A Falácia dos Festivais de Rock no Brasil
Por Edsão
Postado em 21 de maio de 2025
Sim! É mentira que festivais de música alavancam a carreira de artistas independentes de Rock Adulto ou Pop Honesto neste país.
Como já participei de mais de uma dezena de eventos do tipo, com várias bandas ou em voos solo, posso afirmar com veemência; e, fico ainda mais à vontade para falar sobre o tema, pois, uma de minhas composições, "Flores do Reggae", conquistou o 2º lugar na categoria canção inédita, após concorrer com mais de 800 canções de todo o país, no, então, maior festival de música universitária do Brasil, o FestValda edição de 1994.
Além disso, dois anos depois, com este mesmo som, vencí classificatória entre cerca de 1.000 músicas em nível nacional! Sim, Mil! E gravei cd produzido pela Sony Music com outras onze bandas de várias capitais no 1º Skol Rock, em 1996 (que na época era chamado de Skol Garage Band).

E sabe o que é mais bizarro? este CD está no Mercado Livre, e a "Flores do Reggae" disponível no Spotfy e no Deezer. É mole?
Esta música, "Flores do Reggae", foi influenciada pelo ilustre jamaicano, Bob Marley, e pela fase latina do ex-líder dos Talking Heads, David Byrne), que permeia o álbum "Uh!Oh"!
Eu a criei em parceria com o Atto Ortazze (vocalista da minha primeira banda, a Outdoor), que compôs a letra da canção, inspirado pelo fumacê da marijuana.

Mas você deve estar se perguntando: por que será que um sujeito cínico e cético, como é o meu caso, resolveu participar destes festivais de enganação (em que os melhores raramente ganham)?
Como sempre, antes de te responder, como jornalista, preciso contextualizar e, para tanto, lançar mão de um breve histórico sobre o porquê de ter me tornado músico, compositor, letrista, e posteriormente, aceitar participar de infames festivais de música.
Ah! observação: neste texto não vou falar sobre o nascimento "oficial" dos festivais de música em terras tupiniquins, pois nada mais eram que um desfile de cartas marcadas para promover os produtos das gravadoras presentes no país e, principalmente, aumentar a audiência dos recém-lançados canais de televisão dos anos 1950 e 60, como TV Tupi, Excelsior, Record e TV Globo.

E não vou perder seu tempo analisando uma cena "independente" e/ou "de rock" que, de fato, nunca existiu no Brasil; jamais aconteceu! Nem nos anos 80, pois, como na letra da canção "Pop" da Maquinavicio, "A mídia sempre foi e vai ser o Poder" (principalmente em uma nação subdesenvolvida artística e intelectualmente, como a nossa), em que os chamados "movimentos" só acontecem quando é de interesse da Indústria, ou dos veículos de má comunicação; seja, durante os pré ou pós anos de chumbo da ditadura militar, ou das atuais onipresentes redes antissociais.
Bem, voltando ao que me levou a entrar na barca furada, vejamos como fui me meter nesta...
Humm... Ah... antes de virar músico, queria era ser letrista ou escritor, pois era um leitor ávido de HQ’s (as histórias em quadrinhos; no meu caso, as de terror), com as coleções clássicas do gênero, como Spektro, da Editora Vecchi, Cripta, da Record, e Tumba de Drácula, da Bloch (que inclusive, era editada lá fora pelo grande, Stan Lee, da Marvel Comics!).

Passava minhas sessões da tarde com os super-heróis japoneses, Ultraman e Ultraseven, o seriado sci-fi, Jornada nas Estrelas, desenhos animados, como Fantomas e Shadow Boy, e varava noites assistindo aos filmes da produtora inglesa Hammer, estrelados pelos eternos astros de horror, Christopher Lee, Peter Cushing e Vincent Prize.
Tomei gosto pela leitura durante o ginásio, quando ganhei, numa feira da escola, um livro de contos do genial Edgar Allan Poe. Virei um leitor contumaz de sua obra, e este autor extraordinário tornou-se meu escritor favorito desde então.
Já era cinéfilo e frequentava os cinemas de rua do centro da cidade de São Paulo, como o famoso "Cine Comodoro", antes que as salas fossem transformadas em bingos ou igrejas evangélicas.

