Pai do rock? Como Raul Seixas filosofou profundamente ao criar uma frase imortal
Por Bruce William
Postado em 07 de junho de 2025
Entre tantas frases provocativas que Raul Seixas lançou ao longo da carreira, poucas ficaram tão marcadas quanto a que dá nome à música "Rock do Diabo", de 1975: "O diabo é o pai do rock". A linha, que poderia soar apenas como rebeldia quase que adolescente, escondia na verdade uma reflexão filosófica que ia muito além da provocação. Criada em parceria com Paulo Coelho, a canção refletia um projeto maior de contestação à racionalidade dominante, à moral tradicional e ao papel da repressão nas estruturas sociais e culturais.
Para Raul e Paulo, conceitos como "bem" e "mal" eram construções simbólicas sujeitas a inversão. O diabo, na música, não era o ser das Escrituras — mas sim um arquétipo do instinto, da transgressão e da liberdade. Em vez de demonizá-lo, Raul o associava justamente àquilo que desafia o conformismo. Como explica Paulo Coelho em trechos reunidos por Jotabê Medeiros no livro "Não diga que a canção está perdida" (Amazon), a psicanálise também se tornara alvo: Freud, segundo ele, havia sido deturpado e transformado num novo dogma, enquanto o diabo era quem "dava os toques".


A letra é simples, mas carregada de sentido. A mãe diz ao filho Zequinha: "nunca pule aquele muro". E o garoto responde: "mamãe, aqui tá mais escuro". A imagem, quase infantil, resgata uma ideia próxima ao mito da caverna de Platão — a de que só ao romper com os limites impostos é possível ver a luz verdadeira, teoriza ensaio do site Universo de Raul Seixas. Para Raul, pular o muro era mais do que um ato de rebeldia: era um gesto de libertação, de recusa ao controle e de busca por experiências autênticas.

No mesmo espírito, a canção confronta o moralismo e ironiza suas acusações. Se o diabo é associado ao rock por ser símbolo do desejo, da carne e do impulso, então que seja ele o patrono do gênero. A música, afinal, também é instinto, também é pulsão, pondera a página Raul Seixas o Pai do Rock. Em versos como "três quilos de alcatra com muqueca de esperança", Raul mistura o mundano e o simbólico, o prazer e a utopia, em uma crítica sutil à contenção imposta pela razão e pela fé institucionalizada.
A reação mais explícita veio anos depois. Em 1983, um pastor da Igreja Quadrangular promoveu um exorcismo coletivo no centro do Rio de Janeiro ao som de "Rock do Diabo", com banda ao vivo e centenas de fiéis declarando-se possuídos, segundo relatos reunidos por Jotabê em seu livro. A cena, que beira o surreal, mostra como a provocação de Raul foi levada a sério — talvez mais do que ele próprio esperava. Mas no fundo, era isso mesmo: provocar, incomodar e abrir espaço para o pensamento fora da caixa. E se, para isso, fosse preciso transformar o diabo no pai do rock, que assim fosse.

Mais do que uma música sobre o diabo, "Rock do Diabo" é uma música sobre ruptura. Ela contesta a autoridade moral, desafia sistemas de controle e convida o ouvinte a desconfiar da luz artificial oferecida pela norma. Raul e Paulo Coelho não queriam destruir tudo — queriam abrir uma brecha. E se essa brecha passasse pelo símbolo do demônio, que fosse. Porque às vezes é preciso pular o muro pra encontrar alguma clareza. E nesse caminho, o rock foi o grito. O diabo, o guia.

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