Pink Floyd: Bom, mas não deve ser comparado com os clássicos
Resenha - Endless River - Pink Floyd
Por Andreyson Jambersi
Fonte: Regencia Coletiva
Postado em 16 de novembro de 2014
"The Endless River" é o mais recente e, possivelmente, o último álbum do Pink Floyd. O álbum foi gravado por David Gilmour, Nick Mason e Richard Wright (in memoriam – 1943 - 2008) em diferentes épocas, sem o baixista, letrista e compositor Roger Waters, que afirmou em entrevista recente que está fora da banda a mais de 30 anos e que não tem relação alguma com o que eles podem vir a fazer neste álbum.
O título do álbum foi inspirado no último verso de "High Hopes" do álbum "The Division Bell" de 1994 ("The water flowing, the endless river, Forever and ever"), como se fosse de fato uma continuação.
Desde 1994 havia mais um álbum a ser esperado. Em entrevistas os músicos sempre apontavam estarem para entrar em estúdio em breve para continuar com o trabalho, afirmando que já tinham algumas ideias para serem trabalhadas em cima. Também é de conhecimento do grande público que na época a banda havia abandonado a ideia de fazer um álbum com sons ambientais, inicialmente chamado "The Big Spliff". Sou fã de banda desde que minha idade me permitiu e posso afirmar que não havia a mínima esperança de que este material fosse continuado.
De alguma maneira, "The Endless River" foi anunciado pela vocalista de apoio do Pink Floyd, Durga McBroom, ainda no ano de 2014 e, para a surpresa dos fãs, com data de lançamento para o final do mesmo ano. Basicamente, enquanto os fãs comemoravam o aniversário de 20 do que seria então o último álbum de estúdio da banda, foram lá e anunciaram que a banda ainda estava em atividade, ao menos que um álbum novo seria lançado. Inicialmente suspeitava-se que David estaria gravando um álbum solo. Agora sabe-se que o mesmo estava a gravar um álbum do Pink Floyd e o que pode vir a ser um álbum duplo solo. Prévias de músicas foram liberadas, contendo trechos de 03 faixas, além de que foi também anunciado que apenas uma música teria letras, eliminando um pouco da ideia de que o álbum seria simplesmente o lançamento de "The Big Spliff".
A arte da capa foi feita por um jovem garoto de 18 anos, egípcio.
Ao falar sobre o álbum, os músicos deixaram claro que o mesmo surpreenderia os fãs, e o associaram à "Ummagumma", de 1969. Isso criou uma certa expectativa que seria desnecessária na opinião deste que vos escreve. Ainda mais quando as 03 faixas que foram liberadas mostraram-se longe da criatividade e inventividade da época de ouro da banda. Reportagens e artigos anunciavam que seria um disco basicamente instrumental, ambiental e espacial. Uma faixa teria vozes de fundo. Mais tarde anunciou-se que uma faixa teria letra e vocal. Esta faixa também foi lançada previamente e parece ter conseguido a aprovação da maioria dos fãs.
Vale dizer também que a banda já anunciou que não fará turnê de divulgação do novo álbum.
Enfim, ao contrário de minhas resenhas anteriores, não analisarei necessariamente faixa a faixa este álbum pois, como David Gilmour citou, ele foi feito para ser ouvido como um todo, sendo que as faixas isoladas são, portanto, sem sentido. Esta será também uma resenha um pouco mais superficial. De qualquer modo, farei uma separação do disco em 04 partes, baseado nas separações impostas pelos lados do vinil (duplo), não citarei as bônus tracks "TBS9", "TBS14" e "Nervana". Deixo claro também que esta é uma opinião de um fã, que esperava algo devido rumores dos próprios músicos e teve algo diferente. Sabe quando seu pai indica que vai te dar um vídeo game novo e te dá um hot wheels? Pois bem, não sou do tempo do hot wheels, mas imagino que tenha sido um sentimento parecido. Se você é o tipo de fã que não pode ter sua opinião contrariada, sugiro que não leia esta resenha. Eu, mesmo sendo fã, ainda sou provido de algum senso crítico e não gosto de absolutamente tudo o que meus heróis façam, simplesmente por me sentir na obrigação de gostar. Também não sou da opinião de que para criticar algo seja necessário fazer melhor, este é o tipo de argumento que já nasce morto. Após breves discussões em grupos de mídias sociais, alguns me acusaram também de ser "cabeça fechada", de possivelmente não ouvir música erudita ou experimental de nenhum modo.
Não vou questionar se isso é válido, mas adoro tanto música erudita quanto experimental, então temos outro "argumento" refutado. Deixo claro também que não mantive expectativas altas, na realidade mantive até as primeiras prévias serem divulgadas. Depois não mais e o álbum chegou até a me surpreender num primeiro momento.
