O Rappa: de volta pela sétima vez
Por Paula Fabri
Postado em 15 de setembro de 2008
No início dos anos 90, bandas nacionais de diversas regiões e gêneros começaram a "pipocar" para o grande público. Skank foi um dos representantes de Minas Gerais, misturando rock com reggae. No Recife surgiu o movimento chamado mangue beat, do qual Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A eram os maiores ícones. O Raimundos, por sua vez, vinha da capital nacional e misturava rock com o que no início chamava de forrócore (mistura de forró e hardcore). E, no Rio de Janeiro, despontavam duas bandas: o Planet Hemp, que tinha como tema de suas canções a maconha e causou polêmica durante um bom tempo, e O Rappa, que em sua mistura de estilos sempre colocou letras que refletem a realidade da cidade. Muita coisa aconteceu nesses mais de dez anos e poucas bandas se encontram na ativa até hoje, mas as que continuam na estrada contam com uma base forte. Um desses exemplos é O Rappa.
Foto da chamada: Lidiane dos Santos e Alexandre Cardoso
Foram cinco anos sem lançar nenhum material inédito e agora a banda está de volta, colocando no mercado seu sétimo CD, "7 Vezes". Seguindo o caminho de pesquisa por timbres que o falecido produtor Tom Capone deu início quando o conjunto terminava de gravar "O Silêncio Q Precede O Esporro" (2003), o novo disco parece em alguns aspectos a continuação do que o conjunto começou quando gravou para a MTV seu último álbum "Acústico MTV O Rappa", de 2005. Usando e abusando de instrumentos não convencionais como o cravo (visto como o avô do piano), marimba (semelhante a um xilofone) e objetos inusitados como tamancos, bacias, garrafas e taças, a banda conseguiu fazer com que sua sonoridade soasse diferente como se fosse algo palpável.
A história do conjunto teve início em 93, quando Marcelo Falcão respondeu a um anúncio de jornal, onde uma banda procurava por vocalista. E agora, 15 anos mais tarde, o conjunto – formado por Marcelo Falcão (vocais), Marcelo Lobato (bateria), Xandão (guitarra) e Lauro Farias (baixo) – soma algumas milhares de cópias vendidas de seus quatro trabalhos de estúdio e dois ao vivo, além de diversos prêmios como os seis VMBs que levou para casa em 2000, com o clipe de "Minha Alma" (Lado B Lado A, 99), se tornando o maior vencedor da premiação da MTV Brasil.
A seguir, você confere a entrevista coletiva que a banda concedeu para falar sobre as coisas que cercaram o lançamento do novo disco e muito mais.
Comando Rock: O número sete aparece em diversas ocasiões que cercam esse disco, como o fato de ser o sétimo álbum do conjunto, seu nome ser "7 Vezes", a música que dá nome ao álbum ser a sétima. Qual é a importância do número sete para a banda?
Lobato: Quando fomos trabalhar nesse disco, ficamos pensando bastante no nome que ele poderia ter. E vimos que o simbolismo existe no nosso trabalho desde o primeiro álbum, que não tem foto da banda na capa. No segundo é um boneco, o terceiro é um ícone e assim por diante. As pessoas vêm achando que viramos uma banda esotérica, uma viagem assim. Mas não tem nada a ver. Vimos que o número sete está presente em nossas vidas diariamente. São sete notas musicais, sete pecados capitais, o jogo 21 é um múltiplo de sete... Esse é nosso sétimo disco, foi mais uma oportunidade de nos juntarmos, trabalharmos juntos. Foi um tempo que tiramos para ficar em função da música, das letras. Queremos que elas façam as pessoas pensar nas coisas, reflitam, já que ultimamente as coisas estão muito superficiais, óbvias, sem intensidade.
Falcão: Hoje em dia as pessoas entopem seus iPods de músicas e no fim não ouvem tudo, as coisas perdem a consistência. Queremos gerar discussão, fazer as mentes funcionarem.
Comando Rock: O trabalho do Rappa muitas vezes é tachado de música de protesto pelo fato de abordarem diversos problemas da sociedade atual, falando principalmente da realidade brasileira. O que acham desse tipo de "título"?
Lobato: Não colocamos rótulos e não achamos que somos uma banda de protesto. As letras de nossas canções são como crônicas, que levam a nossa visão, a nossa verdade. Quando se fala em música de protesto se pensa em protesto sisudo, algo super sério, mas não somos assim.
Falcão: Somos muito bem humorados, mas falamos sobre o que é morar no Rio. Vemos outras pessoas também falando, criticando. Por exemplo, o Los Hermanos. Sabe qual será o futuro deles, se é que vai ter futuro, mas você conseguia ver que eles estavam coçando a cabeça para fazer as coisas. Nos inspiramos em bandas como Led, Chico, Alceu, Rita que escrevem coisas legais. Penso que defendemos coisas sem esquecer de onde viemos. Quando perdíamos parentes a torto e a direito, quando não tínhamos dinheiro para ir ensaiar e ser sincero para a gravadora e falar... essa é a minha realidade, fazer as pessoas entenderem a essência e estamos juntos de novo. Mas sabemos que o que falamos é como colocar o dedo na ferida, principalmente em ano de eleição e que temos de manter o foco. Tudo começou no Interior do Rio Grande do Sul, onde o mendigo é um garoto loirinho. Temos de lembrar como custa para pagar uma conta, ajudar um parente mal de saúde. Dar a cara a tapa. Começamos depois de bandas como Planet que tinha o título da maconha, o Chico Science que tinha o mangue beat e cada um cantava sua verdade. Para gente fazer música é estar junto, é ouvir um som e querer mostrar para os outros. Não somos politicamente corretos, não levantamos bandeira nenhuma, não somos políticos! E deixamos para as pessoas decidirem o som. Nos cinco anos que esse disco demorou para sair, emendamos uma torneira a outra. Então nele queríamos ter brilho, fazer coisas diferentes, novas. O Rappa é da rua, só nos encontramos porque fomos para a rua. Aí vemos pessoas que aparecem e que, na verdade, não querem cantar, querem é estar ali na tevê. E você não sabe disso e vai falar com ela e a pessoa não te dá atenção porque está preocupada demais com o cachê. Nosso foco é ser feliz, não desistir. Passamos por dificuldades e vemos isso como algo que nos tornou pessoas melhores, gente que pode somar antes de mais nada. Ouvimos que não somos gatinhos, maleáveis e realmente temos personalidade. Não damos corda para o banal. Morei no Engenho Novo na época em que o Comando Vermelho e o Terceiro Comando estavam em constante disputa. E, quando ensaiávamos e eu não tinha dinheiro para voltar para casa e tinha de ficar na casa de algum deles, eu não conseguia dormir, porque estava acostumado a dormir ouvindo tiros e o silêncio parecia algo muito louco. Eram coisas que se tivéssemos uma câmera seria bom ter registrado.
Comando Rock: Nesse disco, assim como no Acústico MTV que a banda lançou há três anos, a banda usou e abusou de instrumentos diferentes do que estamos acostumados a ver como cravo, além de fazer som com objetos como tamancos... Como foi que a idéia de usar tantas coisas inesperadas para fazer música surgiu?
Lauro: Desde o "Silencio..." o Tom falava da possibilidade de fazer um acústico de forma diferente, idéia que no final rendeu não um, mas três anos de turnê. Foi uma experiência muito rica que envolveu muita pesquisa. Somos músicos e nossa vida é procurar instrumentos, encontrar sonoridades. Estávamos na Europa comprando equipamentos e não programamos nada. Lá o Falcão comprou um gramofone, instrumento que deu origem ao gramodisco. Também visitamos a fábrica da Gianini, aonde vimos como as coisas são feitas. O lance de ter mulher mexendo em um tipo específico de corda, mas que elas não podem fazer isso quando estão menstruadas porque interfere no resultado. Coisas que nunca esperávamos e, aos poucos, foram se juntando, dando a idéia do que seria o acústico. Algo com violões e não soasse como praia e conseguisse ser pesado. E delegamos o poder de opinar nisso ao Tom Saboia, que tem um trabalho solo independente bem legal, e ao Ricardo Vidal, que trabalha com a gente há muito tempo, de investir nisso, achar os timbres.
