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Iron Maiden: Faltam mais sabores marcantes em "The Book of Souls"

Resenha - Book of Souls - Iron Maiden

Por Virgílio Marques
Postado em 27 de setembro de 2015

Nota: 7 starstarstarstarstarstarstar

Após um mês ouvindo o novo trabalho dos ingleses e inspirado pela clássica foto do encarte do "Piece of Mind", resolvi inovar nesse texto. Não entrarei em detalhes de cada faixa pois existem dezenas de outras resenhas muito competentes assim. Ofereço aqui minha impressão geral das composições e do álbum como todo. Boa leitura!

Numa visita recente ao mundialmente renomado Restaurante Velha Donzela (aquele que começou como um simples pub inglês em 1975) pude conferir o lançamento do novo menu de 2015. Criada na Guillaume Tell Cuisine em Paris, a carta tem opções variadas e elementos exóticos provenientes da América Central pré-colombiana, mas utiliza também ingredientes que foram trazidos de receitas bem conhecidas pelos clientes mais frequentes.

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Entre os pratos que são realmente deliciosos e bem temperados, cada um a seu estilo, temos ótimos e simples assados como "Speed of Light", um singular (single) frango caipira recheado com farofa tão bom como não se via há 15 anos, criação inovadora e com pegada clássica ao mesmo tempo; "The Great Unknown", uma costela bovina ao molho madeira de sabores intensos e passagens dramáticas; e "When the River Runs Deep", um suculento galeto ao primo canto que me levou "back in the village ´of the 80´s´ again", excelente composição viciante que com certeza pedirei nas próximas visitas. É a Donzela na sua melhor forma clássica, mas também criativa, sem se repetir ou autoplagiar. Também encontramos "Tears of a Clown", um tutu de feijão à mineira apimentado nos solos e quebras de ritmo, com uma letra poética, inteligente e emocionante. São essas as melhores e mais cativantes canções do álbum inteiro, que podem ser apreciadas sem grandes ressalvas.

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Além disso, são as mais indicadas para executarem na turnê, assim como "If Eternity Should Fail", o couvert da culinária tradicional maia servido com uma introdução que é um maravilhoso tira-gosto para abrir os shows, apesar de ter um sabor levemente enjoativo ao ser degustado com seu refrão. Outra favorita para entrar nos setlists é, obviamente, a faixa título, que se apresenta como um bom lombo suíno no bafo ao molho agridoce que não deixa muito a desejar, progredindo de notas doces mais cadenciadas no começo a notas mais cítricas e apimentadas até o final. Respeita a tradição do restaurante de criar bons pratos homônimos de seus menus sendo um dos pontos fortes, mas sem ser muito memorável, inovando pelo fato de incorporar elementos que remetem à cultura maia. Uma que também poderá ser executada num concerto perto de você é "Death or Glory", arrebatadora e empolgante para abrir o segundo disco e deixar o público com "sangue nozóio". Entretanto, parece ser o filé (filler) com fritas, arroz e feijão de sempre e poderia estar no meio de qualquer outro álbum da dama de ferro (algo que pode ser ao mesmo tempo positivo por condizer com as raízes da banda e negativo por soar genérico).

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Como destaque da casa, "Empire Of The Clouds" é uma feijoada completa, excepcionalmente elaborada e de sabor refinado, diferente de tudo que já foi preparado por lá e a única das longas que obteve êxito em cada garfada, em cada segundo, em cada nota. Uma epopeia sonora com dotes de "Ilíada" e "Eneida", obra-prima definitiva após 40 anos de carreira e hors concours (por isso um parágrafo só para ela) do registro (quiçá do ano).

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Entre as que poderiam ser mais bem trabalhadas nos confins da cozinha, o salmão ao molho de alcaparras de "Shadows of the Valley" já começa com um golpe baixo (pegadinha do malandro, "ha!") ao percebermos um elemento que é igual a de outro prato que é sucesso de mercado da própria empresa. É repetitiva justamente (ou injustamente) por causa do molho (muita alcaparra para pouco salmão). "The Red and the Black" visualmente é uma linda paella de variados frutos do mar, realmente de encher os olhos, mas não passou de uma tentativa de acertar em vários sabores, odores e texturas de uma só vez, o que a tornou uma experiência gustativa um tanto confusa, mas poderá até ser uma das mais emocionantes se tocada ao vivo. Os corantes (coros) artificiais ficaram forçados, sendo mais um golpe baixo para abrir o apetite. Tem ótimas sacadas quanto à trilha, mudanças no andamento, solos e letra, mas deveria ter sua receita revisada e possivelmente sintetizada. Por fim, faltou mais sal na canja de "The Man of Sorrows", que não faz rir nem chorar, não fede nem cheira, chove mas não molha.

