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Iggy and the Stooges: Raw Power, a trilha sonora do fim do mundo

Por Bento Araújo
Postado em 09 de dezembro de 2003

Para começar a falar algo sobre esse disco, é preciso repetir um clichê a respeito de Raw Power - "a trilha sonora do fim do mundo". Passados 30 anos, o mundo continua aí, mas se ele resolver acabar agora mesmo, ou algum dia, a trilha perfeita será Raw Power. Os Stooges tinham lançado dois álbuns até então - "The Stooges" de 1969 e "Fun House" de 1970, ambos pela Elektra, que tinha em seu cast da época artistas e bandas "doidonas" como Jim Morrisom e os Doors, Arthur Lee e o Love e também Rob Tyner, Wayne Kramer e os MC5 - mas nada se comparava a trupe demente de Iggy Pop.

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Como os Stooges não vendiam nem um terço do que os Doors vendiam, e a dor de cabeça era sempre infinitamente superior aos lucros, a Elektra chutou a banda em meados do ano de 1972. Outro motivo foi os insanos ensaios que os chefões da gravadora presenciavam para um possível terceiro disco dos rapazes. Iggy resolve acabar com tudo e os irmãos Ron e Scott Ashton (respectivamente guitarrista e baterista dos Stooges) ficam furiosos. Eles até chegaram ao cúmulo de fazer um show chamado "A Noite em que você poderá ser Iggy Pop", onde eles iam "testando calouros" da platéia, todos com ambições de se tornarem o novo Iggy!

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Por outro lado, Iggy se afundava nas drogas pesadas e ficava literalmente bundando pela cidade, sendo sempre "recolhido" da sarjeta por algum amigo. Um desses amigos foi Steve Paul, então empresário de Johnny Winter e Rick Derringer, que convenceu Iggy a se mudar para Nova Iorque. Lá Steve daria "casa, comida e roupa lavada" ao amigo, e até pressionaria bastante Iggy a formar um novo grupo com Rick Derringer, o que obviamente não vingou devido à gritante incompatibilidade de estilos musicais e de vida também. Nessa época Iggy era da turma de Steve e de Danny Fields, uma lenda novaiorquina, responsável pelo descobrimento dos Stooges em 1968, quando era uma espécie de "caça-talentos" da Elektra. A turma não saia do Max's Kansas City, uma mistura de boteco e casa de espetáculos, onde desfilavam músicos, artistas, traficantes, drag queens e outros.

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Um belo dia, David Bowie e seu empresário Tony DeFries aparecem no Max's e topam com Iggy. Bowie já era fissurado no iguana desde os primeiros dias dos Stooges, e naquela noite rolou o convite para Iggy integrar o cast da Mainman, de propriedade de Bowie e DeFries. O convite foi aceito imediatamente, e Bowie já sugeriu que Iggy formasse um novo grupo na Inglaterra, com Edgard Broughton e o World War 3. Iggy descartou a idéia logo de cara e disse que só iria para Londres se pudesse levar consigo um guitarrista - James Williamson, seu fiel escudeiro na época. Chegando na Inglaterra a dupla não conseguia se sentir à vontade com músicos ingleses. Para a nova banda, foram cogitados alguns integrantes da banda de Bowie (então com os exímios "Spiders From Mars"), do Mott the Hoople, e até Twink - o lendário baterista do Pink Fairies. Nada parecia agradar a dupla, até que Williamson sugere que os irmãos Ashton passem a integrar o grupo, sendo que Ron assumiria o baixo, já que o próprio Williamson cuidaria das guitarras.

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A banda agora é rebatizada de Iggy and the Stooges, como declarou Iggy na época: "As pessoas sempre estiveram mais interessadas em mim. Ninguém ligava para aquela banda horrível! Aqueles caras não conseguiam nem montar um aquário sem eu estar por perto". O grupo se trancou numa casa nos arredores de Londres e passou a ensaiar por dias a fio, gravando demos e praticando bastante. Dessas sessões, vários temas não foram aproveitados em Raw Power, como "I Got A Right", "I'm Sick Of You", "Scene of the Crime" e "Tight Pants".