Se você está preparado para uma resenha de fato, continuemos:
PARTE 1
1. "Things Left Unsaid..."
2. "It's What We Do"
3. "Ebb and Flow"
A primeira impressão é de que acertaram na atmosfera do disco, os timbres se conectam de uma forma fantástica, o violão está bem colocado e com um som muito cristalino, coisa linda de se ouvir! As vozes no fundo parecem ter sido extraídas das entrevistas contidas em "Live at Pompeii", não consegui ter certeza. A introdução termina e inicia-se a faixa "It’s What We Do", na minha opinião, sensacional. Porém, como nem tudo o que reluz é ouro, a faixa logo nos leva a conectá-la de alguma forma com "Shine On You Crazy Diamond". Algo que seria legal, se não fosse tão recorrente ao longo de todo o álbum. Quando entra a bateria, na mesma faixa, somos ainda levados a acreditar que logo começará "On An Island", segunda faixa do álbum de Gilmour de 2006. De qualquer forma, se ignorarmos esses aspectos, a faixa é sensacional, Gilmour brinca com o whammy de forma fantástica, seus timbres são os mesmos inatingíveis de sempre. Os teclados estão simplesmente extraordinariamente bem colocados, apesar de eu ter minha dúvidas se realmente é o Wright tocando nesta faixa. Simplesmente não parecem seus fraseados. De qualquer forma, ao contrário do que imaginei inicialmente, por estarem principalmente trabalhando com sobras gravadas por Wright entre 1987 e 1993, o álbum não soa mecânico, ao menos não nesta primeira parte. A primeira parte do álbum termina trazendo a ideia de seu início. Com efeitos, guitarra e teclados muito bem colocados.
PARTE 2
1. "Sum"
2. "Skins"
3. "Unsung"
4. "Anisina"
A segunda parte já começa com novas citações, com os teclados e sintetizadores trazendo uma ideia bastante abordada ao longo de "The Wall" de 1979. Na bateria, Mason nos leva a uma atmosfera setentista, utilizando suas clássicas viradas que, se não são tecnicamente complexas, são criativas e nostálgicas, nos arrastando para dentro de "The Dark Side of The Moon", de 1973, de alguma maneira. Infelizmente uma nova citação: "Skins" é basicamente "A Saucerful Of Secrets", faixa título do álbum de 1968.
"Unsung" mostra algo mais inédito num primeiro momento, com uma atmosfera mais sombria criada pela guitarra de Gilmour, servindo de introdução para o que viria a seguir... Porém, se repararmos bem, nada mais é do que a introdução de "Time" sem a percussão. A faixa seguinte é "Anisina"...
Que está sendo aclamada por alguns, mas que já era velha conhecida dos fãs, seja por que foi uma das faixas divulgadas do álbum, ou porque já rolava durante 20 anos em bootlegs (álbuns não oficiais). Eu pessoalmente vejo esta faixa como uma quebra do clima que o álbum estava criando, sinto que ela está completamente deslocada. Não posso criticar os belos trabalhos de Wright nas teclas. Ou a música em si. Apenas não gostei de onde ela está inserida.
PARTE 3
1. "The Lost Art of Conversation"
2. "On Noodle Street"
3. "Night Light"
4. "Allons-Y (1)"
5. "Autumn '68"
6. "Allons-Y (2)"
7. "Talkin' Hawkin'"
A parte 3 do álbum tem altos e baixos, A introdução é legal e cria um clima não mantido nas faixas seguinte, sinceramente, achei "On Noodle Street" chata, muito chata. Não entendi a faixa, simplesmente. "Night Light" por outro lado, retoma a atmosfera do início do álbum, para novamente ser interrompida por Allons-Y (1), música de duas partes e completamente desnecessária na opinião deste que vos escreve. Uma espécie de "Run Like Hell" ("The Wall", 1979) moderninha. Inclusive, parece exatamente isso, um improviso sobre "Run Like Hell". A faixa seguinte é "Autumn ‘68", cujo título faz referência ao fato desta música ser o maior tributo ao Wright no álbum, com um solo do mesmo no órgão do Royal Albert Hall. O título também faz menção à "Summer ‘68", música de autoria do Wright contida em "Atom Heart Mother". É de longe a faixa mais interessante do disco.
"Talkin’ Hawkin’" traz falas do físico Stephen Hawking, algo que acontece também em "Keep Talking" ("The Division Bell", 1994). Apesar de ser mais uma citação neste quesito, a harmonia da música é totalmente diferente de "Keep Talking", porém nos leva a atmosfera do "The Division Bell" de alguma forma, não consegui e nem tentei identificar o porque, talvez seja simplesmente por soar moderno. Gilmour, por sua vez, nos presenteia com uma sequência de fraseados muito bem colocados em sua guitarra, sempre com seu feeling inatingível. Esse cara é um dos maiores professores de bom gosto na guitarra que o mundo já teve, sem dúvidas.
