Ghost: Qual é a alma do negócio?
Resenha - If You Have Ghost - Ghost
Por Mitsuo Florentino, Fonte: Afluentes do Rock
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A Propaganda...
É deliciosamente irônico saber que os headbangers/rockers discutem sobre essa banda de uma maneira semelhante a que os religiosos/irreligiosos discutem sobre qualquer assunto relacionado a fé e religião: com muito extremismo. E por que isso é irônico? Basta lembrar da proposta "satânica" da banda, que mais parece uma piada. Virou algo comum, existem duas grandes parcelas: aqueles que adoram a banda, e aqueles que odeiam ela, muitos amam pela criativa musicalidade da banda: metal tradicional, com toques de doom, psicodelia, pop e de rock alternativo... Assim como existem muitos que odeiam a banda justamente pelo mesmo motivo. O fato é que os que dizem odiar a banda, apresentam muitos outros argumentos além da música, que os mesmos consideram fraca,então normalmente são citadas coisas como a proposta satânica, a grande teatralidade, a rápida ascensão ao mainstream, uma hipotética superestimação da mídia e do público, e uma última coisa: o grande truque de marketing. Pois bem, eu sou alheio a todas essas coisas "negativas" que muitos observam, e inclusive considero algumas positivas. Não citarei exemplos, mas sim um único exemplo, que engloba todos os pontos a serem analisados: o marketing. Perante a banda, todos esses pontos negativos são positivos justamente pelo marketing. A qualidade "duvidosa" da música? Sem problemas, vai ter quem deteste e reclame, assim como vão ter os que gostam e que vão rebater os que não gostam, gerando intermináveis discussões, e aumentando cada vez mais a popularidade deles. A teatralidade e o satanismo aliados a uma música acessível às grandes massas? Melhor ainda, porque se é acessível, abrange muito mais gente, inclusive aqueles que não gostam da proposta lírica deles e vão reclamar, gerando cada vez mais burburinho e polêmica em torno da banda, fazendo-os crescer como um nome. O hype? Não é segredo, uma banda hypada é sempre muito mais exposta na mídia e no povo do que aquelas que não são (Deafheaven mandando abraços). E exposição, tem algo mais satisfatório do que isso para uma banda?
Pois é, o Ghost fez um ciclo vicioso, criou uma máquina de sucesso, um jackpot, se tornou um jogo de azar, onde os outros perdem e ele ganha, um verdadeiro caça níquel (e sucesso). É um jogo de marketing sombrio, maquiavélico, onde tudo agrega algo positivo para o Ghost, porque ao passo que surgem três odiando a banda (e trazendo mais IBOPE para ela), surgem mais cinco achando a banda um máximo (e também dando IBOPE e consumindo seus produtos), então falando como uma boa adolescente bobinha, a mensagem que o Ghost passa é "o seu recalque me faz famosa". E nesse caso, ao contrário do que dizem as garotinhas, é verdade. O Ghost é uma propaganda embalada por uma trilha sonora de extremo bom gosto.
Mas agora, que a breve introdução dessa resenha passou, lembrem-se de duas coisas que eu disse: "É um jogo de marketing sombrio, maquiavélico, onde tudo agrega algo para o Ghost" e "O Ghost é uma propaganda embalada por uma trilha sonora de extremo bom gosto", feito isso, lembrem-se da proposta lírica do Ghost, a mensagem que eles querem passar... A propaganda não é realmente a alma do negócio?
... E sua trilha sonora
Agora que falamos da propaganda, vamos falar da trilha sonora dessa propaganda. Lançado pouco tempo depois do excelente Infestissumam, o EP If You Have Ghosts apresenta covers, que primeiramente parecem inusitados, mas apenas primeiramente, porque mostram todas as influências não metal que a banda absorveu.
A primeira faixa, que também da nome ao EP, é um cover de Roky Erickson, músico que atingiu certa popularidade nos anos 60 por participar dos psicodélicos The 13th Floor Elevators, e que ficou conhecido por usar e abusar de temas obscuros em suas letras. Alguma dúvida do quão bem escolhida foi a música?
