Purson: Dialogando com o passado sem esquecer que estamos em 2013
Resenha - Circle and the Blue Door - Purson
Por Mitsuo Florentino
Fonte: Afluentes do Rock
Postado em 28 de dezembro de 2013
Nota: 10
A resenha da volta do meu blog foi escolhida a dedo. Fiquei pensando por um bom tempo em qual disco deste ano eu deveria escolher para resenhar. Foram várias ideias. Pensei em fazer um paralelo/trocadilho com a nossa situação resenhando o Comeback Machine dos Strokes, mas achei que seria uma escolha um tanto quanto deslocada da proposta do blog (não colegas, eu não tenho nada contra o indie, muito pelo contrário, porém acho que este ainda não é o momento apropriado para falar desse gênero aqui, mas 2014 está chegando!). Então algumas outras escolhas me passaram pela cabeça, algumas escolhas que representem a mesma coisa que estamos passando: volta. 13 do Black Sabbath? Nah, muito manjado e óbvio. Surgical Steel do Carcass? Muito extremo para mim atualmente (e olha que já fui fã de Hellhammer, mas os tempos mudaram). mbv do My Bloody Valentine? Não também, muito alternativo para nossa linha editorial. The Next Day do David Bowie? Seria uma puta duma escolha, pois é um excelente álbum, de um excelente artista que há muito estava calado, porém o hype falou mais alto do que a própria música, e resolvi deixar de lado. Então outra ideia surgiu na minha mente: o revival. Não irei nem citar os intermináveis álbuns com temática retrô ou revival que surgiram no nicho classic/hard/stoner, e pularei direto para a cena mais pop (no bom sentido da palavra), tivemos o RAM do Daft Punk. Pô cara, puta disco, que dialoga com o passado de uma maneira fantástica (algo mais do que irônico para a dupla de robôs), mas não se esquece de que é um disco de 2013, e mistura todo esse som empoeirado e analógico com a tecnologia eletrônica atual. Mas daí você se lembra da linha editorial, e acaba abandonando essa excelente ideia. Fazer o que? Então outras ideias me surgiram, o pop barroco lo-fi da Unknow Mortal Orchestra, o delicioso pop oitentista apresentado no disco Days Are Gone, estréia do trio feminino Haim, a mistura extremamente bem feita do rock barroco alternativo com o pop dos anos 80 do Arcade Fire em seu Reflektor, mas nada parecia se encaixar perfeitamente com o que eu queria. Eis que me lembro do disco que irei resenhar, o delicioso debut dos ingleses do Purson, The Circle and the Blue Door.
A capa, que nos remete ao occult rock do fim dos anos 60
Admito: a escolha desse álbum não foi nem um pouco óbvia, mas eu achei uma escolha justa. Além de ter sido, na minha opinião, o melhor disco do ano, é porque esse álbum faz quase a mesma coisa que o Daft Punk fez: dialogou serenamente, porém de maneira profunda e existencial, com o passado mas não se esqueceu de que estamos em 2013. O disco, recheado de psicodelia, toques barrocos, uma levada um tanto quanto pop, com uma aura que remete ao início da música pesada, com leves pinceladas de doom, porém que conta com uma produção moderna e cristalina, com arranjos totalmente contemporâneos e de extremo bom gosto. Talvez a diferença simbólica nessa comparação contextual com o RAM mais gritante seja a circunstância. Sim, lembra que esse disco é o debut do Purson? Pois então. Embora o blog esteja voltando, nós estamos praticamente renascendo. Um ano parado, onde pudemos absorver novas influências, aumentar a abrangência do nosso leque musical, acompanhar novos lançamentos e se deleitar com os clássicos de outrora. E isso faz uma enorme diferença, nos faz crescer, nos faz debutar novamente nessa aventura que é o jornalismo musical, mesmo lembrando do nosso passado, daquilo que em outro momento já fizemos. E olha só? Estamos de volta. E para falar de música. Que tal?
Como já disse, esse é o debut do Purson, mas isso não impediu que eles recebessem reconhecimento e honrarias por aí. A conceituadíssima Metal Hammer classificou o álbum como 15º melhor álbum de metal do ano. Ok, só faltou esse álbum ser um álbum de metal, mas tudo bem, apesar de tudo é uma grande consideração, vendo sua posição, na frente de gente como Killswitch Engage, o hypadissímo Deafheaven, Five Finger Death Punch, Darkthrone, Dream Teather e Hell.
Já falei vagamente sobre a proposta musical desse álbum, mas acho que nenhuma descrição é melhor do que as feitas pela própria banda: Baroque 'n' Roll, facemelter, big psych e fuzzwowow popsong. Exatamente, rock delicadamente pincelado com toques barrocos, cheio de psicodelia, com uma atmosfera densa e onírica, mas recheado de melodias acessíveis, de fazerem cair o queixo. E isso você já percebe na primeira faixa, uma espécie de introdução, a acústica Wake Up Sleepy Head, música que é o cartão de visitas de Rosalie Cunnington, a bela e talentosa vocalista/guitarrista base/compositora do Purson. Em seus dois minutos, a canção hipnotiza com sua beleza agoniante, até ser suprimida por uma linha de baixo crescente, que anuncia a chegada da segunda faixa do trabalho, The Contract, uma faixa pesada, que as vezes fica um tanto quanto doom, bem psicodélica, com algo meio cigano em sua sonoridade, que é magistralmente guiada pelo baixo e pelo órgão wurlitzer. Essa sonoridade que se aproxima em alguns momentos da música ciagana se repete na faixa seguinte, Spiderwood Farm, uma das músicas mais legais do trabalho, por seu excelente trabalho percutivo, e principalmente pelas quebradas de tempo, alternando de maneira coesa e natural entre partes baseadas num riff de guitarra delicioso, partes com uma composição ciagana animada, e por breves interlúdios acústicos e calmos, que desembocam novamente na parte levada pelo riff, parte que é carregada com doses cavalares de peso e de fuzz.
