Impressões iniciais de "Temporal", novo single do Katatonia
Resenha - Temporal - Katatonia
Por Marcelo R.
Postado em 03 de junho de 2025
A brusca e inesperada mudança de temperatura, acompanhada pelo escuro-acinzentado clima frio que envolveu o dia de hoje, funcionou como gatilho de inspiração ao rabisco de algumas palavras sobre Temporal. Afinal, não há simbiose tão simétrica à música do Katatonia quanto essa atmosfera...
Eis, então, minhas primeiras impressões.

Sucedendo-se ao lançamento da faixa Lilac, os suecos do Katatonia divulgaram, recentemente, mais um aperitivo ao seu vindouro e já iminente lançamento, intitulado Nightmares as Extensions of the Waking State. Dessa vez, Temporal viu a luz do dia.
Aqui, vivenciei experiência relativamente comum aos devotos de música. Inicialmente, a faixa infiltrou-se e derramou-se discreta, quase despercebida, aos meus tímpanos, sem chamar a atenção. Amadureceu, porém, a cada nova audição, evoluindo paulatinamente a patamares crescentes de apreciação e apreço. Ao final, após sucessivas e espaçadas degustações, assimilei-a e, desde então, já lhe dedico espaço cativo de afeição.
Às primeiras visitas à canção, Temporal melodiou-me como mera reiteração de lugares-comuns e de fórmulas. Em análise apressada, até então não maturada, soou-me simples, enxuta e com repetição preaquecida de padrões: arranjos obscuros (fincados, especialmente, na baixa afinação das guitarras), elementos atmosféricos voltados a verve introspectiva, produção contemporânea, explosão sonora no refrão e regência de letras moldadas e moduladas à imersiva melancolia. Palavras-chave que parecem definir, globalmente, o estilo composicional atual do conjunto. Locuções que, inclusive, já empreguei, quase indistintamente, em resenhas e comentários que redigi em análise a outros materiais do Katatonia.

As impressões imediatas às primeiras audições não se sustentaram, porém, às sucessivas revisitações. Maturação exige insistência, paciência e, especialmente, natural ação do tempo.
Ainda que os elementos, as influências e os recursos musicais destacados nos parágrafos anteriores se sustentem e aqui se revalidem (afinal, esse é, propriamente, o direcionamento musical do Katatonia!), Temporal distancia-se completamente da ideia do insosso, do genérico ou do pedantismo repetitivo.
Temporal inicia-se em ambiência sombria e enigmática. Após, porém, o relampear de breve introdução, a canção desdobra-se num arranjo intenso e pesado de guitarra, base um tanto atípica ao estilo mais contemporâneo do conjunto. Afinal, não é novidade que, atualmente, a primazia estilística do Katatonia hospeda-se e molda-se, prioritariamente, em elementos obscuros e interiormente contemplativos em detrimento da agressividade das linhas composicionais.

Então, Temporal salpica um breve, mas inspiradíssimo solo de guitarra, que lhe confere contornos românticos, com um quê até mesmo pop, num raro momento mais vivaz. Após, a faixa sofre imediata caída de tempo. E essa transição, um tanto abrupta, funciona como recepção a Jonas Renkse, que, discreto, impõe-se capitaneando os versos de Temporal com seus sombrios e tão distintos vocais aveludados.
A partir de então, Temporal se alterna em movimentos pendulares e cíclicos, num deleitoso vaivém de cadências, numa espécie de espiral de sensações.
Há, assim, momentos de maior contemplação interior, sob a regência de um ritmo lento e de uma atmosfera descolorida e gélida. Esses arranjos são guiados pelo inconfundível e inconsolável timbre de voz de Jonas Renkse, pareado pelos trabalhos de guitarras em baixa afinação.

Contrapondo-se, porém, há momentos de explosões e excitações sonoras, sobretudo nos refrãos. Esses lampejos vibrantes, movidos pelo peso e pela intensa elevação dos volumes dos instrumentos, funcionam, em certa medida, como nostálgica revisitação às fases primordiais e intermédias da carreira do Katatonia.
O solo hospedado ao epicentro de Temporal desenvolve-se numa verve de profundo sentimentalismo, aguçando no ouvinte, em mais um momento de indescritível inspiração, sensações que resgatam a marca identitária do conjunto: a beleza melancólica.
No mundo abstrato da arte e de suas infinitas possibilidades, essa amálgama de sentimentos não se repele. Paradoxalmente, coexiste harmonicamente. E o Katatonia domina, com maestria, a capacidade conduzir, aos tímpanos e à pele, tantos e tamanhos sentimentos, envolvendo o ouvinte com confortável regozijo, mesmo quando, pelos caminhos de sua arte, transmite sensações glaciais e sombrias de melancolia e de íntima introspecção.

Pelo canal do ouvido, por onde se infiltram as notas, os sentimentos reverberam na pele. Pulverizam-se, ainda, aos recônditos íntimos onde a sensibilidade habita e dormita no espírito e no coração do ouvinte, aguçando-a. Essa é, creio, a melhor descrição que consigo encontrar para definir, em combinação de palavras, a experiência sonora proporcionada pela música do Katatonia. E, definitivamente, Temporal não escapa à ambiência dessa síntese metafórica.
A produção de Temporal segue, a exemplo de Lilac, linha mais contemporânea, soando cristalinamente limpa, tendência notada em trabalhos recentes do conjunto.
Por fim, o conceito de letras preserva, no geral, o "padrão Katatonia", embora, diferentemente de Lilac – baseada no tema mítico do rio Lete –, Temporal não pareça invocar qualquer alusão específica.

Ao menos em primeira análise, Temporal autocentra temas sentimentais mais amplos e abstratos, a eles se circunscrevendo, porém.
É dizer: dotados de veia profundamente poética, metafórica e lírica, os versos de Temporal bordam, às pinceladas, inconsolável atmosfera frio-acinzentada. Tocam o imo de questões como ressentimento, perda de afetos, rupturas inconciliáveis, mágoas indesculpáveis, dulçores estilhaçados e, no geral, amargura impreenchível, conceito esse que parece sintetizar, em breve locução, o retrato central da canção, no aspecto temático.
Eis, em resumo, as impressões de Temporal, em suas veias musicais, líricas e de gravação/produção.
A faixa recém-lançada parece preservar o direcionamento contemporâneo do Katatonia, mas, aqui, com doses maiores de peso em comparação com Lilac.

Como já afirmei na resenha elaborada em análise a Lilac, resta, agora, aguardar, com incontida inquietude, o lançamento de Nightmares as Extensions of the Waking State, na esperança de que o material triunfe com qualidade equivalente aos instigantes aperitivos já presenteados.
Por fim, deixo abaixo, além da letra, os links para o lyric video de Temporal (no Youtube) e para o respectivo single (no Spotify).
Boa audição.
Resenha originalmente publicada na página Rock Show.
Lyric Video (Youtube):

Letra:
Moving splinters through the mind
Hope smashed to smithereens
Baby, I'm astray within the colours of your night
Went away to come back again
Better off
But I feel unwell
I cower underneath the clouds
Can't break the spell now
Have to follow through
I see you moving without a sound
Take my heart all the way
I can't wait to lose you
And seven miles down
I hit the ground
Earthbound, temporal, unfound
Gone
To carnal pastures
Heart pushed to discharge
And I'm still unwell
I cower underneath the clouds
Can't break the spell now
Have to follow through
I see you moving without a sound
Atual formação:
Jonas Renkse – vocal, letras e composição
Niklas Sandin – baixo
Daniel Moilanen – bateria
Nico Elgstrand – guitarra
Sebastian Svalland – guitarra

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