Kurt Cobain: em 05/04/1994, o rock morria
Por Emerson Domingues
Fonte: ALTERNATIVE NOISE
Postado em 12 de abril de 2014
Kurt Cobain, o último ídolo do rock, morreu em 5/4/1994. Nos dias atuais e, com certeza, daqui para a frente, onde o consumo de massa é cada vez mais voraz e fugaz, não há mais espaço para ídolos de qualquer espécie, muito menos na música e na cultura pop. Pelo menos não mais do que por uma semana, muito por causa da internet, que tornou o acesso a informação, inclusive a musical, praticamente universal e ilimitado, e ninguém mais tem tempo ou paciência para assimilar tamanha quantidade de conteúdo disponível. E a pressa para ser a bola da vez faz com que cada vez mais bandas ou artistas sem nenhuma qualidade atulhem a web com suas "obras". A data marca também o dia aproximado da morte de outra figura marcante do rock, Layne Staley (Alice in Chains, Mad Season, Class of ‘99), possivelmente menos genial, mas tão ou mais louco do que Cobain, e que talvez não tenha alcançado a mesma projeção, e por isso é assunto para outro dia.
Cobain era o arquétipo do americano comum, alijado... do sonho americano. Branco, louro, olhos azuis, mas pobre, franzino e nascido numa cidadezinha nos confins do noroeste dos EUA, tinha tudo para ser apenas mais um caipira, não fosse o dom artístico, herdado tanto da avó paterna, Íris, pintora, e dos tios por parte de mãe, músicos. Talvez por isso, desde pequeno manifestou talento para a arte e foi incentivado pela família, principalmente no desenho. A música ocupou papel secundário em sua vida, - a despeito de correr pela casa socando um bumbo ganhado da mãe - pelo menos até ganhar a 1ª guitarra de um tio. Na época enfrentando a separação dos pais, o instrumento se tornou seu único companheiro, e o garoto se refugiava primeiro em seu quarto no trailer do pai, praticando por horas a fio, depois perambulando de casa em casa, chegando até mesmo a dormir na rua, mas sem nunca largar a guitarra.
Provavelmente foi a última banda a alcançar o sucesso trilhando o caminho "tradicional", ou seja, os primeiros ensaios, os shows para plateias de amigos, em troca de cerveja, como o primeiro, em 1987, ainda com o baterista Dave Foster, excursões em vans, gravação de fitas demo, e por aí vai.
Fitas como a que foi parar nas mãos do DJ John Peel, que fez a banda ficar conhecida no circuito underground da Inglaterra. Quando a banda realizou sua 1ª turnê pela Europa, em 1989, já tinha um público fiel no meio alternativo inglês. Em 1991, quando tocaram pela 1ª vez no famoso Reading festival, já eram "estrelas" da cena. No ano seguinte, no mesmo festival, já com "Nevermind" estourado, a consagração definitiva para uma multidão ensandecida.
Autodidata, de gosto musical em parte duvidoso na adolescência (Journey, Sammy Hagar, Boston, Knack) seu impacto na música foi inédito e provavelmente não mais se repetirá. Com sua colagem musical de elementos tão díspares como Boston, Black Flag, Melvins, só para citar alguns, (daria para escrever outro texto só com suas influências musicais) mas com identidade própria, sonoridade única, devido ao seu talento ímpar e vasto conhecimento musical, e juntamente com seu visual andrajoso, ajudou a sepultar os rebotalhos de hard rock que dominavam as paradas americanas a base de apliques, muito laquê, roupas ridículas e alguns solos de guitarra. Bandas como Poison, Motley Crue, Warrant e outras excrescências foram varridas do mapa pelo furacão "Nevermind".
O muro entre alternativo e mainstream, que já havia recebido as primeiras marretadas com o sombrio "Bleach", - que já trazia uma amostra do vasto caldeirão de influências, entre elas heavy metal, punk e pop, - definitivamente virou pó com o lançamento de "Nevermind". Desde "Smells Like Teen Spirit" (Com a guitarra quase plagiando "More Than a Feeling", do Boston, uma das muitas mostras de genialidade, ficando na tênue linha entre influência e plágio) até "On A Plain", é porrada atrás de porrada. Com uma pequena pausa na quase acústica "Polly", que pega leve só no ritmo, ao narrar um estupro, o álbum só sossega na última faixa, "Something In The Way", sobre o período em que dormia na rua. De quebra, o álbum trouxe o rock de volta ao topo das paradas, destronando Michael Jackson e seu Dangerous.
