Gallery Festival: uma noite de metal underground em Fortaleza
Resenha - I Gallery Festival (Night Bar, Fortaleza, 13/04/2013)
Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 27 de abril de 2013
Há exatos 273 anos, diz a história oficial que aconteceu a fundação da cidade de Fortaleza, num 13 de abril. No entanto, sabemos que a história não começou aí. Dos povos que aqui existiam, como ocorreu em todo o continente americano, muito pouco restou. Nesta noite, no entanto, mesmo que, não intencionalmente e sem nenhum apoio de qualquer autoridade municipal, o que aconteceria no Night Bar, o point recém-descoberto pelo underground cearense, aconteceria uma celebração a esses povos que foram os primeiros donos dessa terra.
Crédito das Fotos: Gandhi Guimarães (Arquivo Underground)
TEMPUS EDAX RERUM
As 10:30, as luzes da casa se apagam e a soturna introdução da primeira musica, "Sinfonias de Morte", da TEMPUS EDAX RERUM começa. A banda tem uma demo lançada e está produzindo o seu debut e seu som é responsável por este que vos escreve tomar gosto pelo estilo, um doom metal com temática pagã, pesado mas cheio de melodia, que homenageia os ancestrais ameríndios e é repleto de técnica e influências de rock progressivo. Na segunda faixa, "Entidade Antiga", o baterista tem seu principal momento de destaque, mas, nem por isso, o resto do conjunto da banda perde a oportunidade de se destacar também. Além de instrumentos de percussão tocados com parcimônia pelo vocalista principal, Eduardo Tempus Edax Rerum (cujos vocais guturais se contrapõem aos rasgados do tecladista Marcos Diniz), a banda ainda inclui um segundo microfone para Eduardo, adicionando efeitos em alguns momentos que remetem aos grandes ícones do progressivo praticado nos anos 70. Quebradas de andamento na terceira, "Ritos e Fogo" (que seria a segunda, de acordo com o set list original), tornam a influência do progressivo ainda mais aparente.
A banda perdeu dois integrantes desde a última vez que os vi, mas seu som permanece imaculado. O novo guitarrista, com larga experiencia em outras bandas, não se intimidou com o complexo som da TEMPUS EDAX RERUM, que anuncia na faixa epônima que a América nunca deixará de ser pagã. Na próxima, "Ritos, Sacrifícios e Glória", que dá nome a primeira demo, é talvez a mais pesada da banda, apesar de também ter uma mudança drástica (e boa) de andamento. Além disso, tivemos a oportunidade de conhecer mais uma faixa nova, "Insígnia da Criação", que deve estar presente no vindouro CD.
EVIL CHURCH
Dos tempos pré-colombianos, fizemos uma viagem no tempo e o destino é o apocalipse, com o black metal da EVIL CHURCH. Devidamente maquiados com o corpse paint característico do estilo, a banda trouxe ao palco do Night Bar muita técnica e fúria, incorporada principalmente pela bateria furiosa que, atacada com desespero e urgência pelo baterista e respondia como uma metralhadora sedenta de sangue.
O show foi dedicado ao Rogério "Panelada" falecido recentemente. Este seria, nos 11 anos de banda, o primeiro show em Fortaleza que não o teria na plateia. A banda baseou seu set list em sua segunda demo, "Brains Rotten For Lies", de 2007 e no debut, "Subjugating The Faith Crawlers", lançado em 2010. O grande momento do show foi " To The Lord Of Chaos (Domination)", faixa do full-length. Além de Smashing (b/v) e Vad M Tenebris (g), completava a banda Baal Moloch (d), em seu primeiro show com a banda. Este tocava com fúria tão intensa que após o show ouvi comentários de membros de outras bandas como: "onde foi que vocês arrumaram esse animal?"
