Do artista à obra de arte: reciclagem da música contemporânea
Por Gabriel Rios
Postado em 09 de agosto de 2014
Primeiramente, a palavra "contemporânea" no título nos levará ao fim da década de 70 e começo da década de 80, apesar do processo analisado neste artigo datar de antes. Tal abordagem foi motivada pelas evidências e a própria velocidade/intensidade do fenômeno serem maiores e mais visíveis a partir do período adotado.
1º de agosto de 1981. Nascia a MTV, que levava a teoria da canção cujo videoclipe foi o primeiro a ser transmitido na emissora à prática: "Video Killed the Radio Star", por THE BUGGLES. A percepção, repito: a percepção, de que a imagem influencia o sucesso comercial (mesmo que de forma tácita no consciente do ouvinte/telespectador) torna-se pungente. Isto, delimitados os precisos limites, é inofensivo, inevitável e, ouso dizer, necessário. As grandes "ondas" musicais tomariam proporções jamais vistas até então. O original, o alternativo (no sentido imaculado da palavra), o estranho, todos perderiam força e alcance para a música que, na visão dos "especialistas", obteria mais lucro.
Sim, é plausível e inegável de que esta é uma via de mão dupla, a música passa na televisão porque faz sucesso e faz sucesso porque passa na televisão. Mas, observando as evidências, chegamos logo à conclusão de que o fluxo entre as direções é desigual. Analisemos o hard rock/glam metal/hair metal oitentista: a maioria das bandas adotaram visual semelhante, som parecidíssimo (apesar do limiar entre qualidade adaptativa e mediocridade imitativa/teatral estar aí localizado) e letras voltadas à tríade sexo, drogas e rock n' roll (com raríssimas dissidências), além de esporádicas baladas amorosas.
Aprofundando o exemplo, podemos analisar as estatísticas: KIX, banda do estado americano de Maryland, condiz com todos os três elementos apontados (visual, som e letras), teve seus 15 minutos de fama com o álbum "Blow My Fuse" de 1988, tendo o single "Don't Close Your Eyes" chegado à décima primeira colocação na tabela americana geral. Fato curioso: a banda já havia lançado três outros álbuns e não trocou de gravadora para o citado quarto registro. Motivo do repentino sucesso? Dica: o clipe de "Don't Close Your Eyes" era exaustivamente repetido na MTV. Como de costume, a banda se separou nos anos 90 e, sem a mínima repercussão, reuniu-se recentemente.
Antes de trazer outro exemplo à discussão, ressalto que o escopo do artigo não é expressar juízo de valor a respeito de nenhuma banda ou artista. O exemplo seguinte retrata outro caso clássico: TWISTED SISTER. Três elementos? Checados, dois álbuns anteriores sem grande sucesso comercial, nenhuma troca de gravadora e o sucesso repentino de "Stay Hungry" em 1984, cortesia das exibições incessantes de "We're Not Gonna Take It" e "I Wanna Rock" na supracitada emissora, a continuação da história é óbvia e conhecida.
Podemos buscar rapidamente (para não tornar o artigo ainda mais longo) diversos outros exemplos do processo de ascensão e declínio programados e extremamente semelhantes, como RATT, que conseguiu o strike de primeira, com "Out of the Cellar", em 1984, e seus quatro singles, para depois, na década de 90, ser esquecido (sem antes fazer um clássico MTV Unplugged, claro!); WHITE LION (mais uma da Atlantic Records), seu álbum "Pride", de 1987, e o esquecimento pouco depois; CINDERELLA; QUIET RIOT; FASTER PUSSYCAT; WINGER; DANGEROUS TOYS; POISON; SKID ROW; WARRANT; SLAUGHTER e FIREHOUSE; entre muitos outros.
