A única banda de rock brasileira dos anos 80 que Raul Seixas gostava
Por Bruce William
Postado em 28 de dezembro de 2025
Em 1980, Raul Seixas já era um nome consolidado, com mais de uma década de estrada, e lançou "Abre-te Sésamo". Só que, por trás do disco, ele já dava sinais de irritação com o clima ao redor. Sylvio Passos descreve assim no livro "Raul Seixas por ele mesmo": "O disco vende razoavelmente, mas bem menos do que merecia. Raul começa a sentir as dificuldades em manter um trabalho mais denso em meio à alienação dominante entre a juventude", e lembra declarações que ele mesmo classificava como atravessadas: "Mudei-me para São Paulo porque no Rio não dava mais. Lá o pessoal só quer saber de patins e praia. Patins e praia não tá com nada" e "Hoje é uma época caótica, não temos nada"(…) "Os anos de 1980 são isto: nada. Então, se no atacado a coisa dançou, a gente tenta salvar algo no varejo'".

Esse desalinho ficou mais cruel quando o "novo rock brasileiro" virou febre comercial e Raul estava sem tração. Passos registra: "Em 1983, Raul está inativo e sem perspectivas, quando o rock nacional passa por um novo apogeu comercial. Deve ter sido terrível ficar à margem enquanto os medíocres faturavam, após ter se mantido fiel ao rock durante os anos difíceis, de apogeu da MPB".
Nessa fase, além da fama de "complicado" com gravadoras e dos problemas com álcool, Raul também parecia não se reconhecer no que estava virando a cena. A jornalista Ana Maria Bahiana relatou em matéria do Jornal O Globo que, ao fazer um show no Palmeiras dentro de um revival, ele se deu conta de que ainda tinha um público grande e organizado - mas estranhou a maré que o invocava como referência. A reação dele, na matéria, foi bem direta: "Acho isso tudo muito esquisito. Muito antigo, os americanos já fizeram tudo isso há muito tempo, eu mesmo já fiz isso. Não acho graça. Blitz, essas coisas, não me dizem nada. O Eduardo Dusek me chamou de 'Aracy de Almeida do rock' e eu não sabia se era elogio ou xingamento".
Em 1985, veio o Rock in Rio - e Raul não foi chamado. A ausência não impediu que ele opinasse, e do jeito dele. Lucas Marcelo Tomaz de Souza cita na tese de doutorado "Construção e autoconstrução de um mito: análise sociológica da trajetória artística de Raul Seixas" uma fala em que Raul tira sarro do que estava em alta e, no meio da pancadaria, abre uma exceção clara, com nome e sobrenome: "Raul Seixas torce o braço em forma de banana para o rock brasileiro de atual sucesso: 'Tudo muito bonzinho, não acha? Bem, eu não vou falar do Parachoques do Fracasso, tá certo? Acho tudo uma palhaçada enorme. Não tem sacanagem nenhuma, tudo muito ingênuo. De todos só gosto do Kid Vinil e seu grupo Magazine. Eles sim, são punks vagabundos. Não gosto nem do Barão Vermelho. Me parece que esse pessoal não tem informação. E a culpa não é minha'".
Raul também citou Kid Vinil de forma elogiosa em uma entrevista que ele deu a Pedro Bial. E existe também um pequeno trecho em áudio de uma homenagem cantada de Raul para Kid, além de áudios de entrevistas de Raul conduzidas por Kid Vinil.
Esse elogio específico chama atenção porque, no mesmo período, a tese do Lucas aponta que Raul já estava distante do motor que empurrava aquela geração: "A grande inspiração para o surgimento daquele rock brasileiro vinha de movimentos musicais estrangeiros, o punk e a new wave. Isso fazia com que o nome de Raul Seixas fosse muito pouco lembrado como influência decisiva para aqueles jovens roqueiros que começavam a despontar". Ou seja: ele não estava no "centro" do movimento, mas também não estava disposto a aplaudir por educação. Quando gostava, ele dizia. E, pelo menos ali, disse.
Ao mesmo tempo, Raul não era um eremita total em relação ao rock oitentista. Um dos poucos nomes da safra que teve convivência direta com ele foi Marcelo Nova. André Barcinski conta no livro "Marcelo Nova: O Galope do Tempo": "A primeira vez que vi Raul eu tinha uns 10 anos de idade. Raul tinha uns 17"(…) "Nem cheguei a conversar com ele na época, porque o Raul era seis anos mais velho que eu, e nessa fase uma diferença dessas é muito grande". O encontro "de verdade" veio em 1984, quando Raul subiu ao palco com o Camisa de Vênus no Circo Voador, e o contato seguiu, com o Camisa gravando "Ouro de Tolo" em 1986.
Com o tempo, a história deu a volta: Raul passou a ser homenageado por uma porção de artistas ligados ao festival, e a própria organização reconheceu que ele deveria ter sido lembrado. No livro do Jotabê Medeiros, "Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida", Roberto Medina explica assim: "A primeira edição do Rock in Rio, em 1985, perdeu o bonde. É claro que, não só no Raul, como em outros nomes, posso não ter pensado. Confesso que não lembro muito bem como elegi o casting nacional. Naquele tempo tinha a Rádio Fluminense - a Maldita - e eu me pautava no aconselhamento deles. Fiz também pesquisa de opinião - o que faço até hoje - me balizando em tribos e estilos diferentes. Tinha ainda a dificuldade para contratar as bandas. Foi muita pressão. É claro que o Raul Seixas deveria estar presente, mas provavelmente eu tenha esquecido outras pessoas também importantes. A segunda edição do Rock in Rio, em 1991, já tinha perdido o bonde, mas cheguei a procurar a viúva de Raul, Kika Seixas, para fazer um selo comemorativo do festival".
No meio desse cenário todo - desgaste pessoal, mudança de gosto do público, explosão comercial do rock nacional e a sensação de estar vendo "de fora" - fica o detalhe que importa para a nota: Raul podia detonar muita coisa, mas não era incapaz de reconhecer quem, na visão dele, tinha veneno e atitude. E, quando foi escolher um nome daquele novo rock para poupar, ele escolheu um só: Kid Vinil e o Magazine.
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