On The Road: Allman Brothers Band, um sonho de priscas eras
Por Cláudio Vigo
Postado em 29 de abril de 2010
Um sol de derreter catedral já prenunciava o que viria a ser um dia inesquecível, um sonho de priscas eras. Comprei meu primeiro Lp da ALLMAN BROTHERS BAND no já distante ano de 1977 e com quinze anos queria virar Gregg Allman imediatamente. Tentei de Tudo, da cabeleira loura às pulseiras de cobre até a antipatia proverbial, mas infelizmente sempre cantei como uma gralha e o máximo que cheguei perto de um piano foi possivelmente para limpar. Dediquei-me durante anos a escutar e adquirir todos os discos, ler tudo a respeito e a sonhar em um dia poder ver isso de perto. Coisa que tinha certeza absoluta que jamais aconteceria.
Quando cheguei próximo do palco no New Orleans Jazz & Heritage Festival já vi a multidão de caminhões com o equipamento e os famosos roadies tatuados com cara de poucos amigos. O mais leve devia pesar uns 200kg de pura marra e estranheza. Todos cabeludissimos, barbudos, cobertos de anéis, pulseiras e colares, congelados no tempo como se estivéssemos em 74 ou coisa assim. Comecei a lembrar de cada encarte, cada foto do backstage dos inúmeros discos ao vivo e o nó foi apertando na garganta.
Quando entrei no reservado junto ao palco olhei para o telão e pude ter a idéia do tamanho da multidão que estava assistindo. Pessoas com camisetas de várias tours, rednecks, Sweet Melissas já sexagenárias, gente com flores na cabeça e um sorriso eterno no rosto, uma celebração talvez tão recorrente quanto um show do GRATEFUL DEAD. Um fã da ALLMAN BROTHERS BAND já sabe o que vai ouvir e não quer que isso mude e se orgulha de colecionar as inúmeras, incontáveis variações de um mesmo tema. Quantas possibilidades existem de se tocar "Whipping Post"? Centenas? Milhares? Pois é...
Nos dois sets de abertura a cargo dos NOLA ALL STARS e da LEVON HELM BAND (que podem ser verificados no blog – JAMBALAYA - http://cvigo.blog.uol.com.br/) o público já estava nas alturas. Fizemos amizade com um grupo de bluseiros texanos e uma turma de New York que estava completamente overmind. Um deles morou no Brasil (surfista que falava carioca e ficou maravilhado com meu sotaque) e me disse que já havia assistido a banda pelo menos umas quinze vezes.
A ansiedade já dominava os corações e mentes quando a LEVON HELM BAND se retirou e entraram os Brucutus pra arrumar o palco. Como estava muito próximo (uns dez metros) pude ver ao fundo a movimentação nos bastidores e vislumbrar Greeg Allman arrumando a eterna juba loura antes de entrar. Eu parecia uma fanzoca de Emilinha, uma macaca de auditório e comecei a gritar. Pensei que fosse exclusividade histérica minha mas quando percebi havia uma monteira de barbados e barbudos grisalhos igual a mim fazendo o mesmo.
Entraram totalmente blasé: Gregg Allman (mais marrento que Romário e Adriano juntos), Warren Haynes (enorme), Derek Trucks de muletas (ia tocar sentado), Oteil Burdbridge (um monstro) e a maravilhosa cozinha dos bateras Butch Trucks e Jaimoe. Pareciam que estavam afinando os instrumentos e no meio da cacofonia aparece "Trouble no More" com lancinantes solos de Haynes e a avalanche habitual de slide de Derek Trucks.
Daí em diante grudei no palco e foi só alegria. O que já foi improviso e impetuosidade virou um enorme exercício de competência técnica e virtuosismo. São músicos fabulosos que conhecem profundamente o repertório e vão impondo variações num caminho já altamente trilhado e seguro. No meio de uma velocidade estonteante ninguém erra. Mesmo porque os ouvidos da platéia já conhecem cada possibilidade daqueles solos. A coisa vai num crescendo até um êxtase extático do absurdo.
Duanne Allman (o inventor da fórmula) era um ouvinte atento de John Coltrane e Gregg se criou ouvindo Jimmy Smith, tem muito de jazz no Blues rock sulista da ALLMAN BROTHERS BAND. Mais do mesmo foi acontecendo – "Stateboro Blues" fez a galera gemer e pouquíssimas palavras ou olhares eram tocados pelo publico. A voz de Gregg Allman está bem melhor que em vídeos recentes que assisti e inúmeros copos eram sorvidos (de formol todos brincávamos) enquanto o sol inclemente torrava os miolos da cariocada lembrando São João de Meriti.
Em um desses solos lancinantes Warren Haynes quebrou sua palheta e jogou na direção do público caindo no pé do surfista de New York que a pegou imediatamente. Olhei comprido e sorri pra ele que incontinenti me ofertou a relíquia. Caramba! Peguei aquele pedaço ínfimo de plástico queimado pelo esmeril do uso e guardei para meu filho que com onze anos já está dominado pelo rocknroll. Será como se fosse um legado, uma passada de bastão que um dia talvez ele entenda o significado.
Os acordes iniciais de "Whipping Post" já mostravam que a festa estava acabando e eu estava cansado como se tivesse finalmente chegado a algum lugar depois de caminhar por 35 anos. Depois de inúmeros chamados voltaram para um pequeno set acústico com "Sweet Melissa".
Quando ouvi o último acorde virei de costas e me retirei lentamente sem olhar pra trás, entre os dedos apertava milha relíquia e pensava no meu filho, o sol já poente se transformava numa bola alaranjada igualzinha à capa do "Eat a Peach", aquele meu primeiro disco comprado há tanto tempo atrás. Trazia comigo a certeza da missão cumprida e a memória de um grande trecho da vida que me ofuscava agora naquele solão vermelho.
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