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Saco de Ratos: Nossa vida não vale um Chevrolet

Resenha - Saco de Ratos - Saco de Ratos

Por Rodrigo Contrera
Postado em 11 de fevereiro de 2018

Lembro-me bem daquela época, quando morava com meus pais, em que começava a me familiarizar com o jazz. Eu comprava os CDs (que ainda tenho) numa loja no Conjunto Nacional. Sempre os mais baratos, de uma série que tinha alguns clássicos dos mais badalados jazzistas de outrora.

Nessa época, eu me deixava embalar pelo jazz e pelo blues e começava a formatar uma ideia de vida que tinha tudo a ver com solidão, mulheres fatais, cansaço, inapetência para a vida e até com bebida (embora eu não bebesse nem soubesse beber - algo que vim a saber muito mais tarde).

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Essa forma de encarar a vida não me abandonou nunca mais. Nem quando me casei, e andava por aí com a Cris tentando achar alguma graça naquele outro tipo de vida (sem conseguir). Quando me separei, contudo, e me envolvi com um pessoal de teatro, eu meio que experimentei de verdade o que era esse estilo de vida. Aprendi a beber, me envolvi com gente complicada (uma garota), e caí de amores por outra. Cheguei a beber meia garrafa de pinga pela manhã, quando estava apaixonado.

Esta faixa, a segunda do primeiro CD do Saco de Ratos (do Mário Bortolotto), vem me acompanhando nos últimos dias de forma inapelável. Percebo nuances nela que antes passavam batidos. Sendo que a conexão com a vida desse tipo de sujeito alquebrado (que eu fui e até sou, ao menos em parte) fica sempre mais clara.

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A faixa é inspirada na peça do mesmo nome (que tinha Opala ao invés de Chevrolet) que virou até filme. Uma peça que tenho num pequeno livrinho e que reli há alguns dias, para esta resenha. Mas note-se que uma coisa é a peça, outra a música. Algo se mantém, é claro. Algo que não está no filme, e que por isso (quem sabe) é que o Marião o desconsidera.

A música é um blues que começa com uma slide guitar (do Brum ou do Watanabe, não dá para saber) que me lembra claramente a época em que eu ouvia André Christovam e outros bluesmen, e saía na noite. Uma época em que o Aeroanta ainda agitava o Largo da Batata, em Pinheiros, e em que eu me acostumava com as ruas da noite, com a chuva e com a sensação de poder ser assaltado a qualquer momento.

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Porém, a música não fica nisso apenas. Ela entra numa vibe de conexão com alguém que nos acompanha (uma mulher), mas com quem não podemos realmente nos conectar, por algum problema que está em nós (para dizer que o mal mora em mim). Lembro-me nesse ponto da Cris, minha ex-mulher, que tanto quis se conectar comigo, sem conseguir. Porque algo havia se rompido em mim - e ao que parece em definitivo.

Eu mesmo não entendia essas conexões, ao menos até há pouco tempo - e creio que por falta de tutano mesmo. A esquizofrenia destruiu algo de meu lobo anterior frontal, isso com certeza. Ou os remédios, não sei bem. Seja como for, eu não entendia - muito menos o refrão de "nossa vida não vale um chevrolet". Hoje eu apenas insisto em socavar o que restou. E percebo a conexão. Mas não a sinto. Ou reluto em fazer isso - para não sofrer muito mais.

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Eu percebo as conexões (eu sangro eu te ligo no meio da noite) aos poucos, enquanto entendo que essa ausência de conexão com o mundo é algo que faz parte de um mundo determinado, que inclusive me faz desconfiar (até o extremo) de explicações filosóficas ou da forma contemporânea (ou mesmo arcaica) de ver o mundo. Preferimos, nós, os contemporâneos mentais dos jazzistas e dos bluesmen, ficar mais atrás, na verdade. Não queremos saber. O mal mora em nós.

A Cris andava comigo, e enquanto isso eu xingava, eu brigava, ligava no meio da noite, e não sabia o que acontecia comigo. Pois este tipo de faixa é como que uma (o mal pula comigo na piscina e não se afoga) reminiscência do inelutável. Não à toa estamos todos meio que fadados, quando entendemos a mensagem, condenados por um destino que somos nós (o mal, quem sabe).

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Várias outras mulheres (algumas fatais) tentaram se aproximar de mim, e por mais que tentássemos não conseguíamos. Inclusive gente da igreja também se aproxima. Mas algo como que me afasta. Como se minha vida não valesse um chevrolet. Como se o perdão estivesse num disco de jazz.

Brinquei um pouco com os versos da música, que é clássica do Saco, para tentar esmiuçar algo do clima dela e de como para entendê-la é preciso cair de cara no universo do blues e do jazz. Hoje como que aceito melhor. Meio que entendo por que minha vida se tornou o que é. E por que o desalento parece inevitável.

O site da banda está aqui:

https://sacoderatos.wordpress.com/

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Dá inclusive para ouvir ou todo ou parte do CD.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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