Depois dessas três músicas que fazem o papel de iniciar o álbum, nós temos a delicada valsa Sailor's Wife Lament. Um deleite musical, com arranjos barrocos e ali, que nos transporta mentalmente até uma distante época vitoriana, mas com um contraponto, uma época vitoriana mergulhada em ácido e misticismo dos anos 60. Depois desse momento suave, nós somos agraciados com a excelente Learning on a Bear, que assim como Marvericks and Mystics, a sétima faixa do trabalho, escutamos um hard rock setentista de primeiro, com muitas semelhanças a aquilo que o Uriah Heep fez em seus álbuns clássicos, com excelentes riffs de guitarra, arranjos extremamente bem colocados de órgão e muita energia, porém com certo apelo pop.
No meio desses dois hard rocks, nós temos uma outra música lenta, novamente acústica e mística, como a primeira faixa do trabalho, porém menos intimista e com mais sofisticação, arranjos mais elaborados, e algo de oriental, sendo possível escutar cítaras através da faixa. É uma excelente faixa, de muito bom gosto, porém mal colocada, ela se encaixaria muito melhor caso trocasse de ordem com Marvericks and Mystics, mas não é nada que comprometa o trabalho, não mesmo. Em seguida temos Well Spoiled Machine, uma música recheada de psicodelia, que lembra The Contract ou Spiderwood Farm em alguns momentos. Seja pela volta dos leves toques ciganos, seja por ela ser construída em cima de um riff de guitarra seco, hipnótico e pesado, seja pelos arranjos fantásticos de teclado ou pelas explosões que ocorrem em determinados momentos da música, mas não, ela não é mero auto-plágio, ela tem suas particularidades, como as quebradas de ritmo em alguns momentos, ou os vocais, que adicionam uma nova dimensão para a música, muito bem feitos.
Mas o melhor fica para o final, com a trinca Sapphire Ward, Rocking Horse e Tragic Catastrophe. A primeira bebe influências do fim dos anos 60 e início dos anos 70. A lisergia e o ácido estão presentes nesse poderoso riff de guitarra, os arranjos de teclado trazem à tona uma reminiscência dos Doors e seu saudoso Ray Manzarek, e a bateria insana me faz lembrar dos monstros Bill Ward e John Bonham. Isso tudo já seria o suficiente pra fazer uma música de primeira linha, mas há nela algo especial, aquilo que desde sempre Jimmy Page e Tony Iommi falaram: o jogo de luz e sombras. E essa música segue esse ensinamentos com maestria, indescritível, apenas escutando para saber. A segunda, Rocking Horse é uma música belíssima, mesmo com a atmosfera criada: densa, sonhadora, onírica é profunda, que combina perfeitamente com os saborosos riffs. A música também é acompanhada de uma letra cheia de metáforas sobre o cotidiano triste e amoroso, como vemos claramente no delicado verso "in our secret garden we play/I the spider, you the fly".
A última música é uma favorito pessoal meu. Nostálgica, melancólica, muito bem arranjada e que cresce até chegar em um épico, que é ironicamente e deliciosamente pop, mostrando o quanto Cunnington é fã de Beatles. A música, que já é uma obra prima no estúdio, fica muito melhor quando tocada ao vivo, recebendo nova roupagem com arranjos diferentes, além da inclusão de solos de piano e guitarra. Fica soberbo, algo que transcende e hipnotiza. E sejamos justos, a letra falar por si: "In a dusty attic, he found a magazine/Full of gods and heroes, of deities and queens/He took it as his bible, with religion in his eyes/He saw his life before him, he saw his name in lights/And what will become of him?/This day and age has no time for a dinosaur taking the stage". Exatamente colegas, o Purson, viu o seu nome na luz, e sabe que não há mais tempo para dinossauros tomarem o palco... Eles estão vindo para ficar, pela enorme qualidade do trabalho apresentado, estão vindo para conquistar o devido reconhecimento (coisa que aos poucos estão conseguindo), e se firmarem como uma das melhores bandas do gênero. Talvez um pouco de preciosismo? Sim, mas no meio de todo esse preciosismo há uma inquietante verdade.
E se você ver, leitor, é nessa mesma situação que nós do Afluentes do Rock estamos. Então se preparem, pois 2014 vem aí!
Acima a fantástica performance ao vivo de Tragic Catastrophe
Ficha técnica:
Álbum: The Circle and the Blue Door
Artista: Purson
Ano: 2013
Gravadora: Rise Above Records/Metal Blade
Tracklist:
01. Wake Up Sleepy Head
02. The Contract
03. Spiderwood Farm
04. Sailor’s Wife’s Lament
05. Leaning on a Bear
06. Tempest and the Tide
07. Mavericks and Mystics
08. Well Spoiled Machine
09. Sapphire Ward
10. Rocking Horse
11. Tragic Catastrophe
Lineup:
Rosalie Cunningham: Vocals, Lead Guitar
George Hudson: Guitars
Samuel Shove: Organ, Mellotron, Wurlitzer
Barnaby Maddick: Bass, BVs
Jack Hobbs: Drums
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps