Porque Raul Seixas disse que o Diabo é o Pai do Rock
Por Bruce William
Postado em 16 de maio de 2025
Lançada em 1975 no álbum "Novo Aeon", "Rock do Diabo" é uma das músicas mais provocativas da discografia de Raul Seixas. A frase que gruda nos ouvidos — "O diabo é o pai do rock" — pode parecer só uma tirada rebelde, mas sintetiza uma visão de mundo construída com Paulo Coelho, marcada por crítica à psicanálise, defesa da desobediência e inversão simbólica de conceitos como bem e mal. É uma canção feita para provocar — mas também para pensar.
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Na época, Raul e Paulo travavam uma batalha contra o discurso dominante da racionalidade, relata Jotabê Medeiros no livro "Não diga que a canção está perdida" (Amazon). A psicanálise, para eles, havia se transformado numa forma de controle — "uma deturpação completa do que o genial Freud escreveu", segundo Coelho. Em vez de confiar nos diagnósticos dos consultórios, eles pregavam os "toques" da vida — pequenas intuições, sinais, vivências diretas que escapam da análise racional. Daí o verso repetido como bordão: "Enquanto Freud explica as coisas, o diabo fica dando os toques."
O "diabo" dessa música não é o personagem religioso clássico, e sim um arquétipo. Representa o instintivo, o marginalizado, o que incomoda. É o impulso que te leva a fazer o que te disseram para não fazer. Em um trecho-chave da letra, Raul canta: "Mamãe disse a Zequinha: nunca pule aquele muro. Zequinha respondeu: mamãe, aqui tá mais escuro." A imagem é simples, mas poderosa. Zequinha percebe que o lado seguro não é tão claro quanto dizem — e que só desobedecendo é possível encontrar luz. É uma metáfora direta com o mito da caverna, de Platão, que Raul já havia visitado em outros momentos da carreira, conforme aponta ensaio do site Universo de Raul Seixas.

No mito, os prisioneiros vivem acorrentados dentro de uma caverna, vendo apenas sombras projetadas por uma fogueira. Para eles, aquelas sombras são a realidade. Um dos prisioneiros se solta, sai da caverna, vê o mundo real e tenta voltar para contar aos outros — mas é rejeitado, desacreditado, considerado louco. Raul se identifica claramente com esse prisioneiro. E Zequinha, ao pular o muro, é a versão infantilizada dessa ruptura. Pular o muro, para Raul, é um gesto de libertação.
A música vai além da filosofia. Ela também confronta o moralismo social e religioso com ironia. Ao dizer que o diabo é o pai do rock, Raul se apropria da acusação que muitos faziam ao estilo — e a devolve como elogio, teoriza a página Raul Seixas o Pai do Rock. Se o diabo representa o que é livre, instintivo, rebelde, então que seja ele o patrono da música que Raul escolheu para expressar tudo isso. A letra mistura carne, desejo e esperança: "Três quilos de alcatra com muqueca de esperança." O prazer e a ilusão no mesmo prato. Uma imagem do cotidiano, mas também uma crítica social.

A resposta à ousadia veio em forma de reação literal. Em 1983, anos depois do lançamento da música, um pastor da Igreja Quadrangular organizou sessões de exorcismo ao som de Rock do Diabo em pleno centro do Rio de Janeiro, conforme relata o livro do Jotabê. Com banda ao vivo e mais de trezentas pessoas declarando-se possuídas, o pastor passou a tarde inteira expulsando demônios enquanto a música de Raul ecoava pela rua. O absurdo da cena talvez fosse exatamente o tipo de efeito que Raul buscava com suas provocações.
"Rock do Diabo" é, no fim das contas, uma música sobre confronto. Confronto com o pensamento dominante, com as autoridades morais, com os saberes instituídos. Ao lado de Paulo Coelho, Raul propõe outra via de entendimento do mundo: menos análise, mais vivência; menos repressão, mais instinto. O diabo dá o toque. O rock é o canal. E o ouvinte, se quiser, pode pular o muro.

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