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Parece que assim como um cozinheiro que "erra a mão", colocando tempero demais num prato simples, por exemplo, a banda e, principalmente, o Chef Steve Harris se perdem ao tentar cozinhar Heavy Metal em determinadas situações, acabando por tirar parte do gosto da carne. As receitas poderiam até ser excelentes no papel, entretanto o resultado final de algumas não teve consistência em termos de qualidade. Às vezes, um tempero cheio de especiarias caras dá certo e fica incrível. Às vezes, o melhor tempero é aquele mais simples, o da vovó. Mas não importa muito quais sejam os ingredientes, tem que "ter mão" para cozinhar. Talvez por isso Adrian Smith foi "O" cara do álbum e, com as parcerias de Harris e Dickinson, elaborou os melhores pratos que fizeram desse cardápio o melhor desde 2000 (talvez desde 1988).

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É impossível não notar que o maior pecado cometido foi a produção medíocre de Kevin Shirley. Assim como um gastrônomo contratado, um produtor de verdade iria aparar as arestas, diminuindo todos os excessos e extrairia o melhor da banda. Ao invés disso, a impressão que fica é a que ele funciona apenas como um técnico de som de luxo, limitado ao trabalho de apertar o "Rec" e pegar uma Trooper gelada no freezer para a galera. Parece que falta alguém para colocar o pessoal na linha da excelência musical novamente (todos sabem que eles podem mais, muito mais). Essa obra está longe de ser ruim, mas com o produtor certo ela seria verdadeiramente épica, próxima à perfeição e galgaria seu lugar entre os maiores trunfos da banda (perceber isso é o mais triste, sniff-sniff). Nesse sentido, um álbum duplo mediano (de altos e baixos) representa uma falta de cuidado e finesse em sua apresentação, apesar da boa noção a respeito do que servir à mesa.

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Críticas à parte é importante reconhecer os riscos decorrentes da tentativa de inovar, a coragem necessária para se jogar em águas profundas e não permanecer apenas no raso ("Fear not the depths, but a shallow living" - "Não temas as profundezas, mas uma vida rasa", já dizia uma estampa nas costas do figurino do Sr. Dickinson na turnê passada) e as tomadas de decisão dos líderes do grupo que deram guinadas mais do que precisas para que houvesse mudanças qualitativas em relação aos últimos trabalhos.

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Ainda que com novas ideias, colaboração de quase todos os mestres-cucas e muita vontade de fazer algo significativo, os êxitos desse trabalho não são suficientes para fazer do nascimento de um álbum duplo após cinco anos sem novidades tão excitante quanto esperado e noticiado, exceto pela clara evolução e amadurecimento do grupo e pelo fato de que este, em final de carreira, volta a excursionar mundialmente, o que é ótimo. Faltam mais músicas do tipo "Que foda!" e "Como eu vivi sem isso?", que tem magia própria, que emocionam desde a primeira degustação e que dão água na boca só de pensar nelas.

Mas quem sabe se essas novas que não desceram muito bem não crescem no meu paladar e, principalmente, no meu coração com o tempo?

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Poderá até ser uma questão de tempo para que certas faixas se tornem mais relevantes, para que se encaixem nos perfis que citei no parágrafo anterior ou talvez soem muito melhores quando executadas ao vivo, mas não existe álbum realmente excelente como a crítica especializada (com exceção dos editoriais Billboard e Q) aclamou que não seja reconhecido como tal nas primeiras (semanas de) audições. "O Livro das Almas" não é um desses. Um bom esforço do Restaurante Velha Donzela, mas que deixa os clientes mais exigentes com fome mesmo depois da refeição completa de 92 minutos. As sobremesas que satisfarão essa clientela durante as apresentações ainda serão os sucessos dos cardápios dos anos 80.

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Bom apetite a todos e, como diz o slogan do estabelecimento, "Always look on the bright side of life".

Disco 1
1. "If Eternity Should Fail" - (Dickinson) - 8:28
2. "Speed of Light" - (Smith/ Dickinson) - 5:01
3. "The Great Unknown" - (Smith/ Harris) - 6:37
4. "The Red and the Black" - (Harris) - 13:33
5. "When the River Runs Deep" - (Smith/ Harris) - 5:52
6. "The Book of Souls" - (Gers/ Harris) - 10:27

Disco 2
7. "Death or Glory" - (Smith/ Dickinson) - 5:13
8. "Shadows of the Valley" - (Gers/ Harris) - 7:32
9. "Tears of a Clown" - (Smith/ Harris) - 4:59
10. "The Man of Sorrows" - (Murray/ Harris) - 6:28
11. "Empire of the Clouds" - (Dickinson) - 18:01

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