Angra: Rafael tinha razão, o Omni é de fazer chorar
Resenha - Ømni - Angra
Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 11 de fevereiro de 2018
Nota: 9
Em 2017, os fãs brasileiros de Heavy Metal acompanharam todo o processo de composição e produção de "Ømni", o novo álbum do ANGRA, com lançamento oficial marcado para 16 de fevereiro próximo pela earMusic.
O quinteto, hoje formado por Rafael Bittencourt (guitarra e vocal), Felipe Andreoli (baixo), Fabio Lione (vocal), Marcelo Barbosa (guitarra) e Bruno Valverde (bateria) entregará uma obra coesa, rica e absolutamente fundamentada em princípios filosóficos como a "Alegoria da Caverna", de Platão, que discutiremos mais profundamente aqui. O álbum, nono de estúdio do ANGRA, foi gravado na Suécia com Jens Bogren, que também produziu o álbum anterior "Secret Garden" e, assim como este, traz muitos músicos convidados (a ex-sensação mirim Sandy é a mais controversa) e um sadio revesamento entre os vocais épicos de Lione e os mais emocionais de Bittencourt. A capa originou-se na arte de Daniel Martin Diaz, um artista americano que costuma misturar em suas obras conceitos científicos e filosóficos como anatomia, ciência da computação, matemática, cosmologia, geometria sagrada, simbolismo e esoterismo. Quem já estudou eletrônica facilmente vai identificar as portas lógicas, bobinas, fontes, misturando-se aos outros elementos orgânicos da arte de Diaz. Embora o álbum tenha vazado alguns dias antes do lançamento, seguramos a ansiedade (nem tanto, confessamos) e ouvimos a obra em sua melhor qualidade, cortesia da Shinigami Records, e aqui estão nossas impressões.
Ømni, muitas vezes (até aqui) grafado como "O.M.N.I." ou "Omni", já vai direto ao ponto na já conhecida "Light of Transcendence", com melodias bem power metal e Bruno Valverde já mostrando o monstro que é na bateria. E os solos de Bittencourt e Barbosa, este estreando na formação, também fazem com que a canção sirva bem como cartão de visita, mas "Travellers of Time", uma das melhores do disco, com pitadas de prog e um pouco de brasilidade, além da bem encaixada intervenção de Bittencourt nos vocais, tem tudo pra virar clássico e continuar nos setlists mesmo depois de mais três discos sucedendo o "Omni", também até poderia abrir o álbum. O fato de ter sido uma das primeiras canções divulgadas como single é bastante justificado.
"Black Widow's Web" traz com principal atrativo o contraste entre a voz angelical de Sandy, novata no mundo metal, e os guturais de Alissa White-Gluz. O risco aqui é esquecer que, além desta ser uma grande canção, Lione conduz tudo, todos os aspectos que vão além do citado contraste, com maestria. Na verdade, o contraste maior a ser focado é entre Lione (na canção, personificando a suposta vítima) e Sandy e Alissa, ambas como a aranha, mas em momentos distintos da captura da tal vítima (uma tece a aparentemente frágil teia, a outra decreta "agora você não pode mais fugir"). A canção é de dividir opiniões. Há quem a ache sensacional, mas há também os mais troos que se recusam a aceitar a filha do Xororó cantando com o Angra (os mesmos que viravam a cara pro Carlinhos Brown num disco do SEPULTURA) e há aqueles que acham um absurdo ter um gutural em uma banda que sempre primou pela beleza em suas melodias. Para todos esses, o trabalho de Lione em meio a tudo passa despercebido. A seguinte, "Insania", é uma boa canção, mas não tão especial. O grande destaque aqui vai para o baixo de Andreolli, brilhando magicamente. O momento balada vem em "Bottom of My Soul", uma bela canção cantada por Bittencourt. É bem difícil mesmo imaginar a voz de Lione, com todo a tonalidade épica que ele normalmente imprime, encaixando-se na delicadeza da canção, naturalmente aumentada pela presença do Ukulelê. É um ukulelê aquilo?
"War Horns" tem a presença de Kiko Loureiro. É a única, uma vez que agora o guitarrista vê-se muito ocupado com o MEGADETH. É uma canção bombástica, de solos impossíveis (afinal, Kiko está aqui) e cheia de referências bíblicas. Iniciar a canção já com um trecho do Apocalipse já dá a canção ares de "The Number of The Beast", do IRON MAIDEN.
O Brasil volta e volta "di cum força" em "Caveman". E esta é provavelmente a música que o o ouvinte mais vai "fazer xixi, se coçar, chorar em alguns momentos, ter raiva, querer processar, depois perdoar" o Rafael Bittencourt, em suas próprias palavras em entrevista que me concedeu. Veja no link abaixo.