Não é possível deixar de citar que algumas bandas, que já possuíam certo sucesso comercial, mudaram sua sonoridade para a direção do hard rock em prol da onda (estou olhando para o senhor, Mr. Osbourne), além de alguns casos atípicos de grupos da época que atingiram tamanho sucesso a ponto de sobreviverem comercialmente (apesar de não ilesos) ao declínio do gênero (muitas vezes, mudando sua direção musical), a exemplo de BON JOVI, MOTLEY CRUE e GUNS N’ ROSES.
Os motivos do declínio são óbvios: as consequências nada comerciais dos excessos (brigas em premiações, confusões generalizadas, decadência pessoal etc.), que impactaram na imagem das bandas, o caráter intrinsecamente renovador das "ondas" (já que estas são destinadas a um público específico, muito ligado a fases efêmeras) e a própria mudança de paradigma cultural da sociedade (em seu sentido mais amplo, apesar de, algumas vezes, sutil), fazendo com que esta "onda" se perca espaço-temporalmente.
A solução encontrada também é óbvia e conhecida: um novo gênero e um novo modelo. Surge então o grunge, que trocava a escória maquiada e drogada de Los Angeles por um grupo "alternativo" e mais comportado (teoricamente) de Seattle. O visual comum: desleixado, envelhecido, "flanelado"; o som: distorcido, com vocais rosnados, e as letras: cheias de angústia e raiva, que consolidaram a mitigação do elemento diversão nas diversas vertentes do rock e se tornaram verdadeiros hinos dos adolescentes da época.
O grunge teve duração mais curta e uma maior concentração comercial (até porque coexistiu com outras cenas significativas) do que a "onda" do hard rock, porém, ainda assim, podemos encontrar diversos exemplos de fortuna parecida: o primeiro foi o propulsor do gênero, NIRVANA, cujo debut "Bleach" pouco fez barulho comercial em seu lançamento, mas, graças à ajudinha da MTV, empurrando "Smells Like Teen Spirit" aos telespectadores, conseguiu alcançar imenso sucesso com "Nevermind", em 1991, sucesso interrompido abruptamente à ocasião da morte do grande símbolo da fase, Kurt Cobain (não sem antes gravar um MTV Unplugged, claro!).
Continuamos nossa odisseia com SOUNDGARDEN, que não resistiu ao baque causado pela morte do grande expoente da fase e após o sucesso modesto (comparado ao seu predecessor) de "Down on the Upside", de 1996, anunciou seu término. Outro grupo com história parecida é o STONE TEMPLE PILOTS, cujo sucesso despencou gradativamente com a morte de Cobain, o que é explicitamente evidenciado pela análise estatística dos certificados dos seus CDs nos Estados Unidos: "Core", de 1992, foi oito vezes platina, "Purple", de 1994, seis, "Tiny Music...", de 1996, duas, "No. 4", de 1999, uma, "Shangri-La Dee Da", de 2001, atingiu "apenas" ouro.
Cabe citar também o caso do PEARL JAM, que faz parte do seleto grupo que sobreviveu ao declínio do gênero (assim como as bandas de hard rock, não totalmente ilesos e com mudanças na sonoridade) e continua alcançando significativo sucesso comercial até a atualidade. Outra banda que não podemos deixar de tratar é o ALICE IN CHAINS, que teve destino relativamente semelhante ao NIRVANA, mas conseguiu retornar posteriormente.
O rápido declínio da "onda" deve-se, em grande parte, à já tratada morte de Kurt Cobain, além dos descontrolados excessos, que vitimaram STONE TEMPLE PILOTS (figurativamente) e ALICE IN CHAINS (literalmente). A alta concentração comercial impediu a recuperação plena do grunge, que voltou timidamente nos anos 2000 em forma de "pós-grunge", que não causou um quarto do estardalhaço do gênero original. A solução encontrada foi caseira e parcialmente contemporânea: o new metal.
