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On The Road: Pancadão Hendrixniano

Por Cláudio Vigo
Postado em 04 de julho de 2001

Você sabe o que é um pancadão? Pois é, podia ficar aqui por páginas e páginas explicando, mas com certeza será desnecessário. Os sintomas físicos são a boca aberta, o olho esbugalhado naquele estado de "quequeisso mermão" onde só se consegue dizer: "É isso, é isso aí". Tomar um pancadão é ter a certeza da descoberta de um dos umbigos do mundo. Você pode chegar por aí em vários atalhos. Tomei um esta semana (tinha tempo que não rolava) que tenho que compartilhar. Vamos nessa?

Jimi Hendrix - Mais Novidades

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Chegou por aqui esta semana um pacotinho vindo da distante Zurich, que trazia três cds enviados por um amigo naquela de "ouça e alopre". Não conhecia nenhum deles mas um me chamou especial atenção, era uma homenagem a Jimi Hendrix feita por uma banda tecno inglesa chamada "Beautiful People". O nome da bolachinha prateada era sintomaticamente: If 60's were 90's e coloquei para ouvir imediatamente.

Estava neste dia num tremendo mau humor e transbordando de tédio e já na primeira faixa bateu legal! Caramba, os caras pegaram o próprio som do Mestre dos mestres e samplearam, modificaram, acrescentaram e colocaram um molho que ficou sensacional. Antes que os puristas saiam me chamando de gagá e herege, acrescento e explico: Não é Hendrix, que é inimitável e perfeito, mas não deixa de ser. Sei lá, ficou bom demais.

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Du Kane e Luke Baldry (os responsáveis pela aventura) tiveram acesso através do detentor dos direitos na época (1992) Alan Douglas a todo o material (inclusive inédito) deixado por Hendrix e armados de samplers e toda a tecnologia disponível na época levaram 18 meses retrabalhando as bases e enxertando um vocal aqui, um solo acolá em uma cama eletrônica altamente viajante - lisergia perde. Os dois antes de virarem músicos eram figura de proa da cena rave londrina do inicio dos 90 e devotos da memória dos acid tests de Ken Kesey: "Os acid Tests foram as primeiras raves da história" mandou Du Kane em uma entrevista.

Daí em diante o pancadão foi iminente. Conheço inúmeros discos homenagens a Hendrix, tenho vários, mas na maioria das vezes ou se fica com uma vontade insuportável de ouvir o original ou a clonagem é escandalosa. Ficar vendo quem toca mais parecido é decepcionante e por que não dizer um pouco ridículo. Parece aquele sósia de Elvis, dá muita tristeza. Alguns destes clones são irritantes (Frank Marino) outros bem legais (Robin Trower), mas ao ouvir o próprio Jimi reciclado de maneira genial só nos resta abrir a boca, esbugalhar os olhos e dizer: É isso aí, É isso aí...

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Ouvir este disco trás aquela interminável conversa fiada de o que estaria fazendo Hendrix se estivesse vivo. Muitos já disseram que estaria fazendo Jazz, outros que estaria caminhando na época para o Progressivo, a discussão é bocó e estéril, pois qualquer bobagem ganha clima de premonição nestes casos. Não é nada disso que falo quando elogio este disco, apenas achei muito legal a experiência dos caras. Ao invés de ficar no baticum eletrônico pegaram um dos grandes, se não o maior músico do século e ousaram homenagear mantendo o clima e não clonando.


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Miles Davis (outro gigante) adorava Jimi Hendrix. Dividiu uma namorada com ele num triângulo amoroso cheio de ciumeiras e barracos típicos deste tipo de situação. O nome da diva era Betty Marble e pode ser vista na capa de "Filles on Kilimanjaro" de Miles. Inventor de mais da metade da sonoridade do século e grande vetor de novidades, Miles também tomou o famoso pancadão quando ouviu a música de Jimi pela primeira vez apresentado por Betty.

