Himmelkraft - Tony Kakko assume as rédeas da arte em sua forma mais livre
Resenha - Himmelkraft - Himmelkraft
Por André Luiz Paiz
Postado em 03 de agosto de 2025
Algumas obras musicais não se contentam em apenas preencher o espaço sonoro — elas exigem ser vividas, sentidas e refletidas como se fossem pinturas ou peças de teatro. Himmelkraft, o ambicioso projeto de Tony Kakko, é uma dessas experiências raras. Trata-se de um álbum que abandona os limites da música de consumo rápido para mergulhar em uma jornada artística densa, imersiva e emocionalmente potente.
Himmelkraft é uma palavra de significado dúbio no alemão — algo como "força celestial" ou "força do céu". Mas o que realmente importa é o simbolismo que esse nome carrega para Tony: ele flutuava em sua mente há quase duas décadas, aguardando o momento certo para ser canalizado em arte. Agora, essa ideia finalmente toma forma como um projeto musical completo, com narrativa própria, personagens vívidos e um universo distópico surpreendentemente palpável.
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Um novo mundo, uma nova voz (ou várias)
Tony Kakko — consagrado vocalista do Sonata Arctica — há muito mostrava sinais de inquietação criativa. Suas tentativas de variar a sonoridade da banda sempre encontraram resistência dentro do círculo do power metal melódico, estilo que ajudou a tornar icônico. Sob o codinome de Unu O’Four, e acompanhado por Du, Tri e Kvar O’Four, ele finalmente encontra aqui a liberdade para explorar seu lado mais teatral, dramático e introspectivo.
A proposta estética de Himmelkraft envolve também um gesto de anonimato criativo: todos os músicos assumem pseudônimos. Ao invés de buscar protagonismo individual, eles se tornam peças simbólicas de um enigma maior, como habitantes do próprio universo que narram. A formação é composta por:
Tony Kakko (Unu O’Four) – vocais e teclados
Pasi Kauppinen (Du O’Four) – baixo
Timo Kauppinen (Tri O’Four) – guitarras e banjo
Jere Lahti (Kvar O’Four) – bateria e percussões

Um diário em forma de álbum
A história de Himmelkraft acompanha Clara Immerwahr, uma cientista e pacifista real que, nesta ficção, lidera uma comunidade subterrânea tentando escapar de uma nova guerra global. O pano de fundo remete a tempos sombrios, com uma estética que flerta com o expressionismo alemão e uma crítica social afiada. Clara vive o conflito entre salvar vidas abaixo da terra e ver seu marido — um soldado — permanecer na superfície como parte da engrenagem da guerra.
Cada faixa é como um capítulo de um diário não apenas sonoro, mas também literário: a versão brasileira em CD (lançada pela Shinigami Records) acompanha o mini-livro Himmelkraft Stories, que aprofunda a narrativa e oferece trechos de diários de Clara. O resultado é uma fusão entre música e literatura que potencializa a experiência para além do áudio — ela exige leitura, contemplação e escuta ativa.

Faixas que pintam com emoções
O álbum abre com a enigmática "The Pages of History", que evoca uma atmosfera ritualística. Em seguida, "Full Steam Ahead" traz o peso de um metal quase industrial, com guitarras densas e uma tensão permanente no ar. Já "Paika", cantada em finlandês, surge como um interlúdio surreal, de beleza melancólica, como um sonho lúcido. "Uranium" mergulha ainda mais na escuridão temática, com uma melodia que resiste à opressão e reforça a urgência do colapso que se aproxima.

"Fat American Lies" entrega ironia ácida e groove inesperado, quase dançante, enquanto "Dog Bones" brinca com elementos grotescos e sensoriais, desafiando o ouvinte. "Crystal Cave" e "There’s a Date in Every Dream" mergulham em introspecção, com melodias sensíveis e arranjos delicadamente dissonantes, mostrando o domínio de Tony sobre emoções cruas.
As duas baladas de encerramento, "I Was Made to Rain on Your Parade" e "Deeper", ecoam a melancolia de clássicos do Sonata Arctica, mas com uma verdade ainda mais despida. São faixas para se ouvir com o coração aberto, em momentos de reflexão solitária.

Produção com imperfeição humana
Outro destaque de Himmelkraft é sua produção: orgânica, arejada, com texturas reais. O som tem respiração, falha proposital, nuance. Nada é colado com glitter digital. Cada batida de bumbo, cada deslizar de corda, carrega a impressão de um músico presente e vivo. Não há pressa em agradar — e isso, em tempos de playlists descartáveis, é quase revolucionário.
Conclusão: a arte liberta
Himmelkraft é um disco que exige do ouvinte o mesmo que Tony exigiu de si mesmo: entrega total. Não se trata de um trabalho que tenta reviver glórias passadas ou replicar fórmulas de sucesso. Aqui, o que se vê é um artista finalmente com a tela em branco nas mãos, pintando com liberdade, ousadia e emoção. O resultado é um dos melhores trabalhos de sua carreira.

Para quem ainda enxerga a música como arte — e não apenas como entretenimento — este álbum é um presente raro. Himmelkraft não é apenas para ser ouvido: é para ser vivido.
Tracklist:
The Pages of History
Full Steam Ahead
Uranium
Paika
Fat American Lies
Dog Bones
When the Music Stops
There’s a Date in Every Dream
Crystal Cave
I Was Made to Rain on Your Parade
Deeper
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