Fui privilegiado por crescer ouvindo a uma, ainda relevante MPB, e a grandes nomes do cenário internacional.
Esta miscelânea literária, cinematográfica e musical, me levou a querer começar a escrever canções; Porém, ainda não sabia tocar nenhum instrumento para acompanhar minhas primeiras letras.
Assim, fui compelido ao aprendizado autodidata de violão para poder musicar meus escritos. Na época, ainda havia as hoje, extintas, bancas de jornal, em que comprávamos revistas que "ensinavam" os acordes das canções que gostávamos. As facilidades que a Internet traria ainda eram ficção científica.
Após ganhar vários calos nos dedos, salvo engano, pisei pela primeira vez em um palco. Foi na quadra de meu colégio, a EEPSG, Antônio Alcântara Machado, no bairro Ipiranga, no "1º Festival Alcantará".

Nesta aventura pueril, executei (quero dizer, matei mesmo!) o clássico de Paul MacCartney, "Yesterday" dos Beatles (os Fabulous Four que me perdoem pelo crime). Putz...
Em seguida, fui arrebatado pelo primeiro Rock in Rio (que teve Rock, realmente) com as grandes bandas de hard e heavy metal que se apresentaram, e decidi "aprender" contrabaixo elétrico.
Acabei desenvolvendo um bom ouvido e passei a tirar e a tocar alguns covers, ainda sem a técnica mais apurada que viria desenvolver anos mais tarde com a Maquinavicio.
Além de compor freneticamente e brindar os vizinhos com canções próprias, perturbava-os com os ensaios de minha banda, em volumes estratosféricos, com um quarteto quase sempre indefinido, mas já batizado com o pitoresco nome de "Os Lobos Solitários". Conseguimos um espaço e partimos para o primeiro boteco fuleiro em que nos pagaram para tocar.

A molecada e as cachorras do nosso bairro piraram com a novidade e, subitamente, nos elegeram a "banda famosinha do pedaço". grandes merdas..., mas já era um começo.
Mirando voos mais altos, nosso repertório foi evoluindo e, para conseguir executá-lo criamos uma banda de 9 músicos (com 3 cantores, teclados, cordas, percussão e metais). Ficou bom!
Conseguimos uma audição em uma gigantesca e famosa casa noturna no Embu (a 40 km de nossa casa), e fomos convidados a nos apresentar, de quinta a domingo, para um público médio de 2.000 pessoas. Entrávamos às 9 da noite e saíamos às 4 da matina, revezando com uma duplinha local e seu conjunto. O lugar era imenso, mas tosco; tínhamos que suportar sertanojo nos intervalos, mas havia camarim, janta, birita, pagavam bem, e com muita muié dando sopa; e você sabe: "Cê tú tá" num palco, pode ser feio ou o que for; mesmo assim, será desejado e vai passar o cerol.

Passei a ganhar dinheiro e sobreviver como músico "da noite"; hoje, isso seria impossível!
Eu brincava que éramos uma banda de baile com um set list que ia de Ray Conniff à Van Halen, e foi isso que acabou por nos fazer instrumentistas melhores, pois tivemos que aprender a tocar, e bem, a diversos gêneros e ritmos. Pior é que é verdade! ficamos muito bons na bagaça.
Foi uma fase digna de um Charles Bukowski, regada a sexo, drogas (no meu caso, álcool), e rock and roll. Bons tempos que não voltam mais...
Yeah! Posso dizer que fui profissional e vivi disso durante meia década (inclusive, tendo que ir anualmente até a infame "Ordem dos Músicos", para renovar a licença e pagar uma taxa inescrupulosa para tocar "na noite", pois do contrário, nosso empregador poderia ser multado por fiscais oportunistas.

Depois de um tempo, cheguei à conclusão de que ser músico da noite não me levaria a lugar algum, e que assinar com alguma gravadora da época seria quase impossível, visto o cenário decadente da indústria fonográfica, com seus diretores artísticos inescrupulosos e a máfia do jabá imperando na mídia.
Assim, acabei desistindo da pretensa carreira artística, entrei na faculdade de Jornalismo e fui trabalhar em áreas comerciais de multinacionais para pagar as contas.
E, finalmente, depois de toda esta cruzada mambembe, com tantos infortúnios musicais e traições, por que cargas d’água, ainda fui me meter nestes festivais falaciosos?
Por dois motivos:
Primeiro, a falta de espaço ou plataformas artísticas; é importante salientar que se tratava de uma época em que não havia onde divulgar sua obra, como acontece, facilmente, hoje em dia, por veículos como o Youtube ou em várias redes sociais. Ou seja; como diria o laureado, José Saramago, fazemos o que é possível no momento. E foi o que fiz.