MIASTHENIA
Voltamos novamente no tempo para a apresentação da headliner da noite, também devidamente maquiada com corpse paint. Com a mesma temática da TEMPUS EDAX RERUM, mas com um som mais focado no black metal, o MIASTHENIA é uma banda de Brasília composta por Suzane Hécate (teclados e voz), Thormianak (guitarras) e V. Digger (bateria), que também toca no HARLLEQUIN. Começando o show, Thormianak agradeceu aos presentes, ao Emydio Filho (proprietário da Gallery Productions, responsável pelo festival), e exortou o underground, representado por eventos como o Gallery Festival e por pessoas como as que estavam na plateia.
Enquanto os vocais (demoníacos) são defendidos por Suzane Hecate, Thormianak também é uma figura de bastante expressão no palco, com sua compleição e gestos a la Gene Simmons e sua camisa estampando um G.G. Allin black metaller (G.G. Allin não tocava black metal, mas sempre terá seu posto de uma das figuras mais controversas da história do rock - se você não o conhece, google it). Completando a banda, V. Digger, que excursionará pela Europa por 44 dias com o HARLLEQUIN, se mostrou outro mestre, ou melhor, monstro na arte de afagar um kit de bateria, chegando a tocar em pé em vários trechos.
Elencar um dos grandes momentos do show não é tarefa simples, mas, talvez o primeiro deles tenha sido "Tawantinsuyo", com seu belíssimo solo, seguida pela marcante "Necromânticos Ritos de Guerra".
Antes de "Idolatrias", uma pausa para um necessário fôlego no calor da cidade "aniversariante" e mais uma oportunidade para novos "hails" a quem veio de longe para assistir ao show e ao underground. E Thormianak apresenta o novo baterista, V. Digger, antes de Hécate declamar o início da letra de XVI, faixa título de seu primeiro álbum. Sem deixar de tocar, Thormianak se ajoelha aos pés de Hécate e, depois da execução da faixa, tomando posse do microfone dela, fala, com voz embargada, sobre sua emoção de tocar aquela música e tocar para nós que estávamos ali presentes. Pela emoção em sua voz, cheguei a pensar que poderia haver mais algo em seu rosto, alem do suor que desmanchava o corpse paint. V. Digger também merece menção especial, pela técnica, pela brutalidade e presença de palco (o baterista chega a tocar em pé em algumas faixas).
No finalzinho do show, a banda também apresentou uma música chamada "A Saga Ao Xibalba", que estará em seu próximo álbum. Impossível não lembrar da banda grega ROTTING CHRIST, que esteve na cidade ha menos de um mês. O "inferno" maia também é tema de uma das melhores músicas do mais recente lançamento dos gregos.
CERBERUS BESTIAL
A noite foi encerrada pela horda piauiense CERBERUS BESTIAL, cujo som mistura, na medida preferida pelos apreciadores do estilo, a brutalidade de sua cozinha, a melodia de suas cordas e a bestialidade de seus vocais.
O evento também foi uma oportunidade de adquirir o DVD do MIASTHENIA "O Ritual da Rebelião", e outros materiais da banda. O DVD é uma compilação de várias apresentações da banda, algumas com qualidade razoável de imagem e som, outras nem tanto, mas que cumprem o seu propósito de registrar a trajetória da banda. Uma pena que, por motivos óbvios, esta que também foi uma grande apresentação, tenha ficado de fora.
No dia seguinte, ainda se apresentariam as bandas cearenses MONGE, EVIL LAND, SIEGE OF HATE, GSTRUDS e a banda de Manaus BRUTAL EXUBERÂNCIA. Os shows mais esperados por mim naquele domingo seriam o das bandas SIEGE OF HATE e GSTRUDS por ser o lançamento de seus petardos (que receberão resenha aqui em breve).
O ponto negativo foi o público, não o presente, mas aqueles que preferiram perder um show desses. A casa estava longe de estar lotada e a produção, mesmo prevendo o prejuízo que inegavelmente tomaria, preferiu, por respeito aos presentes e às bandas que lá estavam, seguir com o festival. Uma decisão pra lá de louvável, principalmente nesses tempos em que está completando o primeiro aniversário o maior calote já dado aos fãs de música extrema neste país. Sim, você sabe a que me refiro. Ainda existem produtores que apoiam o underground, atuam no lançamento de materiais e na realização de eventos e tem respeito pelo público e pelos músicos.
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