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Relicários de São Tolosa: Passeio onírico pelos subúrbios da alma

Por Marco Aurélio de Souza
Postado em 10 de novembro de 2016

Conheci a Relicários de São Tolosa muito antes da Relicários de São Tolosa ser isso que ela é. A afirmação, ainda que gere estranhamento, parece-me perfeitamente possível nos meandros da memória – esse abismo que mistura causa e efeito num mesmo nó, embaralhando o antes e o depois numa vertigem de sabor indecifrável. Tenho para mim, se não estou enganado, que cruzamos muitas vezes pelos pubs de interior, recendendo o cheiro forte e nauseante de cerveja choca, ouvindo releituras ébrias de rocks sessentistas à sombra de algum lustre sujo, certamente imaginário. Lá naqueles lugares onde deixamos os melhores poemas, depois de aceitar o convite de algum teatro mágico ou escadinha misteriosa que se mostra como uma fresta à meia luz. Pois deliramos juntos, ora essa, ao som de Pink Floyd, feito esse fosse o ritual de iniciação à Vida de verdade, essa que a gente tateia no escuro procurando sempre conhecer ou reconhecer, o mais das vezes de modo vão ou ilusório.

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Este é o ponto: há uma guerra interna entre as aparências e os espíritos, entre as formas e os conteúdos, de modo que, às vezes, discretamente, os copos se quebram e o líquido não vaza – permanece inteiriço, íntegro, pronto para se beber. Lançado em 2016, o disco de estreia da Relicários de São Tolosa, com título homônimo, se coloca no âmbito desta discussão desde a capa. Não é preciso ser datado para ser roqueiro. O movimento é a essência do estilo. Daí que a distância dos clichês psicodélicos, aqueles oriundos do terremoto de 1967 e seus abalos sísmicos mais ou menos duradouros, esteja posta ali, logo de cara, em alguma camada semântica da arte do disco. Disco, aliás, que não é força de expressão. Unindo o novo com a tradição, a banda lança seu álbum em duplo formato: digital e analógico, generosamente disponível para audições das mais diversas qualidades [embora, cá entre nós, todos aqui saibamos qual é o plano quando se abre um bom vinho e, fugindo da mesmice dos dias, concedemos a nós mesmos a permissão para uma epifania].

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Chegamos, então, ao indispensável. As referências estão todas lá. Unindo psicodelia e rock progressivo, o tracklist é um caleidoscópio das mais deliciosas influências para qualquer amante do gênero. Como não se lembrar de Ray Manzarek ao ouvir Venha, a lindíssima balada que encerra o lado A, e seu refrão que por todos os lados ecoa o melhor The Doors? E que dizer do magnífico lado B, por sua vez, que declaradamente se revela um mergulho pelos corredores da consciência? De cabo a rabo, o disco está lambuzado de inspirações floydianas. Isto não quer dizer, porém, que não ocorram os desvios - aqueles momentos em que, justamente, o novo encontra lugar, a repetição se coloca como criação e as tradições gargalham com prazer ou, quando mesquinhas, revelam-se ressentidas. É o que ouvimos, por exemplo, na mais indefinível das faixas, Inaplicável Ideal, que soa moderna sem perder seu pezinho na herança que os roqueiros carregamos com muito prazer. Talvez pareça pouco aos mais ingênuos. Somente a esses. É sobretudo assim, refazendo o que já foi feito à exaustão, que as coisas em arte podem um dia acontecer. Está tudo lá, no Pacto de abertura: penhorando o espírito, reavemos nossa força. A poesia, como se vê, pode ser bastante prosaica também.

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E por falar em poesia, as letras do disco são um dos pontos fortes, fortíssimos eu diria, do trabalho da Relicários. Renderiam uma resenha à parte, até. A alternância dos vocais, bem como o trabalho de backing vocal, é outro dos recursos utilizados de modo muito competente pela banda. Os timbres dos diferentes vocalistas se revezam e harmonizam com o clima geral das músicas, ora mais enérgicas, ora mais oníricas, fugindo de um erro muito comum nos discos de rock que se aventuram por essa mesma trilha de complexidade: o cansaço das primeiras [às vezes nem tão primeiras assim] audições, estafo por vezes determinante para que o som seja – justa ou injustamente – descartado. Em outras palavras, há na banda uma qualidade que não é nada desprezível: profundidade aliada à acessibilidade. Perambular os subúrbios da alma, para ficar num dos pontos altos da poesia do disco, não deve ser um trabalho penoso. Há todo um esforço de educação musical, é certo, mas que não deve ser confundido com pedantismo. O disco flui, mas a complexidade está lá. E os relicários sabem e se orgulham disso. Não à toa, terminam o disco com um Desmaio Final, evocando a cumplicidade dos raros – chegamos até aqui...

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Comecei esta incursão pelo debut da Relicários afirmando minha familiaridade com os caras. Gostaria de, ao final, relembrar a importância da estranheza. É que ler uma resenha jamais será uma experiência equivalente à audição atenta de um trabalho como esse, tão cheio de nuances. É preciso ouvir. Mais do que isso, é preciso estar aberto à catarse, ser um convite vivo ao delírio do som. Os relicários, acima de tudo, prestam ao ouvinte sensível um serviço de canalização das boas energias. Não é papo de bicho grilo, não. Muito menos esoterismo de salão. O lance é mais embaixo, vai além. Chega lá com a rapaziada ouvir o som que emerge de uma garagem riomafrense e você comprova, imerso na atmosfera lynchiana de ser tudo e não ser nada ao mesmo tempo, perdido no mundo, que o medo é tão real quanto os sonhos, mas que essa galera prefere sonhar. E por ser também um desses que escolhem o sonho em detrimento ao medo, foi que travamos os primeiros contatos, muito antes desse disco vir a ser.

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Foi lá pelos idos de 2006, se bem me lembro, que o mistério da Relicários se instalou em mim. Mas como é que a gente se atravessou se a banda ainda nem existia? Pois é isso, exatamente assim. Nem sempre a lógica nos convence. Ainda menos quando, ironicamente, desejamos com ânsia exagerada o compreender. Daí a importância de firmar este pacto e leva-lo até as últimas consequências, no desmaio final. É que verte daqui, deste disco tão rico em economia simbólica, com a força de uma correnteza imperiosa, uma sabedoria que transcende: a de que, à revelia daquilo que nos dizem os manuais científicos e os tecnicismos da sobrevivência, tudo que ilumina é o segredo.

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