On The Road: Camel, uma noite das Arábias
Por Cláudio Vigo
Postado em 05 de abril de 2001
Esta semana fui surpreendido com um empréstimo de meu velho amigo Miguelito 78, que veio na forma de um pacote, contendo quatro cds de uma banda setentista, que não ouvia tinha muito tempo: "Be Bop de Luxe" é o nome da pérola rara, e seu guitarrista e líder Bill Nelson andou declarando que quando remasterizou estes discos não se reconheceu em nada e apesar de gostar deles, disse não ter mais nada a ver com essas músicas. Caramba!
Quando li isto vi que alguns destes pobres coitados ficam prisioneiros de 4 ou 5 anos, em que produziram dois ou três clássicos. Não podem mudar de opinião ou evoluir, que uma horda saudosista lhes acorrenta o pé em algum lugar do passado, ficando igual a vampiro, vagando eternamente entre 74/77, até que a arteriosclerose os leve assim como a maioria de seus fãs. Fui para o show do Camel no dia 24 com este sentimento, de dar alho pra vampiro, mas numa grata surpresa, o que parecia ser o prenúncio de muito mofo geriátrico acabou se transformando numa noite das Arábias, onde o Camelo mostrou ainda ter muito fôlego pra correr pelo deserto que anda por aí.
Antes de mais nada vou explicar o porquê do 78 do Miguelito: peça rara, mito do underground carioca nos anos 70, meu amigo acredita piamente que o mundo acabou em 31 de dezembro de 1978 e se recusa a entrar em contato com qualquer coisa gravada depois disso. Chega a ficar nervoso e é clássica a história de sua recusa em ouvir uma gravação rara do Gentle Giant (que ele adora) apenas porque foi gravada no nada, ou seja, em janeiro de 1979. Não peçam que ele explique, se o mundo acabou vai explicar o quê?
Para ser sincero, parei de ouvir o Camel no fatídico ano de 78, quando era uma banda de enorme sucesso e o disco "Mirage" habitava nove entre 10 casas de amigos da época. Andy Latimer e seu solo em "Lady Fantasy" povoavam minhas memórias e dos outros três Dino Boys que atravessavam comigo a Ponte Rio Niterói rumo ao show. Lembrávamos que não conseguíamos lembrar nada desta época, só uns pedaços de histórias em que alguma música do Camel estivesse presente. Chicozé, Pé de Pato e Eldon Pop tinham cada um causo inesquecível, e já esquecido pra contar.
Entre inúmeras gargalhadas e outros tantos preparativos espirituais, chegamos ao local um tanto cedo demais e resolveu-se tomar um chopp hidratante. Não mais que de repente Chicozé, que havia participado de uma vaquinha que possibilitou a vinda dos senhores ingleses nestas terras quentes, foi chamado para ser entrevistado pela MTV. Apareceu uma ninfeta esplendorosa que se dirigiu ao velho rocker como se estivesse falando com um DJ de techno funk. Quando senti o clima, disse: "essa eu não perco" e o resultado foi no mínimo hilário, com o pobre colunista aqui fazendo um "papagaio de pirata" voluntário que possivelmente entrou para o memorial do ridículo da TV brasileira de todos os tempos. O sorriso forçado, acredito ter sido digno de figurante de "A Praça É Nossa". Não vi o resultado, mas ainda tenho esperança de alguém me descobrir pra platéia do "Raul Gil" ou quem sabe "dançarino do Latino". A performance foi digna disso.
Minutos após, conhecemos uma dupla antológica, que consistia em um fã inglês a bordo de um inacreditável casaco de camelo e incontáveis caipirinhas que o faziam suar como se estivesse no Cairo, e uma montanha de músculos que poderia facilmente passar por um príncipe Etíope, mas que havia chegado de Três Rios (RJ) naquela tarde. Era campeão de Fisiculturismo, amante do rock progressivo e reclamava horrores que sua aparência cheia de molejo sempre evocava o pagode quando ia comprar discos. Tenho pena dos vendedores que desafiam sua ira santa. "The Englishman" foi rapidamente apelidado de "Mad Dog" e com uma expressão totalmente "Dr Livestone, I presume" desfiou umas quatrocentas histórias de shows em que esteve presente em priscas eras, coisas como Pink Floyd, Soft Machine, Curved Air, Caravan e toda a nata do progressivo setentista inglês. Tudo isso sorvendo, de canudinho, litros e litros da já citada caipirinha, elevando a sudorese por baixo do casaco de camelo a níveis alarmantes. Enquanto isso eu já havia descoberto que o uísque do bar era bem honesto e me tornado amigo de infância do "Stallone de Três Rios", que guardou lugar na fila de entrada para todos nós sem que houvesse uma só reclamação dos circunstantes.
Quanto ao show, se quiserem set list, informações técnicas e contexto histórico é melhor dar um pulinho na coluna de progressivo do Cláudio Fonzi aí do lado. Vocês vão encontrar tudo isso lá bem melhor do que eu poderia explicar ou esclarecer (já deu pra notar que meu negócio é confundir). Mas posso dizer que gostei bastante, inclusive das musicas novas. Mr.Latimer, fazendo a linha "maracujá de gaveta encanecido", está tocando o fino e em alguns momentos me fez lembrar o David Gilmour dos melhores tempos. Muita técnica com experiência - quer saber? Acho que está tocando melhor do que antes.
Dá uma certa melancolia imaginar que artistas deste nível tenham dificuldades em conseguir público. Se não fosse a ação de um produtor abnegado e de mais uma meia dúzia de fãs participantes, possivelmente teria sido impossível viabilizar um show como esse. Uma pena! Surpreendeu-me a quantidade de gente nova vibrando com o som dos caras. Legal isso.
O que era pra ser uma noite datada e saudosista acabou se tornando uma noite das Arábias. Com Príncipe Etíope, Inglês alucinado e quatro Dino Boys que seguiram um camelo, como se fosse uma miragem, com muita água, alto astral, boa música e gente nova que segue viagem e não acredita que o mundo acabou em 78 como quer o Miguelito.

(Fotos: cortesia Rock Progressivo Brasil)
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