Uma canção cheia de nuances, com elementos bastante brasileiros na letra e na percussão, é uma canção para ouvir vezes repetidas. Enxergar o conceito que há por trás das letras de todo o disco não é tarefa tão fácil. E perceber como elas se conectam sem um fio condutor tão aparente é, da mesma forma, difícil. Segundo a release oficial, "ØMNI" é um álbum conceitual, um conjunto de histórias curtas de ficção científica que ocorrem em vários lugares no tempo, simultaneamente. A espinha dorsal da trama baseia-se na idéia de que, em 2046, um sistema de inteligência artificial irá mudar a percepção e cognição humana. É um sistema que permitirá a comunicação consciente entre seres humanos presentes e futuros. Personagens como viajantes do tempo, homens das cavernas, guerreiros, entre outros, ajudam a contar esta história". "Caveman", no entanto, cujo foco está na Alegoria da Caverna, de Platão, acaba entregando tudo com mais didatismo e indicando uma outra direção. A evolução espiritual individual, mais claramente tratada aqui, apresenta-se como o fio condutor de todo o álbum. É esta evolução que está presente em "Light of Transcendence". É ela que popula o mundo imaginado em "Insania". E é em busca dela que os viajantes do tempo fazem sua jornada, mais viajando através das próprias memórias que no sentido mais físico-científico-ficcional da coisa. E a alienação, isolação social, vaidade pessoal, entre outras coisas, são a teia de viúva negra que podem nos afastar dessa evolução. E é esse conceito que nos chega, nos fazendo discordar da release oficial. Essa discordância tanto pode ser um erro na transmissão da mensagem como também próprio fruto da evolução do próprio OMNI, ou seja, uma ideia que, semente, acaba se tornando muito mais do que aquele mero invólucro e assumindo uma dimensão muito maior.
E é assim que a canção, de letra imbecilizada em uma primeira olhada ("tem um macaco naquela árvore embaixo daquela flor"), se mostra um intricado trabalho filosófico, sob a luz de Platão ("Cruzando a linha de fronteira, o mundo fora da caverna, alcançando a luz, o futuro começa hoje"), conectando-se às suas irmãs (as outras faixas do O.M.N.I.) e despertam todas as reações descritas por Bittencourt. Tudo isso, claro, na proporção e densidade que lhe permitem os seis minutos. Não é uma nova "Alegoria da Caverna", não tem o mesmo alcance, mas é uma eficaz revisita ao mito e um bálsamo quando a música brasileira fica só no "macaco na árvore" mesmo.
Com o álbum já se aproximando de seu fim, já com as conexões devidamente expostas, "Magic Mirror" e "Aways More" entregam dois belos momentos bastante pautados pelo metal progressivo. Nesta última, Lione canta de forma mais doce, desdizendo o que eu disse em minha crítica de "Bottom of My Soul". É. Parece que evoluimos até mesmo durante a resenha de um mesmo CD.
A riquíssima "Omni - Silence Inside" e a "Omni - Infinite Nothing", embora infinitamente diferentes uma da outra, fecham a obra como uma longa suíte, uma síntese do que foi apresentado até aqui. Enquanto a primeira apresenta novamente os elementos de Power Metal, Rock Progressivo e brasilidade, a segunda se parece com a trilha sonora que é ouvida quando sobem os créditos de um filme, "Infinite Dreams". Esta última acaba sendo o ponto fora da curva do álbum. Trazendo novamente elementos já apresentados, como a melodia de "Black Widow's Web", mas sem guitarras, sem a bateria de Bruno, é bela, funciona como encerramento, mas não funciona sozinha, algo que, apesar da interconexão filosófica entre si, não acontece com nenhuma das outras.
Track-list:
01. Light of Transcedence
02. Travelers of Time
03. Black Widow´s Web
04. Insania
05. The Bottom of My Soul
06. War Horms
07. Caveman
08. Magic Mirror
09. Always More
10. OMNI - Silence Inside
11. OMNI - Infinite Nothing
Algo não tão esperado acontece ao lê-las cuidadosamente. Há ganchos (se são intencionais ou não, apenas "o capiroto" saberá), para outras canções e álbuns da discografia do quinteto. "Preocupações são mentiras desencorajando o seu renascimento" pode ou não ser uma referência a "Rebirth" em "Light of Transcendence", assim como a referência a "Hunter and Pray" em "Magic Mirror". Ou as palavras podem estar apenas lá.
Segundo o nosso critério pessoal, o álbum recebe nota 9 porque é a máxima que nos permitimos dar em um álbum que está sendo lançado. Ele tem qualidades para receber a maior quantidade de estrelas, mas, a última, só o teste do tempo é que pode dar.
Para alguns que já ouviram o disco por ocasião do vazamento, o álbum chega a superar outros clássicos, como "Temple of Shadows" e "Angels Cry". Longe de ser ou não um sacrilégio, uma afirmação dessas só pode ser realmente comprovada quando passar pelo teste rigoroso do tempo. Este é o maior de todos os críticos.
Agradecimentos:
Karina Somacal, Departamento de Imprensa da Shinigami Records
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