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Uma paleozóica versão de "Search and Destroy" também emergiu daquelas sessões e foi o primeiro tema a ser mostrado para o empresário Tony DeFries, que odiou a canção e chegou até a declarar que aquilo não era música, negando-se a lançar aquilo num álbum. Nesse ponto, podemos perceber como foi importante a presença de Bowie na ocasião, pois ele convenceu DeFries a deixar Iggy fazer o que lhe fosse conveniente nessa pré-produção do terceiro disco dos Stooges.

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Muita droga, confusão e grana rolavam nos escritórios da Mainman. As tours de Bowie e do Mott the Hoople rendiam fortunas, assim como adiantamentos da CBS para a gravação do novo disco de Iggy, que literalmente torrava toda a grana com drogas e farra, ao invés de aplicar na gravação do álbum.

A coisa chegou a tal ponto que Iggy e os Stooges entraram em estúdio para fazer "Raw Power", e durante os 12 dias em que rolaram as gravações, nem Bowie, nem DeFries e ninguém da Mainman sequer deu as caras para ver o que estava rolando. Melhor para Iggy, que poderia gerar seu mais insano filho sem pressão alguma. Ele chegou a confessar que apesar daquela loucura toda, durante as gravações ele se concentrou ao máximo no que fazia, chegando inclusive a proibir a presença de namoradas, traficantes e outras "influências" no estúdio. Eram Iggy, os Stooges, as drogas e as bebidas somente: essa foi a receita de "Raw Power".

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Musicalmente falando, "Raw Power" era o maior caos sonoro já produzido por uma banda em estúdio. Em plenos anos dourados do Rock Progressivo, onde o mundo babava em Yes, ELP e Pink Floyd, no underground e no submundo podre dos Stooges a música era muito mais excitante e verdadeira a quem quisesse ouvir. O Glam Rock também era febre na Inglaterra, mas os Stooges preferiam sangue ao invés da purpurina. "Search and Destroy" é a maior abertura de disco de todos os tempos, composta de pura adrenalina deliciosamente perigosa. A inspiração veio de uma coluna da revista Time, que declarava os horrores da guerra do Vietnã - Iggy escreveu a letra enquanto injetava heroína e lia a matéria. "Gimme Danger" trazia alguma influência de Doors em suas linhas mórbidas. Era uma ode de Iggy aos perigos e aventuras de se levar uma vida bissexual. "You Pretty Face is Going to Hell" além de ser um belo título, ainda era um visceral drive levado a cabo pela voz detonada de Iggy. A próxima faixa é a assustadora "Penetration", que foi a primeira composição de Iggy com James Williamson; aliás, a dupla compôs sozinha todas as faixas de Raw Power. A faixa título começa com um belo arroto de Iggy, e o que vem depois é Rock cru, básico e bruto o tempo inteiro. "I Need Somebody" pode ser considerada a balada do álbum (junto com "Gimme Danger") e é um Blues à moda Stooges. O clima é mantido com a xuleira (no bom sentido) levada de "Shake Appeal", e o disco se encerra com "Death Trip", a conclusão de um amaldiçoado disco, que já nasceu fadado ao fracasso, mas que seria elevado à obra prima suprema do Rock anos depois.

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Com o final das gravações, a banda estava completamente exausta. Num curtíssimo espaço de tempo eles escreveram, conceberam, ensaiaram e gravaram as oito faixas do disco. Iggy resumiu bem o espírito da época: "Eu sabia que seria amaldiçoado por lançar algo como Raw Power. Sabia que ninguém iria promover o disco, ninguém iria tocá-lo no rádio, e sabia também que muita gente iria odiar o disco, mas por outro lado, estava completamente convencido de aquela era a melhor música que eu poderia fazer".

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Desde o início, Bowie queria produzir o disco, mas Iggy deu um chega pra lá no inglês, pois queria ter total controle sobre a obra. Ele passou a cuidar da mixagem e a fez de forma bem amadora e crua. DeFries caiu de costa quando ouviu o trabalho final, e resolveu mandar Iggy para Hollywood. Logo depois, Bowie também vai para Hollywood e convence Iggy a remixar o disco, pois a CBS se recusava a lançá-lo daquela maneira. Iggy, já cansado de tudo aquilo, ainda mais corrompido pelos excessos de Hollywood, topa fazer uma nova mixagem, meio que num esquema "ou vai ou racha".

