Carol Morreu - O mito Stevie B
Por Felipe Ricotta
Postado em 15 de maio de 2005
Stevie B. Fundição Progresso
"Muityo obrihado pelo sieu amor." (Stevie B, agradecendo o carinho do público)
(fim de noite. boteco na subida do morro santa marta, o único aberto aquela hora por ali pelo humaitá. os irmãos dancing brothers encontram o esquadrão mod adolescente.)
"Aqui não é Londres mas bem que poderia ser, não?" - ele disse.
Eu realmente acho muito foda terno e gravata.
Mas definitivamente, aqui não é Londres e faz um calor do carai! Então não tem como fazer sentido pra mim.
"Mas confesso que sempre quando rola um casamento ou uma formatura, eu faço questão de ir pra outro lugar depois de terninho."
Principalmente quando a química do meu cerébro já tá bem aditivada de Whisky Com Coca e eu não exagerei nos salgadinhos.
Enfim.
Eu insistia em não querer perceber que seria meio impossível conseguir transmitir praqueles rockers bem mais novos que nós o quão grandioso tinha sido o espetáculo que tínhamos presenciado horas atrás. Eles nem sabiam quem era Stevie B, inacreditável.
Festinhas de Play Homem Leva Refri Mulher Leva Prato de Salgado. Tony Garcia vs. Stevie B, quem era mais fodão? Passinhos sincronizados. A hora da música lenta e a temida vassoura. Por que aquele cara do Information Society tava sempre andando de patins? O cagaço de chegar na garota do 4° andar. O drama de viver no meio termo entre a playboyzada e a galera black do mal. Eles não viveram isso e na hora eu me sentia pelo menos uns 6 anos atrasado com relação à tudo nessa vida. E pagava de velho ridículo.
"Cara, por mais que as suas raízes sejam uma mierda, você NUNCA pode renegá-las."
Comecei a falar sobre o vinil que eu tinha BON JOVI IN BRAZIL (foi um dos meus primeiros contatos com o roque) e uma das paradas que eu achava mais foda na foto da banda era que o Jon tava descalço sentado no chão com o pé preto. Aquilo era ser rebelde pra mim, saca? E não tive a menor vergonha de assumir que eu cresci querendo ser o cara. Eles ficaram horrorizados, quase escutei todos eles pensando ao mesmo tempo PUTZ, NINGUÉM MERECE ESSE CARA.
"Dannie, o Stevie B tinha Dançarinos Prateados, você tem noção?"
Viver fica muito menos doloroso quando você aprende a rir de si mesmo.
Além disso, estimular a revolta das pessoas bacanas de outra geração, mesmo que pra isso você se queime com eles, é fazer um bem ao futuro da humanidade.
(...)
(ps: no momento em que encaro essa tela, eu sou o cara mais fã de Idlewild que já existiu. mas vai passar.)
(...)
(na entrada da fundição. horas atrás.)
A gente tinha um problema sério. Sequelei, pedi credencial muito em cima da hora e não consegui entrar em contato de jeito nenhum com o tal produtor da festa que tava cuidando da parte de imprensa. Na porta do lugar, tentávamos de todas as formas ludibriar os seguranças mas eles não levaram fé no nosso papo furado nem no gravadorzinho ninja de jornalista profissional em minhas mãos. Até que o Toother teve uma excelente idéia.
"Vamos entrar pelo estacionamento aqui do lado e é só pular a grade. Num pulo, a gente entra."
Adentramos o estacionamento camuflando nossa estratégia fingindo conversações telefônicas no celular pra não causar desconfiança no segurança que vigiava tudo do alto, piscineiro salva vidas de clube style. Pórem, a idéia não era tão original como pensei de início, visto que quando nos demos conta, vários malucos tavam tentando fazer o mesmo e se dando mal porque haviam seguranças táticamente posicionados. Mas que fique bem claro aqui a diferença enorme que existia entre nós, profissionais respeitados da mídia virtual independente contemporânea, e os outros malandrões que queriam entrar na faixa ilegalmente. Nós estávamos lá batalhando pelo nosso direito de trabalhar, pô! Além disso, eu tinha noção de como era importante pros meus leitores minha presença em mais uma passagem pelo Rio De Janeiro do mito do funk melody Stevie B, o cara mais fodão do universo quando eu tinha 12 anos. Depois de toda aventura desenrolada muito mais no nosso imaginário do que na vida real, entramos na fila e (meu deus!) pagamos o ingresso, dinheiro esse que imagino que nos seja devolvido pelo produtor da festa logo após ele receber essa linhas.
(...)
A garota me parecia familiar.
"E aí? Você é fã do Stevie B?"
"Não. Eu vim porque me chamaram. Tô achando isso aqui muito chato, um saco."
"Mas como assim? Você tem noção da importância do Stevie B na história da música pop mundial?"
"Não quero nem saber. Mas ei, eu te conheço! Você já me entrevistou uma vez."
"Bem que eu achei seu rosto familiar. Você tava naquela micareta?"
(...)
Um negão coroa gente boa deu seu depoimento sobre o cara.
"Escuto Stevie B desde os 15 anos. Tenho 38."
"E quem você acha que era mais fodão naquela época? O Tony Garcia ou o Stevie B?"
"O Stevie, sem sombra de dúvida."
"Hoje em dia no Brasil, quem você acha que é o grande representante do funk melody? O Latino?"
"Olha, acho que o Marcinho é melhor que o Latino."