Jimi também adorava a música dele, principalmente "Kind of blue" que era um de seus discos preferidos. Trocaram umas figurinhas em alguns ensaios e reza a lenda que estavam se preparando para gravar juntos um pouco antes de Jimi morrer. Sua opinião sobre a musica de Hendrix é um tanto quanto original:

"Jimi era ligado a musica caipira country, tocada pelos montanheses brancos. Por isso tinha aqueles caros ingleses no conjunto, porque muitos brancos gostavam de musica caipira americana. O melhor som dele para mim foi quando teve Buddy Miles na bateria e Billy Cox no baixo. Jimi tocava aquela coisa indiana, ou aquelas musiquinhas engraçadas, que duplicava na guitarra. Eu adorava quando ele duplicava na guitarra as coisas daquele jeito. Costumava tocar um 6/8 o tempo todo, quando estavam os tais brancos ingleses, e era isso que, pra mim, o fazia parecer caipira. Só esse conceito, que aplicava nessa coisa. Quando começou a tocar com Buddy e Billy no Band of Gypsys, creio que botou tudo que estava fazendo pra fora. Mas as empresas de discos e os brancos o preferiam com os caras brancos do conjunto. Mas Jimi vinha do blues, como eu. Nos entendemos imediatamente por causa disso. Ele era um grande guitarrista de blues, ele e Sly (Stone) eram grandes músicos naturais: tocavam de ouvido".

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E sobre o mítico disco conjunto: "Ele e eu devíamos nos encontrar em Londres depois do Concerto (Ilha de Wight), pra discutir um disco que finalmente decidiríamos fazer juntos. Quase fizemos uma certa vez, com o produtor Alan Douglas, mas ou não pagavam bastante ou estávamos ocupados demais para fazê-lo juntos. Tínhamos tocado muito juntos na minha casa, apenas fazendo 'jam'. E achávamos que talvez tivesse chegado a hora de fazermos alguma coisa juntos num disco. Mas as estradas estavam tão engarrafadas na volta a Londres, após este concerto, que não consegui chegar a tempo, e quando cheguei a Londres Jimi não estava mais lá. Eu ia pra França, acho, fazer mais algumas apresentações e depois voltaria à Nova York. Gil Evans me ligou e disse que ia se encontrar com Jimi e queria que eu participasse do encontro. Respondi que iria. Esperávamos a chegada de Jimi quando soubemos que ele tinha morrido em Londres".

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Só de imaginar o que daria este encontro chego a ter arrepios. As gravações de Miles Davis com Gil Evans são para mim o auge da perfeição; com Jimi Hendrix seria uma covardia total. O que iriam tocar? Vai ver pelo fato de nunca ter acontecido fica este espectro de absoluto.

Gil Evans tempos depois gravou um disco muito doido com orquestra recriando alguns clássicos como "Voodoo Chile" (com um inacreditável solo de tuba) e "Little Wing" que ficou belíssima num clima meio free, mas bastante interessante, tenho em um vinil combalido e nunca vi em cd. Outra releitura muito interessante é os dois discos do Lonnie Smith Trio ("Purple Haze" e "Foxy Lady") onde o rei do Hammond Organ manda ver em versões alucinantes acompanhado do soberbo John Abercrombie na guitarra que não imita um só solo, mas mantém o clima hendrixiano sem deixar a peteca cair. São releituras onde o espírito da coisa permanece sem imitação, recriação não é cover.

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Tenho também por aqui a homenagem "In From the Storm" onde Sting, Santana, John Mclaughlin, Robben Ford e muitos outros reeditam alguns clássicos com auxílio de orquestra. Não é ruim, mas fica muito abaixo dos outros anteriores. Sei que é questão de gosto, mas acho a versão de Steve Ray Vaughan para "Voodoo Chile" uma tremenda bobagem. Se for pra tocar igual prefiro ouvir o original que é exatamente o que estou fazendo agora com "Eletric Ladyland" explodindo nas caixas.

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Igual ao sutiã e outras "cositas, mas", o primeiro Hendrix a gente nunca esquece. O meu foi numa sessão vespertina de "Monterey Pop" no velho cinema 1 de Icaraí. Eu, no auge dos meus quatorze anos, já tinha ouvido falar do guitarrista genial que havia morrido levado pelos "horrores do vício". Até por isso estava doido para conhecer. Quando apareceu na tela aquele festim dionisíaco e selvagem em "Wild Thing" com direito a fogaréu na guitarra e tudo mais, meus olhos brilhavam no escuro refletindo tanta intensidade. Saí do cinema e imediatamente comprei um exemplar do "Band of Gypsys" que tinha na loja ao lado do cinema. Cheguei em casa deitei, aumentei o volume no máximo e começaram os sintomas aos primeiros acordes de "Who Knows": Boca seca e aberta, olho esbugalhado e dizendo baixinho, "É isso ai, É isso aí". Pois é, tremendo pancadão cara, tremendo pancadão!

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On The Road

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Sobre Cláudio Vigo

Da safra de 62 , Claudio Vigo ganha a vida com a poesia, o jazz e o rock n roll. Paga as contas como arquiteto.
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