PARTE 4
1. "Calling"
2. "Eyes to Pearls"
3. "Surfacing"
4. "Louder than Words"
"Calling" me lembrou de alguma forma "Momentary Lapse of Reason", de 1987. Não sei o motivo. Não gostei muito dos timbres escolhidos e nem da atmosfera desta faixa. "Eye to Pealrs" pode lembrar "Set the Controls for the Heart of the Sun", lançada em 1968.
"Surfacing" é muito legal, com Gilmour novamente se apresentando em bela forma. "Louder Than Words" é a faixa a seguir e é a única faixa do disco, e última faixa da versão comum do disco.
"Louder Than Words", cujo título saiu de "Sorrow", última faixa de "Momentary Lapse of Reason": "And silence that speaks so much louder than words, of promises broken". A faixa nos apresenta Gilmour com uma voz mais rouca do que em seu último álbum, de 8 anos atrás.
A faixa começa com sinos sendo tocados, buscando a mesma atmosfera de "High Hopes". Absolutamente todas as linhas de guitarra estão muito bem colocadas aqui, não há o que tirar ou colocar, a impressão que se tem é que o bom gosto de Gilmour atingiu um determinado nível supremo. Os teclados soam naturais, a bateria simples é a mesma de toda a discografia, cumpre seu papel e não tenta roubar a atenção do ouvinte. O solo de David Gilmour é ao menos muito bom. Se não se tornar um clássico como "Dogs", "Comfortably Numb", "Marooned", "Coming Back To Life" ou "Time", por exemplo, será por falta de apresentações ao vivo. O que não me soa natural nesta faixa é a tentativa de modernizar a letra com "We Bitch and we fight". Gilmour vinha adicionando um ou outro palavrão nos últimos álbuns, mas este soou indevidamente forçado. O resto da letra é legal, Polly fez um bom trabalho. Waters deveria ter aparecido para fazer uma ponta aqui, talvez com seu baixo fazendo suas sequências tônica-oitava. A coisa soaria mais orgânica. O disco termina da mesma forma que começa, como se fosse um ciclo, algo legal, mas que também já foi utilizado em "The Wall".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O disco em si é bom. Mas não pode ser comparado à nenhum dos clássicos, nem mesmo ao "The Division Bell". Como um último tributo ao Wright, seria válido, mas o disco sequer traz suas últimas gravações de estúdio, estas possivelmente estão contidas num disco solo que aparentemente o mesmo estava gravando antes de morrer, ou mesmo em "On An Island" de David Gilmour, onde Wright era o tecladista da banda. Se fosse por lançar suas linhas de teclados para estas faixas, uma opção bastante viável seria um box do "The Division Bell". De qualquer forma, se o disco era um tributo ao Wright, ouso dizer que as linhas de guitarra acabaram sobressaindo muito em volume e deixando o Wright no papel que sempre fez: coadjuvante. Suas contribuições, apesar de excepcionais, sempre foram subestimadas por alguns fãs e pela própria banda. Fica válida a comparação de Wright com George Harrison, suas composições eram geniais, mas ele não tinha espaço na briga de egos que era a banda.
O disco peca justamente por suas faixas curtas. Sei que a intenção era que a soma das partes criassem um tudo, mas acho que as faixas muitas vezes acabam antes de terem chances de se tornarem interessantes.
Não há nada de novo aqui. Isso pode ser bom por um lado, algumas bandas são legais sempre fazendo mais do mesmo, posso citar o AC/DC e o Motorhead, por exemplo. Mas ser mais do mesmo nunca foi ser Pink Floyd. No caso do Pink Floyd, cada álbum era um álbum. Você sabia que era a mesma banda por certas peculiaridades, mas a sonoridade era outra, os sentimentos gerados eram outros.
O disco é válido para quem quer revisitar toda a carreira da banda, de certa forma, devido a quantidade de citações. Não sei se um novo fã em potencial gostaria muito, principalmente devido a ausência de letras. O álbum não contém os abusos experimentais de "Ummagumma", de 1969, com o qual a banda o comparou aparentemente sem motivos. Eu gostaria que tivesse um pouco mais daqueles abusos experimentais... Seria interessante saber o que estes gênios/loucos fariam tentando reconstruir uma atmosfera daquelas com a tecnologia atual.
De qualquer forma, a discografia do Pink Floyd não mais termina com "Forever and ever", a frase foi substituída por "It’s Louder Than Words", seja isso algo bom, ou algo ruim. De qualquer forma, o álbum já quebra recordes de venda e Gilmour parece saber o que grande parte dos fãs espera.
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