Quando McCartney percebeu que uma letra "boba" de Lennon era mais profunda do que parecia
Por Bruce William
Postado em 06 de junho de 2025
Os primeiros passos de John Lennon e Paul McCartney na música não foram dados nos grandes palcos, mas no chão de quartos apertados em Liverpool. Antes mesmo dos Beatles existirem, os dois já dividiam tardes ouvindo Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Fats Domino em vinis arranhados, entre um café e outro servido pela tia Mimi. E foi nesse ambiente improvisado que surgiram as primeiras composições da dupla, muitas delas sem grandes pretensões — inclusive uma que só muito tempo depois revelaria uma camada escondida.
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Lançada em 1964, "I Call Your Name" sempre soou como uma daquelas músicas "bobas" sobre amor perdido no meio do repertório da Beatlemania. Com uma batida marcada e presença de cowbell, parece apenas mais uma canção sobre alguém sentindo falta de uma garota. Era o que se imaginava na época — inclusive por Paul, que ajudou na construção musical, mas reconhece que a ideia era de John. "Naquele tempo, a gente só escrevia. Não parava pra pensar demais", disse ele anos depois.
Mas bastou o tempo passar para que McCartney começasse a olhar para aquela letra com outros olhos, relata a Far Out. "Quando leio agora, penso: 'Espera aí... O que ele queria dizer com isso?' 'Eu chamo seu nome, mas você não está lá.'" Foi então que a ficha caiu. A música talvez não fosse sobre amor romântico — e sim sobre a ausência mais profunda que John carregava desde a infância.

Lennon teve uma história marcada por abandonos. Ainda criança, foi separado da mãe por interferência da família e criado pela tia Mimi. Mesmo mantendo contato com Julia, o relacionamento era frágil e intermitente — até que, aos 17 anos, ele a perdeu de forma trágica, atropelada por um policial embriagado. Foi uma perda brutal que Lennon carregaria por toda a vida, transformando essa ausência em temas recorrentes nas décadas seguintes, como nas músicas Julia e Mother.
O que Paul percebeu muito depois é que a ferida já estava lá bem antes, mesmo quando ainda eram dois garotos escrevendo sem pensar muito. O lamento de "I Call Your Name" talvez já fosse um grito abafado, codificado em forma de balada pop. Mas naquela época, como o próprio McCartney admite, ninguém parava pra fazer esse tipo de leitura. "A gente era só dois garotos compondo. Só mais tarde é que começamos a analisar."

É curioso que Paul também tenha perdido a mãe ainda novo, vítima de câncer, o que talvez tenha estabelecido entre eles um elo silencioso. Mesmo sem conversar sobre isso, os dois sabiam o que significava crescer com um vazio. E foi com esse tipo de dor não dita que cimentaram uma das parcerias mais importantes da história da música.
O que ficou de "I Call Your Name" não foi apenas a melodia ou o arranjo animado. Foi a descoberta tardia de que, por trás da letra simples, havia uma solidão antiga. Uma canção esquecida de um catálogo enorme, mas que agora, aos olhos de Paul, guarda uma confissão que só o tempo foi capaz de revelar.

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