A canção questionadora de Raul Seixas que se complementa com uma canção da Rita Lee
Por Bruce William
Postado em 30 de março de 2025
O disco "Há 10 Mil Anos Atrás", lançado em 1976, trouxe uma das composições mais irônicas da carreira de Raul Seixas, feita em parceria com Paulo Coelho: a música "Eu Também Vou Reclamar" (Youtube) que era, na verdade, "um protesto contra as músicas de protesto", e alfinetava diretamente alguns nomes populares da época como Belchior, Sílvio Brito e Hermes Aquino. "Mas é que se agora pra fazer sucesso/ Pra vender disco de protesto/ Todo mundo tem que reclamar", dizia Raul, num verso em que ironizava a fórmula adotada por parte da MPB naquele momento.


Segundo o jornalista Júlio Ettore, a música expressava a visão de Raul e Paulo sobre uma tendência que, na visão deles, havia perdido sua força original: "Em 1976, isso virou uma moda e perdeu legitimidade. O Raul queria dizer que era um cara sozinho na música brasileira. A música popular é uma gente muito séria e fechada." A análise é reforçada na tese de doutorado de Lucas Souza (USP), que define a canção como "o grande ataque contra a música popular brasileira" e destaca: "Ao abrir fogo contra uma tendência importante da música popular, Raul Seixas reforça sua posição de artista ‘solitário’ nessa cena musical."

Eis que, na edição de novembro de 1976 do Jornal da Música, Paulo Coelho fez o seguinte comentário: "Eu complementei esta música com Rita Lee, numa outra chamada 'Arrombou a Festa'. As duas se unem tão bem quanto vinho e queijo suíço." A parceria com Rita deu origem a um dos maiores sucessos da cantora, lançado em compacto em 1977, logo após ela sair da prisão. A letra, escrita também por Paulo Coelho, mencionava vários artistas da música brasileira com um tom entre a crítica bem-humorada e a pura sátira. "Todos falam sério, todos eles levam a sério / Mas esse sério me parece brincadeira", diz o refrão da música (Youtube).

Na canção, nomes como Roberto Carlos, Benito di Paula, Sidney Magal, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Fafá de Belém, Chico Buarque e até Chico Anysio são citados. A inspiração, segundo Rita, veio da clássica "Festa de Arromba" de Erasmo Carlos (Youtube), mas agora com uma visão mais cínica do cenário musical da época. E apesar do sucesso, com mais de 200 mil cópias vendidas, houve reações negativas de alguns fãs dos artistas mencionados, com pichações em muros como "Fora gringa Rita Lee".
Dois anos depois, em 1979, Rita lançou "Arrombou a Festa II" (Youtube), mantendo o tom provocativo e autodepreciativo: "E a Rita Lee parece que não vai sair mais dessa / Pois pra fazer sucesso arrombou de novo a festa". A dupla ainda escreveu uma terceira versão, nunca gravada, chamada "Arrombou a Festa Número Pi", com trechos revelados na autobiografia de Rita, aponta um ensaio publicado no Reddit.

Rita amenizava o tom negativo das letras: "Às vezes, as pessoas acham que eu fiz uma crítica à música popular brasileira. Mas ao contrário: eu fiz uma homenagem, só que tinha um lado satírico, um lado irônico", disse em uma declaração de 2002 ao Fantástico, da TV Globo. O fato é que, com letras que riam da seriedade da MPB e cutucavam artistas populares com leveza e acidez, Raul e Rita, com Paulo Coelho por trás das palavras, mostraram que também é possível criticar - e muito - com humor. E, talvez por isso, continuem tão atuais até hoje.

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