Um muro pessoal também se rompeu, de aspirante a punk a ídolo pop. Contraditório, ao mesmo tempo que pregava a igualdade entre ídolos e público, quando se deu conta do sucesso que atingiu com "Nevermind", exigiu três quartos do que a banda ganhava. Mas talvez fosse justo, proporcional a sua genialidade. A despeito da banda contar com Dave Grohl, um estupendo baterista e Novoselic, que também era um profundo conhecedor de música e tinha um senso de qualidade até mais apurado do que Cobain, mas que se resignava a ser seu coadjuvante pessoal e musical. Chamar a banda de Kurt Cobain´s Experience não seria nenhum exagero, dado que tinha total controle criativo sobre tudo o que a banda fazia. Mais contraditório ainda era que, apesar de viver pregando suas raízes punk, vivia pedindo para os assessores de gravadora e comunicação ligarem para a MTV passar os clipes da banda, quando ele próprio não o fazia.
Alegando não suportar o peso do sucesso, consumia cada vez mais drogas e se isolava do mundo exterior e dos companheiros de banda. Só a música (as vezes, principalmente quando falava em projetos paralelos a banda) e a família conseguiam tirá-lo da apatia, mesmo num bizarro cenário doméstico que misturava as mamadeiras da filha com seringas para consumo de drogas do casal e as cada vez mais frequentes brigas com a esposa, muitas delas só terminando com a intervenção da polícia.
Em mais uma prova de genialidade, supondo que alguma banda atual conseguisse fazer meio Nevermind, qual delas não faria Nevermind 2, 3, 4 e por aí vai. (A despeito do curso de insanidade que se seguiu ao estouro do álbum, inflado pelo consumo surreal e ininterrupto de drogas, dizia para quem quisesse ouvir em seus poucos momentos de lucidez, que não queria o sucesso , estava farto do som da banda e que queria seguir outros caminhos musicais). Pois a banda lançou um anti-Nevermind, o abrasivo In Utero. Como diz o 1º verso da faixa de abertura, Serve the Servants, "Teenage angst has paid well, Now I´m bored and old", (A angústia adolescente pagou bem, agora estou chateado e velho). Como efeito colateral, trouxe a luz infinitas bandas medíocres que jamais conseguiriam lançar um simples EP se não fosse o estouro de Nevermind. Bandas (e gravadoras procurando o próximo Nirvana) que usaram e abusaram da fórmula silêncio-barulho-silêncio, com guitarras distorcidas, até para esconder a mediocridade de sua "música", mas que, devido a falta de qualidade, sem nem fazer sombra ao Nirvana, terminaram por esgotar-se em si mesmas praticamente sepultando o Rock Americano, levando a reboque a cena alternativa que tinha aparecido para o grande público graças ao Nirvana e foi tragada de volta para o limbo com o fim da banda e o consequente fim do interesse das grandes gravadoras, deixando um cenário de terra arrasada do qual bandas, rádios e selos independentes não se recuperaram até hoje.
Ícone maior do grunge, nome ridículo (cunhado por Mark Arm, do Mudhoney) para um estilo que revitalizou o Rock em várias vertentes, como Pearl Jam(Hard Rock), Alice in Chains (Heavy Metal) e Soundgarden (Hard/Heavy), virou ídolo de uma geração de desmiolados de camisa de flanela que não entendia suas letras, inteligentes, ácidas, que usavam metáforas para criticar a sociedade americana, em particular o machismo, chegando ao cúmulo de "Smells Like Teen Spirit", que criticava o modo de vida universitário, se tornar seu hino.
Os últimos shows, em Março de 1994, em Munique, para pouco mais de 3. 000 pessoas num aeroporto desativado, com abertura, coincidentemente(?), dos ídolos Melvins, foram o ponto final melancólico na meteórica trajetória da banda. O cancelamento do restante da turnê, sob alegação de problemas estomacais de Cobain, foi o prenúncio da tragédia anunciada que viria mais ou menos 1 mês depois. Talvez, só talvez, esteja desfrutando a paz que tanto procurou em vida.
Morte de Kurt Cobain
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