Iggy, Bowie e seu guarda-costas Stewie se trancam no velho e barato Western Studios para em um único dia remixarem o disco inteiro. Iggy na época criticou bastante o estúdio, dizendo que a mesa de som era tão velha que deveria ter sido usada pelo Elvis no início de sua carreira. Quanto à arte da capa, Iggy declarou: "A capa foi imposta contra a minha vontade, eu a odiei. Eles nem me mostraram a capa antes do disco sair". Com tanta loucura acontecendo junto, o disco acabou saindo do jeito que saiu. Graças a Deus!

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### LP originalmente lançado em 1973 pela Columbia
Mixagem de Bowie e Iggy

Do jeitinho que ele veio ao mundo. Deguste dessa saborosa obra amaldiçoada 30 anos atrás, em sua total plenitude esporrenta e visceral.

### Primeira edição em CD pela Columbia em 1990
Completamente dispensável. Se você quiser a mixagem original de Bowie/Iggy, corra atrás do LP (raríssimo), já que o som dele é infinitamente superior a essa porca edição. Nada de informações, nada de graves, baixo inexistente, som enterrado e irritantemente agudo/metalizado. Ao contrário do que muita gente pensa esta edição não é totalmente fiel ao LP. Basta conferir a ausência do arroto que Iggy dá antes da faixa "Raw Power", que reaparece na nova versão remixada pelo próprio.

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### Segunda edição em CD, remasterizada e remixada por Iggy Pop. Lançada pela Columbia/Legacy em 1997
Essa edição deu o que falar, e as opiniões dos fãs e críticos diferem em vários aspectos. Foi elaborada para ser a "versão definitiva" do álbum, já que foi remixada pelo próprio Iggy, se não fossem levadas em consideração algumas "cositas":

Está certo que o baixo e os graves eram completamente inaudíveis naquela primeira edição em CD, mas Iggy exagerou nos graves nessa remixagem. Outras mancadas podem ser ouvidas logo no início de "Penetration", onde Iggy aumenta o som do Time Cube (uma inovação para a época, que foi mostrada aos rapazes via Bowie). O aparelho soava como "sininhos" angelicais cheios de eco. Em "Gimme Danger" essa sonoridade também vem à tona. Na versão mixada por Bowie, esses efeitos são bem mais discretos e quase imperceptíveis no meio da maçaroca sônica que o grupo disparava. O final de "Gimme Danger" também está diferente, com Iggy "terminando" sua parte vocal, já que na versão original, sua voz era limada através de um fade out. Em "Death Trip" - faixa que encerra o disco - essa nova versão também traz um final diferente, com James Williamson voltando a fazer o riff inicial bem no finalzinho do tema. Na versão anterior o fade voltava a atacar novamente e ia abaixando o volume da banda.

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No lado gráfico, um capricho todo especial foi dado ao relançamento. Libreto de 19 páginas, retauração da arte original do LP, fotos raras e inéditas e uma entrevista elucidativa com Iggy.

####### Conclusão #######
O mais recomendável é a aquisição do LP original de 1973 e do CD com mixagem do próprio Iggy Pop. Assim você terá as duas mixagens, disponíveis com o melhor desempenho que cada formato pode oferecer.


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Sobre Bento Araújo

Bento Araújo nasceu em 1976. É jornalista profissional e adora a música dos anos 60 e 70. É o editor chefe da Poeira Zine, a única publicação do país dedicada à música dos bons tempos. Lá ele escreve os textos, faz a diagramação, cuida da arte, do visual, faz 'a social' com os anunciantes, distribui, faz correio, banco, responde os e-mails e as cartas e também limpa o banheiro da redação... Além de tudo isso, o cara ainda tira uma onda tocando contra-baixo pela noite paulistana, além de vez ou outra fazer um 'bico' em alguma loja de discos em troca de raridades vinílicas... O Editor também oferece seus serviços jornalísticos e musicais a quem se interessar... (nada que uns bons dólares não possam resolver...)
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