E, segundo, acreditava (de verdade), naquele período, que algumas das canções que compus eram realmente boas – impressão que se revelou acertada, pois afinal, a tal, "Flores do Reggae" defenestrou centenas de competidores pelo país, foi agraciada como uma canção de potencial comercial, e alcançou premiações, mesmo que insignificantes, nestes irrelevantes FestValda de 1994 e Skol Garage Band de 1996.
Para um autor independente, de verdade, como eu era, estas pequenas conquistas de não ter que pagar para produzir meu som, mesmo que por uma única faixa, pois os custos de gravação e mixagem em estúdios com boa reputação eram vultosos e proibitivos, foram importantes.
Sem contar, a oportunidade de gravar um videoclipe bem produzido para passar na MTV (um canal Pop mainstream razoável), sem ter que arcar com os custos absurdos de produção.

Além disso, como um aluno de comunicação social, era legal conceder entrevista ao único veículo de mídia escrita "especializada" (só que não) em música, do país, infelizmente, a infame Revista BIZZ, da Editora Abril.
A Bizz, como reza o clichê, era formada por críticos e/ou músicos frustrados, que, citando o gênio, Frank Zappa, eram jornalistas babacas que não sabiam o que escrever, entrevistando gente que não sabia o que falar, para pessoas que não sabiam o que ler. Era exatamente isso!
Como o Brasil nunca revelou e, acredito, jamais relevará, uma grande banda de Rock Honesto e Pop Adulto como lá fora, os baba-ovos pretensiosos e ineptos da Bizz (alguns foram jurados no FestValda 94), gastavam seu tempo sendo submissos e subservientes a qualquer porcaria do exterior, desde que fosse gringa; sobretudo bandinhas europeias cujos integrantes não tocavam nem cantavam nada!

Curiosidade: O FestValda 94 teve como apresentadores, os então VJS (vídeo-idiotas) da MTV: uns tais Zeca Camargo e Astrid Fontenelle - que veio me entrevistar após o anúncio dos vencedores do festival para uma matéria que iria ao ar no dia seguinte-.
A "repórter"?! (sic!) chegou com uma pergunta disparatada: "E aí, Edsão, o que achou? Como é ficar em segundo lugar entre tantas bandas no festival?
Véio, me segurei para não a mandar tomar suco de caju, mas comecei dando no meio e esbodeguei: Olha aqui, fulana, nós deveríamos é ter ganho o primeiro lugar na categoria inédita, pois o gatuno que venceu, fez uma colcha de retalhos com plágios: mesclou canções de domínio público com jingles e trechos de covers de artistas famosos com somente um refrão besta da autoria dele; Ou seja, como isso pode ser considerado canção "inédita"? O estelionatário musical deveria é ser desclassificado!

O resto do monte que ela ouviu, não foi ao ar, (Na televisão, editaram, e só passaram o trecho): "Olha aqui, fulana, nós deveríamos é ter ganho o primeiro lugar", é claro.
Que pena, eu tinha isso gravado em VHS, mas com o tempo, a fita esfarelou-se, e não dá para mostrar o imbróglio.
Aliás, por que será que me censuraram? afinal, fui tão bacana e não soltei nenhum palavrão... Rs
Bem, como dizem os estadunidenses, At the end of the day, ou seja, no final das contas, em retrospecto, até que foi divertido participar destas falácias; os momentos de alegria vividos com as bandas, nos hotéis, ônibus, camarins, nos palcos das casas noturnas, e nas entrevistas, junto, é claro, com a boca livre no rango e bebedeira, mais as zoeiras posteriores, valeram a pena! Sem saudosismo.

Para finalizar, prezados Whiplashers e caros candidatos a artistas, a moral desta estória, é:
Temos que aceitar que fama e dinheiro não são tudo na vida!
Repito: Temos que aceitar que fama e dinheiro não são tudo na vida!
Mas... ah, sempre tem uma "mas"!
Há um detalhe: apenas os ricos e famosos podem fazer esta citação.
Sim, apenas os ricos e famosos! pois, nós, pobres e ilustres desconhecidos, não temos autoridade para afirmar isto!
Grande abraço!

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