Comando Rock: Talvez pelo fato de terem se dedicado muito a esse disco, passando muito tempo pesquisando sons e instrumentos, o resultado dele é uma sonoridade bem diferente, dando corpo ao disco. Isso foi um objetivo que tinham em mente ou simplesmente aconteceu?
Xandão: Sonorização impar, onde as coisas foram gravadas no formato 5.1, onde o som sai como se grava, então tudo é muito bem pensado e localizado de maneira certa para conseguir registrar as coisas sem precisar arrumar na pré-produção. Isso ajudou muito para dar sonoridade ao trabalho todo, algo que estávamos procurando e, ao mesmo tempo, deixou denso. Fizemos assim para não ter de cortar nada ou ficar horas no pro-tools montando um quebra-cabeças e acho que isso é que deu a humanização a cada uma das faixas. Não que estejamos desmerecendo essa forma de trabalhar, pelo contrário, já usamos muito esse tipo de gravação. Teve partes que eles gravaram os instrumentos no Rio e eu em Curitiba e tudo teve de ser bem microfonado, procuramos bem os instrumentos que íamos usar, os amplificadores. E houve uma cumplicidade nessa procura toda. Esse é O Rappa atual. E nossos técnicos trabalharam pesado para tudo se encaixar e ficar consistente.
Comando Rock: Nesses cinco anos que separam "O Silêncio Q Precede O Esporro" (2003) e "7 Vezes", imagino que muito material tenha sido criado. Como foi escolher as canções que entrariam para esse trabalho?
Lobato: Foram mais de 100 músicas feitas para esse trabalho. Na verdade, foram idéias e delas dividimos esse material em três categorias: fono, esquisito e geladeira.
Comando Rock: Há algum tempo a banda se apresentou na Argentina. Como foi essa experiência?
Falcão: Aconteceu que eu estava na Argentina e o D2 ia se apresentar lá. O produtor do show me confundiu com ele e passou o dia inteiro me tratando bem, dando comida, bebida e eu achei aquilo muito engraçado. Os caras da banda do D2 passaram o tempo inteiro falando que eu ia ter de agüentar a bronca aquele dia, já que o Marcelo D2 ainda não tinha chegado e logo o show ia começar. Algo como uma retribuição de um show que O Rappa fez há muito tempo e eu não consegui chegar na hora e o próprio D2 segurou a onda para mim. Só sei que ele chegou, eu fui assistir e foi a primeira vez que eu havia tomado mojito (ps: bebida feita com rum, club soda, limão e hortelã) na vida. E chega uma hora que ele me chama no palco, falando que sabia que eu estava lá e que devia subir para cantar uma música com ele. Eu não queria, falei para todo mundo que tinha ido lá para assistir e não dar canja, mas ele parou o show e insistiu tanto que eu fui. E a casa inteira caiu. O produtor que foi o responsável pela ida do Paralamas para a Argentina e trabalhou muito bem a música deles lá, estava presente e, como eu, ficou impressionado com a reação das pessoas. E, ao final do show, perguntou se a gente não estava interessado em fazer alguns shows por lá. Mas sem grande produção, ir de ônibus comum e coisa do tipo e nós topamos. E tocar lá foi uma boa surpresa. Nos receberam muito bem e a resposta das pessoas no show foi incrível, tanto que vamos tentar incluir a Argentina na turnê do novo disco.
Comando Rock: E dentre as 13 composições da banda que entraram para o álbum, tem como se apontar apenas uma como preferida?
Falcão: Realmente não dá para escolher uma. Música para nós é igual filho. Cada uma é uma história.
Comando Rock
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