Seis citações de Raul Seixas a Jesus Cristo em letras com intenções bem distintas
 Por Bruce William
Por Bruce William
Postado em 01 de abril de 2025
Raul Seixas sempre teve gosto por provocar, misturar símbolos e colocar os dogmas de cabeça para baixo, fosse usando referências esotéricas, mitológicas ou religiosas. Entre essas provocações, seis citações a Jesus Cristo se destacam por terem propostas bem diferentes entre si - algumas irreverentes, outras filosóficas ou existenciais - refletindo, de certa forma, as transformações que Raul e Paulo Coelho atravessaram ao longo dos anos 1970.
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Começando por "Al Capone", faixa do clássico "Krig-ha, Bandolo!" de 1973 (youtube), onde Raul canta: "Hei, Jesus Cristo / O melhor que você faz / Deixar o Pai de lado / Foge pra morrer em paz". A frase tem impacto imediato e sugere que, na visão do cantor, nem mesmo a figura mais sagrada do cristianismo deveria insistir em uma missão divina diante do mundo moderno - caótico, burocrático e desiludido. Em vez de se sacrificar por uma humanidade em frangalhos, o melhor seria deixar tudo para trás. A provocação vem embalada por uma ironia típica da fase inicial da parceria com Paulo Coelho, marcada por letras que misturavam símbolos fortes com crítica social e pitadas de humor ácido.
 
Segundo o jornalista Júlio Ettore, a ideia da letra surgiu quando Paulo Coelho propôs misturar personagens como Al Capone, astrologia e Jesus. Raul achou estranho, mas acabou aceitando, e ali nasceu uma canção cheia de ambiguidades, quase um convite para que até o divino se desiluda da missão.
No mesmo álbum, Raul canta também "How Could I Know" (youtube). Em sua versão lançada em 1973 (Raul concebeu outra versão em 1970, com letra completamente diferente), a música traz versos curiosos em inglês: "'Cause Jesus Christ, man / Won’t be coming back no more / He set up his proper laws / And you know well that he did / Just what he should have done" ("Porque Jesus Cristo, cara / Não vai voltar mais / Ele estabeleceu suas próprias leis / E você sabe muito bem que ele fez / Exatamente o que deveria ter feito"). A ideia aqui parece ser a de que Jesus cumpriu sua missão e não retornará, pois já deixou tudo que precisava. É uma frase que mistura desencanto e constatação, reforçando o olhar racional, quase desencantado, que Raul e Paulo imprimiam a muitas de suas canções nessa época.
 
Dois anos depois, em "Novo Aeon" (1975), a referência a Jesus retorna, mas com um enfoque diferente. A faixa-título (youtube) lista uma série de liberdades individuais e direitos que comporiam a tal "sociedade alternativa", como o direito de ser ateu ou ter fé, de comer o que quiser, de rir, de ter prazer e até, como canta em um dos trechos mais simbólicos da canção, "o direito de deixar Jesus sofrer". A frase surge como parte de um manifesto de autonomia pessoal, no qual o indivíduo tem o direito de se relacionar com o sagrado - ou não - da maneira que bem entender. Em vez de um ataque à fé, a música propõe uma abertura espiritual que rejeita qualquer forma de imposição.
 
Jotabê Medeiros, no livro "Não diga que a canção está perdida", interpreta o verso como um gesto de libertação. Para ele, Raul já estava em outro patamar de ousadia, desafiando dogmas sem medo de represálias - algo que, curiosamente, não enfrentou, mesmo ao tratar de temas considerados delicados.
No ano seguinte Raul lançou a faixa "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás" (youtube) , que praticamente também deu nome ao álbum "Há 10 Mil Anos Atrás" (1976). Nela, ele assume a voz de um narrador milenar e testemunha de eventos históricos, religiosos e culturais: "Eu vi Cristo ser crucificado / O amor nascer e ser assassinado / Eu vi as bruxas pegando fogo / Pra pagarem seus pecados / Eu vi!". A citação a Cristo nesse contexto amplia a crítica histórica: mostra o amor sendo derrotado, a religião sendo usada para punir e o tempo revelando repetições de injustiça.
 
A letra foi inspirada em "I Was Born About Ten Thousand Years Ago" (youtube), música gravada por Elvis Presley, um dos grandes ídolos de Raul. A canção original, de domínio público, limitava-se a referências bíblicas. Raul e Paulo expandiram o conceito para incluir elementos de outras religiões, acontecimentos históricos e até contos de fadas, misturando cultura pop, espiritualidade e crítica social em um só personagem atemporal.
Em 1978, "Mata Virgem" traz a faixa "Judas" (youtube). Em um vídeo, o próprio Raul explicou que a ideia da música veio de uma reflexão sobre a possibilidade de Judas não ter traído Jesus, mas sim participado de um acordo com ele. "Essa música 'Judas' veio de um estudo. A possibilidade de Jesus Cristo não ter sido traído por Judas. [...] Foi um acordo para que a coisa fosse resolvida politicamente", disse Raul. Aqui, o foco é histórico e filosófico, e a figura de Cristo entra como peça central de uma encenação necessária para que a "grande campanha cristã" se realizasse. Mais uma vez, Raul subverte a narrativa oficial e propõe outra leitura do sagrado.
 
Por fim, há "Gospel" (youtube), canção gravada originalmente em 1974 para integrar a trilha sonora da novela O Rebu, da Rede Globo, relata o Extra. A letra traz uma sequência de perguntas existenciais que revelam a perplexidade de Raul diante das contradições da vida: "Por que que Cristo não desceu lá do céu / E o veneno só tem gosto de mel?". A canção foi censurada durante a ditadura militar e só ganhou versão final décadas depois, com novos arranjos e músicos convidados. O verso que cita Cristo dialoga com a ideia de ausência divina em um mundo cheio de dor, dúvidas e enganos - mais uma vez, colocando em xeque a expectativa de redenção.
 
Essas seis referências mostram que Raul não tinha interesse em desafiar a fé apenas pelo choque. Seu foco era outro: provocar reflexão sobre autoridade, liberdade, espiritualidade e sentido da existência. Em algumas canções, Jesus é tratado como símbolo de uma missão falida; em outras, como arquétipo de libertação ou até ausência. E, em certos momentos, tudo isso se mistura com mitologia, história, filosofia e crítica social.
Em comum, está a autonomia individual diante do sagrado - seja para questionar, reinterpretar ou simplesmente se libertar. Talvez por isso, Raul tenha conseguido tocar em temas delicados sem gerar grandes polêmicas: ele não ria da fé, mas do dogma que tenta engessá-la. E por mais que falasse de Cristo com irreverência, nunca soava vazio - ao contrário, havia sempre algo a se pensar.
 
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