Festivais Ao Ar Livre no Brasil que não aconteceram
Por Bento Araújo
Postado em 21 de dezembro de 2007
Como diz a sua avó, ‘de boas intenções o inferno está cheio’. E nos anos de chumbo da ditadura brasileira, não foram poucas as tentativas de se organizar o nosso "Woodstock", um gigantesco nó na garganta de músicos, promotores, empresários e visionários em geral.
A primeira e grande tentativa frustrada aconteceu ainda em 1969, o mesmo ano de Woodstock. O Festival Primavera estava agendado para acontecer nos dias 15 e 16 de novembro, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo e estava sendo organizado pelo artista plástico Antonio Peticov e sua piradaça agência Lesmazul. A festança seria de graça e para cuidar da trilha sonora lisérgica estavam escalados shows de: Os Mutantes, Beat Boys, Som Beat, Gal Costa, Beatniks, Rogério Duprat, Os Leif’s, O Bando, Vikings, Pulguentos, Vermelho, Sic Sunt Res, Mustangs Atômicos, Grupo Sonda, Cleans, Equipe Mercado e Tim Maia.
Pouco antes do início do Festival, Peticov recebeu uma intimação da prefeitura, onde um assessor avisava que se aquela bagunça hippie realmente viesse a acontecer o pior poderia acontecer. O jeito foi suspender tudo em cima da hora, o que não evitou de centenas de jovens aparecerem no dia do Festival, sem ao menos saber que a festa já tinha terminado antes mesmo de começar.
Muitos jovens vinham inclusive de outros estados e o jeito mais prático foi dispersar a turma com um som acústico, feito pelo pessoal do Beatniks. Seis anos depois, em 1975 o fantasma voltava a aparecer e de forma cada vez mais ostensiva. Em São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública proibiu, como sempre em cima da hora, o Festival Aleluia, que aconteceria no autódromo de Interlagos. O motivo alegado foi a algazarra causada pelos jovens em outro festival que tinha acontecido naquele mesmo ano, o Festival de Águas Claras, realizado em Iacanga, interior de São Paulo. Os banhos da galera a vontade, a quantidade de drogas e o número de cabeludos que ficaram perdidos na pequena cidade assustou a Secretaria, que temeu que algo semelhante acontecesse em Interlagos.
Em nota oficial, emitida três dias antes do início do festival, a Secretaria alegava que a organização do evento, a cargo do radialista e diretor artístico da rádio Difusora, Cayon Gadia, não obedecia às formalidades legais: o alvará teria supostamente sido solicitado em cima da hora e de maneira incorreta. Na verdade o que pesou na decisão da Secretaria foi o fato de semanas antes do festival, a polícia havia apreendido um traficante, munido de vários tipos de LSD’s que seriam, segundo o próprio, distribuídos durante o Festival Aleluia. Em Porto Alegre algo semelhante aconteceu em abril daquele mesmo ano. Uma nova marca de jeans havia preparado um mega-lançamento com um festival de rock no autódromo de Tarumã. Por razões semelhantes, as autoridades gaúchas vetaram o evento, autorizando-o somente para um local de menor porte, em recinto fechado e ‘organizado com todas as medidas visando prevenir a ação de marginais e traficantes’.
O maior prejuízo quem levou foi Fernando Westphalen, diretor da Rádio Continental de Porto Alegre e organizador do evento, ao lado do disc-jóquei Cascalho. O sujeito tinha até fretado um Boeing que traria as bandas do Rio de Janeiro e de São Paulo. O avião foi inclusive pintado com as cores e logotipos do tal jeans. A imprensa da época ainda noticiou o desespero do músico gaúcho Hermes Aquino, que importou um baixo Fender por uma verdadeira fortuna e sonhava em ‘incrementar o seu som’ e se tornar famoso no país inteiro com o festival que não aconteceu.
Ainda também em 1975, logo após o sucesso da primeira edição do Hollywood Rock, no RJ, a marca de cigarros que dava nome à festa resolveu patrocinar uma excursão nacional de Erasmo Carlos e sua CIA. Paulista de Rock junto com Rita Lee & Tutti Frutti. O roteiro, traçado estrategicamente por Nelson Motta, trazia apresentações em mais de 40 cidades e meses depois, seria a vez do Terço e dos Mutantes seguirem o mesmo roteiro.
Com os cancelamentos em São Paulo e em Porto Alegre, e com o rock ficando cada vez mais sujo na imprensa brasileira, a Hollywood retirou o patrocínio e deixou todo mundo na mão. Segundo Motta, muita grana foi investida em equipamentos, pesquisas mercadológicas, contratação de frotas de caminhões e kombis, ensaios e contratos com empresários.
Na metade da década de 70, os festivais ao ar livre no Brasil pareciam ter chegado ao fim. As autoridades estavam instruídas em só liberar concentrações em lugares fechados. Milhares de cabeludos soltos seria subversivo demais...
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