Embora ela não compartilhe muito da psicodelia do 13th Floor, a música original tem uma pegada próxima do glam setentista, e é quase desnecessário dizer que ela é excelente. O Ghost fez aqui uma versão diferente da original, mais moderna e com um apelo pop muito maior. Destaque para os arranjos de corda durante a música e as bem feitas camadas de órgão presentes em vários momentos, que dão certa lisergia ao som, cristalino, devido a produção moderna e bem feita de Dave Grohl. Em seguida, temos o cover de I'm a Marionette do ABBA. Admito, sou fã de carteirinha do ABBA, e considero eles uma das melhores bandas dos anos 70. Suas melodias cativantes, os trabalhos vocais sempre além do esperado, os arranjos bem encaixados e inteligentes, e se engana quem pensa que todas as letras são bobinhas como em Dancing Queen. E I'm a Marionette está aqui para provar isso (assim como provam as letras quase power metal de Eagle, ou até mesmo a inacreditavelmente sombria letra de Gimme Gimme Gimme! (A Man After Midnight), só para citar outros exemplos). Embora a escolha tenha sido muito bem feita (uma música pop com letra macabra), o Ghost pecou na execução dessa música, deixando muito aquém da original, sem a inspiração tétrica da original, sem os arranjos belíssimos e principalmente: sem o feeling que ela passa. Lamento senhores encapuzados das trevas, mas essa música foi feita sob medida para Agnetha Fältskog e Anni-Frid Lyngstad. E ninguém mais.
A próxima faixa, Crucified do Army of Lovers segue o mesmo padrão de escolha de I'm a Marionette, uma canção sombria de uma banda pop. Mas aqui eles acertaram perfeitamente, criando uma atmosfera sombria e ameaçadora nos versos, que contrasta com o refrão falsamente ensolarado, transformando a canção original, que apesar da presença do órgão de igreja e das letras é bem animada, numa música realmente digna da proposta (não que eu não goste da original, na realidade também gosto muito de Army of Lovers). Agora os arranjos tétricos são existentes, e se fazem presentes na maior parte dela, os vocais são muito bem feitos (nem tanto quanto na original, mas isso seria quase impossível) e é cativante. Deleite músical.
O último cover, é uma versão de Waiting for the Night do Depeche Mode, ficou bom, é vero, mas não me cativou profundamente. A música, originalmente hipnótica, ganhou uma roupagem nova, doom e mais sombria, além de toques bem feitos no órgão hammond, e ela pode acabar sendo facilmente confundida com uma música própria dos Suecos. Acabou não sendo um destaque no total, mas foi bem posicionada, porque sendo um tanto quanto lenta e arrastada, se tornou um bom preparativo para a versão ao vivo de Secular Haze, que todos nós conhecemos, e que é praticamente igual a aquela contida no Infestissumam.
De fato, esse EP não é nenhuma obra prima, os dois álbuns de estúdio foram muito superiores, mas não deixa de ser um bom registro. Alternando momentos bons e excelentes com alguns meio fraquinhos, o EP fica sendo uma boa pedida para os fãs do Ghost e para os fãs das bandas que foram homenageadas (aliás, que belo repertório escolhido), mas não indicaria para alguém que queira começar a escutar a banda.
Ficha técnica:
Álbum: If You Have Ghosts (EP)
Banda: Ghost
Ano: 2013
Gravadora: Republic, Loma Vista Recordings
Tracklist:
01. "If You Have Ghost" (Roky Erickson cover)
02. "I'm a Marionette" (ABBA cover)
03. "Crucified" (Army of Lovers cover)
04. "Waiting for the Night" (Depeche Mode cover)
05. "Secular Haze (live)" (Recorded live at the Music Hall of Williamsburg)
Lineup:
Papa Emeritus II: vocals
Nameless Ghouls: all instrumental
Convidados:
Dave Grohl: rhythm guitar on "If You Have Ghost", drums on "I'm a Marionette" and "Waiting for the Night", production
Derek Silverman: organ on "If You Have Ghost" and "Waiting for the Night", piano on "Crucified"
Jessy Greene: violin and cello on "If You Have Ghost"