Paul McCartney: ele desconstrói os Beatles em estreia
Resenha - McCartney - Paul McCartney
Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama
Postado em 16 de outubro de 2015
Nota: 7
'Paul McCartney desconstrói os Beatles, encontra uma nova voz, mimetiza seus contemporâneos e experimenta de forma esparsa'
O disco-solo de estreia de Paul McCartney (auto-intitulado) saiu 19 dias antes do último disco dos Beatles, Let it Be. O lançamento foi a gota d’água que levou ao fim dos Fab Four em 1970.
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O sonho acabou. Um evento memorável.
McCartney – um balaio de gatos reunindo músicas rejeitadas pelos Beatles e gravações domésticas de Paul – impressiona como esforço solo (ele tocou todos os instrumentos, menos os backing vocals de Linda McCartney).
Entretanto, como conjunto de gravações, o disco fica no meio do caminho.
Cruzar fronteiras pode despertar respeito pela diferença e ambiguidades. Também pode endurecer velhos costumes.
McCartney vaga no deserto das fronteiras estéticas do começo dos anos 1970. Por um lado, ele se acomoda teimosamente em suas tendências populistas. Por outro lado, aberto a infindas possibilidades e sem preocupação com o julgamento dos críticos, Paul empreende uma jornada por vezes fascinante por estilos que desprezara ao lado dos outros três.
Junção de rabiscos por vezes tão breves, McCartney existe à medida que seu tempo se esvai. Muitas vezes maduro demais para seu próprio bem, o pôr-do-sol precede o próprio dia.
The Lovely Linda – a primeira declaração-solo de Paul – vê o homem distante da luta pelo legado dos Beatles. Pelo contrário, joga mais lenha na fogueira das críticas e do senso comum de que os rascunhos de Let it Be seriam piadas de John Lennon. McCartney enuncia seu amor acústico por Linda com flores no cabelo. Versos para sua musa.
That Would Be Something – o melhor título de toda a longa carreira de McCartney? Uma extensa vinheta acústica girando em torno do verso "that would be something/reaching the falling rain", na qual a solenidade de Paul trai seu improviso vocal. Triste palhaço com uma mensagem inquietante: será que o homem não tinha nada especial reservado para o dia após o fim dos Beatles?
Valentine Day – uma vinheta Soul instrumental? À medida que McCartney soa menos como um disco e mais como uma demo, temos a impressão de que uma abordagem 100% instrumental seria algo bom. Paul tocando guitarras, baterias, baixos e etc. – realmente temos que ouvir o que ele tem a dizer? Subitamente, tudo acaba.
Pau para toda obra nos Beatles, Paul dilui sua energia ao longo de McCartney. Em Every Night ele luta por efeitos duradouros com seu próprio etos impaciente. Uma linda melodia ecoa nos ouvidos e por um breve momento esse homem parece curtir ter uma carreira-solo…no fim das contas.
Hot as Sun-Glasses confirma os ajuntamentos de Abbey Road: rascunhos de Paul irrompem triunfais na mesa de mixagem. Se alguém ainda precisa de evidências de que ele enfrentava um duro bloqueio criativo, essa vinheta em dois atos diz tudo: um trecho pulante que ele escreveu em 1959 encontra um ritmo proto-Ambiente, com bobagens aleatórias salpicadas por cima.
Prematuramente velho, triste como um suspiro distante – Junk, sobra do Álbum Branco dos Beatles, se encaixa melhor aqui em McCartney. Breve, contundente, vulnerável em sua dinâmica – a grande demo finalizada para a carreira-solo readymade. Doloridas melodias de saudade melancólica seguram os backing vocals esparsamente altos de Linda. Nem tão boa para eles, OK para ele.
Man We Was Lonely (um ritmo vagamente Merseybeat entremeado com loucas guitarras slide e Paul replicando seu sotaque do começo dos anos 60) quebra a busca de um desfecho amigável para o fim dos Beatles e transborda como uma colagem meta-McCartney. Virando o título do avesso o homem encontra conforto (com sarcasmo) através do bom e velho…isolamento.
Uma paródia explícita dos Rock N’Roll tradicionais de Lennon, Oo You ("homenagem" a Yoko Ono?) acentuou a ruptura com seus recém-ex-companheiros. Riffs soltos no pasto mal conseguem esconder a letra auto-referencial "sing like a blackbird" e tiradas nem tão herméticas assim como "look like a woman/dress like a lady/tall like a baby". "Eat like a hunger" – faça-me o favor Paul!
Momma Miss America é um interlúdio prafrentex instrumental de Paul. Percussão saliente (Why Don't We Do It in the Road) vira desculpa para uma odisseia de pianos Tecnicolor, seguida por Hard Rock de inspiração Blues do McCartney guitarrista. À época, uma música subestimada. Só viraria um item cult nos anos 90.
Praticamente uma música dos Beatles por inércia, Teddy Boy é transformada numa narrativa edipiana. A ascensão da criança desajustada a Teddy Boy é uma breve, surpreendente e preocupante prova da genialidade de Paul em contar histórias disfarçadas em sonoridades melosas. Melodias acústicas em pele e osso representam, bem como denunciam, a transição da criança abandonada para a rebeldia juvenil.
Singalong Junk é uma versão instrumental de Junk – lembrando The Band of Horses e, bem, R.E.M. Uma grande música é uma grande música, não importa como você cante junto. A partir de praticamente nada McCartney faz um belo gol. A diferença? Sua voz era perfeita para o ambiente melancólico.
Rolando nas marés, Maybe I'm Amazed impressiona. Dúvida, encantamento, solidão – essas poucas qualidades de McCartney – encontram declarações diretas numa fusão épica e dinâmica. Let it Be ao contrário – apesar das incertezas, segue a vida adiante, corpo e alma (e belos gritos).
Tinha Paul inveja secreta de Santana? Essa é a impressão da mistura de Helter Skelter com World Music de Kreen-Akrore (Akrore, um povo nativo do Brasil). Percussão esparsa, cantos indígenas mixados aleatoriamente com solos de guitarra. Intensamente superficial, McCartney parece arrastar a cauda do Rock Progressivo ao redor de sua própria inspiração volátil. Esse interlúdio-posfácio rompe o componente de memória de Paul e engaja alguma futuridade. Inté.
Tracklist:
(5) The Lovely Linda
(6) That Would Be Something
(7) Valentine Day
(8) Every Night
(6) Hot as Sun-Glasses
(10) Junk
(7) Man We Was Lonely
(8) Momma Miss America
(7) Oo You
(9) Teddy Boy
(8) Singalong Junk
(10) Maybe I'm Amazed
(6) Kreen-Akrore
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