Mas afinal, o que diabos é funk melody? Eu não sei, mas tava escrito no flyer.
Imagino que o punk do Ratos De Porão estaria para o punk do CPM 22 assim como o funk pancadão está para o funk melody e essa foi a Definição Regra De Três menos tosca que eu consegui criar.
(...)
A verdade é que eu nunca assisti um show tão curto. Mas a galera não tava nem aí, ele tocou SPRING LOVE no final, tá valendo.
O cara entrou no palco acompanhado dos Dançarinos Prateados sob uma chuva de Confetes Prateados ou algo parecido e o tempo todo, insistia em tocar as novidades.
"Vozess quierem ovir uma úsica nuova?"
Eu gritei NÃOOOOOOOO e apesar de ter gritado sozinho, me sentia como o porta voz de todo mundo que ficou quieto mas que no fundo, no fundo queria mesmo era ouvir Spring Love e foda-se o resto.
(entrevista com uma fã)
"Então você é fã do Stevie B?"
"Sou, adoro Stevie B."
"Então diz uma música nova dele."
"(...)" - váários minutos.
"Valeu, obrigado."
A galera pirava mesmo era quando ele falava BLAH BLAH BLAH LET'S GO BACK TO THE 90'S!
Primeiro foi In My Eyes. Depois uma balada que demorei a reconhecer ("Because i looooove yooooooouuuu...") e que broxou a galera por completo.
Mas no fim, cara...
(...)
"Soon you'll see that it was me you were searchin' for
Oh my love searching for
I really need you I really want you baby
I need you and I want you baby
Spring love Come back to me
I gotta have you baby"
("Spring Love", poesia responsa e clássico da juventude perdida nos 90's)
As duas gatinhas pareciam um pouco abaladas e alegaram dor de cotovelo.
"Mas como assim vocês estão com dor de cotovelo?"
"Estamos. Minha amiga viu o gato dela número 1 ficando com outra, o gato número 2 ficando com outra e eu vi o que eu queria com uma outra."
"Ah, tá. E o que você vão fazer com relação a isso?"
"A gente tá pensando, a gente tá articulando um plano e ainda tá vendo como a gente vai botar em prática."
"(...)"- já tava quase me oferecendo pra fazer parte do plano maligno mas meu profissionalismo falou mais alto - "Podecrer. Mas você é fã do Stevie B?"
"Ele é das antigas, né? Ele marca momentos muito legais da minha vida."
"Você já foi em alguma festinha de play de prédio que tocou Stevie B?"
"Já, claro que já!"
"E Spring Love? Você já teve um Spring Love ou não?"
"Isso eu não posso falar."
"Por que?"
"Porque eu vejo nos seus olhos que essa pergunta é maldosa."
Pô, mas eu só queria saber se ela já teve algum amor de inverno. Não entendi nada.
(...)
Bom, o show rolava e os Dançarinos Prateados acabaram mexendo com a gente, a ponto de despertar grosseiramente o Tiny Dancer Adormecido em cada um de nós. De repente, me peguei imitando um deles durante o momento mágico SPRING LOVE e, a partir daí, meu amigo, quando o show acabou e o DJ passou a soltar só pancadão das antigas, nos deixamos levar de vez pelo embalo dançante. Tarde demais. Nós eramos os Irmãos Dancing Brothers e já estávamos dando vexame.
Quase uma versão White Trash do finado Milli Vanilli, nossa performance, que incluia passos de dança mal sincronizados propositalmente, referências à Polka Russa nas trocas de chutes na canela um do outro, tapas na cara ensaiados e Epilepsias Robóticas Travolteanas diversas, não foi bem assimilada pelas pessoas ao redor que nos olhavam pasmas. Não pegamos ninguém, lógico, o que me causou certa frustração visto que sempre escutei esse caô de que mulher gosta mesmo é de homem que dança. Talvez a Fundição, o Shopping Center From Hell mais descolado da cidade, não estava pronta ainda pras coreografias eróticas dos Irmãos Dancing Brothers. Ou talvez as mulheres curtam sim homens que dançam. Contanto apenas que eles não ofusquem o brilho feminino, muito menos percam o senso de ridículo.
Toother fazia o Passo da Meia Lua, que tinha a ver com usar um dos braços como se fosse o ponteiro dos segundos de um relógio dos 9 aos 3 fazendo assim 180 graus e finalizar com as mãos apoiadas no joelhinho tchutchuca style, e um bombado olhava compenetrado, provavelmente tentando guardar a sequência pra usar na próxima micareta ou então na próxima night na Ilha Dos Pescadores.
Cansamos do funk, descemos ao subsolo onde os mais mudernos piravam no bate estaca e, mesmo não acostumados com a Tecnologia Sonora Apavoradora, não fizemos feio.
Toother jogava cerveja em cima de mim, eu retribuia com encontrões no ar e lembrava do clip de Song #2 do Blur.
(...)
(o primeiro contato com a líder do esquadrão mod adolescente.)
[an error occurred while processing this directive]"Alô?"
"Coé, garota. Tá aonde?"
"Coé. Tô num boteco no Humaitá, mas já tá fechando, o cara tá expulsando a gente."
"Vamo pra outro então!"
"Vamo, você tá aonde?"
"Tô saindo daqui da Lapa e indo praí. Mas e a negra gorda e os pivetes gêmeos que cantam e dançam? Tão aí com você?"
Carol Morreu
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