Lester Bangs: "jornalismo rock'n'roll"
Por Claudinei José de Oliveira
Fonte: rollandorocha.blogspot
Postado em 09 de julho de 2015
Até meados dos anos 1960, o rock era tratado pela mídia impressa como frivolidade, em textos com profundidade intelectual de uma revista "Capricho". Segundo André Forastieri, o "jornalismo rock'n'roll" foi criado por Paul Williams em 1966, quando ele fundou a revista "Crawdaddy!".
A partir daí, o rock, gradativamente, passou a ser encarado como manifestação artística digna de consideração. Para tanto, contribuíram a proximidade do estilo musical com o posicionamento pró Direitos Civis e anti-bélico da juventude norte-americana durante a Guerra do Vietnã, as experimentações dos músicos de rock com música erudita e de vanguarda e referências literárias nas obras de artistas como Bob Dylan e Jim Morrison, por exemplo.
Um dos primeiros focos do jornalismo rock'n'roll foi a revista "Rolling Stone", fundada em São Francisco no final da década de 1960. E foi através de suas páginas que o mundo veio a conhecer o ícone-mor da escrita rock'n'roll: o jornalista Lester Bangs (1948-1982).
Uma das características de Lester, enaltecida por colegas de profissão, é o fato dele ter escrito como se trocasse confidências com um amigo. Outra, esta apontada por ele próprio, foi a vocação de querer que as pessoas gostassem da mesma coisa que ele, herdada de suas experiências como Testemunha de Jeová. Tudo isso, somado a argumentos expostos com rara precisão e esperteza e muita, muita paixão torna a leitura de Bangs desafiadoramente viciante.
Lester Bangs, a exemplo dos mais fascinantes músicos de rock, desenvolveu em sua escrita uma verve iconoclasta, contestadora e ácida. Quatro anos depois de ter se iniciado na imprensa musical na "Rolling Stone", foi demitido da mesma por "desrespeitar os músicos". Seu primeiro texto publicado foi uma resenha desdenhando, sem piedade, o incensado álbum "Kick Out The Jams", da banda MC5. Escreveu que o, hoje, clássico "Exile On Main Street", dos Rolling Stones era "o pior disco de todos os tempos" e descreveu Bob Marley como "mais um 'hippie' circulando de BMW pelo Terceiro Mundo". E, ainda, não tinha medo de, no mês seguinte, contradizer radicalmente suas próprias opiniões.
Lester Bangs trouxe para o jornalismo musical o estilo gonzo, onde o jornalista acaba, também, como personagem da sua escrita. Assim, seus textos podem ser acusados de tudo, menos daquela frieza científica e arrogância "além do Bem e do Mal" tão afeitas à crítica musical.
No Brasil, fragmentos da obra "Psychotic Reactions And Carburetor Dung", antologia de artigos de Lester, são encontrados em "Reações Psicóticas", um dos volumes da Coleção Iê Iê Iê, publicado pela editora Conrad no ano de 2005. Ali pode ser conferida a sua lendária entrevista com Lou Reed e sublimes textos sobre as mortes de Elvis e Lennon.
No fim de sua vida, Lester afirmava não ser mais um músico frustrado, acusação comum sofrida pelos críticos de rock, pois fazia parte da banda Lester Bangs And The Deliquents. Porém, para quem gosta não apenas de ouvir mas, também, de ler um bom rock, Bangs sempre fez música. Como os melhores roqueiros, viveu e produziu intensamente em sua curta existência.
A imprensa musical está intimamente vinculada à industria da música e, como tal, em vias de extinção. Mas se, no caso, nós brasileiros, ainda podemos apreciar um quarto de dúzia de gatos pingados que desafiam, em seus textos, o lugar comum da indulgência pura e simples em relação a "ídolos midiáticos", como por exemplo André Forastieri, Regis Tadeu e Miguel Sokol estes, por sua vez, são, em seus melhores momentos, xérox desbotados perto do original: o bom e velho Lester.
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