O nü metal contempla elementos do hip hop não só na música, mas no visual, com as calças largas e os dreadlocks, além da obsessão pela Adidas (e algumas outras marcas). A sonoridade é um grande amálgama de gêneros, englobando rap, funk, industrial, hardcore punk e o próprio grunge. As letras continuam no campo da angústia e do isolamento social, mas de forma mais agressiva e contrária à "apatia" dominante na "onda" anterior.
Temos no intervalo de 1993 a 1999 a criação de dezenas de bandas com as mesmas características (até o bizarro histórico comum de graves problemas familiares) e a explosão de uma grande porção dessas, muitas acolhidas pela Roadrunner Records, até meados da década de 2000. A onda durou um pouco mais por não ter tido um "marco de morte" específico, simplesmente passou do prazo de validade, já que, per si, não é um estilo carregado de características comerciais, destacando-se, em especial, a dificuldade em emplacar singles.
Exemplos: COAL CHAMBER, top 10 de álbuns nos EUA em 1997, lança álbum que fracassa comercialmente em 2002 e some no ano seguinte; CRAZY TOWN (uma das poucas que conseguiu sucesso com um single, Butterfly), top 10 em 2001, some em 2003; LIMP BIZKIT, 18 vezes platina nos EUA, entre 1997 e 2003, dois fracassos comerciais desde então e o próprio vocalista admitindo que as pessoas "superaram o New Metal" e MUDVAYNE, três discos de ouro e um álbum número 2 nas paradas americanas entre 2000 e 2005, dois fracassos comerciais desde então.
SLIPKNOT, DISTURBED, LINKIN PARK e KORN parecem ser as bandas que superaram a "onda", se mantendo relativamente estáveis após o seu fim. O que vem/veio depois? Em um viés mais pesado, é possível ver um crescimento do metalcore e do post-hardcore (que, daqui a alguns anos, poderão, certamente, ser analisados como os outros gêneros deste artigo), em um viés mais leve, o indie rock, que parece ser o caminho valorizado pela indústria.
Evidências? THE BLACK KEYS foi a única banda de rock dos anos 2000 a conseguir um álbum no topo das paradas americanas em 2014 (até então). No Reino Unido o número é ainda mais expressivo: cinco das seis bandas (YOU ME AT SIX, BOMBAY BICYCLE CLUB, BASTILLE, ELBOW, KAISER CHIEFS e KASABIAN) que conseguiram tal feito (até então) são bandas que incorporam elementos do indie rock.
O rock e o metal não estão mortos, perderam força comercial, de fato, mas continuam existindo fortemente. A tendência, infelizmente, é uma maior uniformização, a dispensabilidade da virtuose instrumental e artistas menos expressivos, mas sempre haverá a possibilidade de executar a árdua tarefa de separar o joio do trigo.
Nota um: pop punk, vai do fim da década de 1990 aos dez anos subsequentes. Tendências emo (visual e letras) e fortes influências do punk. Análise estatística de alguns exemplos: BLINK-182, sucesso de 1999 a 2003 (onze vezes platina nos EUA), hiatus e retorno tímido em 2011; BOYS LIKE GIRLS, um ouro e um top 10 (nos EUA) entre 2006 e 2009, hiatus e fracasso comercial em 2012 e GOOD CHARLOTTE, quatro platinas nos Estados Unidos entre 2002 e 2004, declínio comercial e hiatus desde então.
Nota dois: britpop (o que os britânicos faziam durante o grunge), de 1993 ao fim da década, mistura o pop britânico da década de 1960 com o glam rock e o grunge. Breve análise comercial: SUPERGRASS, sucesso de 1995 a 1999, declínio e fim durante os anos 2000; PULP, fracasso comercial de 1983 a 1992, explosão entre 1994 e 1998, declínio, término e tímida reunião desde então; CAST, platinas e top 10, no Reino Unido, entre 1995 e 1999, o que vem depois é repetição. BLUR e OASIS sobrevivem aos trancos e barrancos.
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