

Czé aí viraram mito. Passaram a vender dez vezes mais e acabaram aumentando o prestígio e a venda de muitos outros grupos sulistas. Eu soube pelo meu pai, que tinha ouvido na tv e me contou. Também engasguei no lance.

M78 três anos depois, o restante da turma continuou com o nome de Rossington Collins Band, na qual a Honkette Dale Krants (que depois se casaria com Rossington) se tornaria a vocalista principal. Lançaram dois discos ("Anyplace, Anytime, Anywhere" e "This is the Way") sendo o segundo ótimo. Em 83, Allen Collins vem com sua própria banda junto com Billy Powell e Leon Wilkenson e lança "Here, There & Back" que saiu pela MCA tentando reeditar o Lynyrd, mas com um componente farofa típico da época. Em 85 saiu o "Tribute" com Johnny Van Zant (caçula dos Zant) nos vocais e algumas feras como Paul Ridlle (Marshal Tucker), Toy Caldwell, Charlie Daniels, Jimmy Hall do Wet Willie e até Steve Morse fez sua graça em "Gimme Back My Bullets" (arrebentou, bicho!). Brabo foi ver Allen Collins detonado no palco pouco antes de morrer. E em 91 o grupo volta com o excelente "1991" com o Johnny Van Zant nos vocais (caras e bocas iguais as do irmão) e Ed King na guitarra.

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Czé quê isso, Miguelito? Isso tudo é picaretagem pura. Só tem o nome. Tem uma ou outra coisa e o resto é cover de si mesmo. Apelação pura.

Cvigo vocês sabem disso, nem preciso confessar. O último que ouvi foi lançado antes do avião cair. Desses tributos e levanta defunto passei longe.

Czé mas você é traumatizado, assim não vale.

Cvigo Niterói têm uma síndrome de Lynyrd impressionante. Tinha aquela banda cover de enorme sucesso por aqui, chamada "Alinaesquina", lembram? Uma vez tava numa festa e tinha um maluco vestido com uniforme confederado. É demais prá minha cabeça!

M78 ô dona Maria, traz a conta logo. Além de Flashback, essa manjuba ta dando rabugice e meu amigo Vigo começa daqui a pouco a encher a gente com aquele papo de John Coltrane.

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Czé ô Cláudio, têm um cd aí no carro que você não conhece (risos). Têm umas guitarrinhas maneiras, e morreu todo mundo num desastre de avião (risos).


Já tava ficando noite. Miguelito implicava com o pagamento das manjubas. Chicozé me botava água na boca com sua nova remessa de registros de shows raros à caminho. Tudo estava calmo em jurujuba até entrarmos no carro e os primeiros acordes de "Saturday Night Special" assustarem as gaivotas. Bela tarde, grande conversa.

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Sobre Cláudio Vigo

Da safra de 62 , Claudio Vigo ganha a vida com a poesia, o jazz e o rock n roll. Paga as contas como arquiteto.
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