Metallica: Quem viu pela TV viu um show completamente diferente
Resenha - Metallica (Autódromo de Interlagos, Lollapalooza, São Paulo, 25/03/2017)
Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 04 de abril de 2017
Faltam dez minutos.
O público canta "olê olê olê olá / Metallicá / Metallicá".
Faltam três.
E basta um vulto no palco ainda não iluminado, provavelmente um roadie, mas talvez mesmo um dos quatro, para o público gritar.
Suspense.
De um lado o Kamikase, do outro um DJ fantasiado no Palco Perry. É difícil acreditar que exista alguém em algum desses locais. Sabemos que existe, mas ainda assim, é bem difícil acreditar Deixar de ver o METALLICA de perto para ficar de cabeça pra baixo num brinquedo de parque de diversões... deixar de ver o METALLICA pra ver DJs que num palco o único instrumento que tocam são potenciômetros...
Já passou um minuto das nove horas.
O olê olê reinicia, agora com ainda mais palmas. E nada do "extase do ouro".
Bem que podiam passar o show de outros palcos nos telões durante a espera. É claro que os fãs de RANCID e METALLICA, pelo menos a maioria, nem liga pra THE XX ou pro cara fantasiado que está tocando agora no Perry, nem pra TOVE LO. Mas, pelo menos, falar mal dos etéreos ingleses ou do cara fantasiado com nome de doce ajudaria a passar o tempo, ajudaria a sobreviver a essa longa, longa, longa espera. E eu bem que queria mesmo ver o XX. Gosto do que eles fazem. Eu divago. É a espera.
Vamos, METALLICA. Já chega de lavar roupa [nota: uma lavadora de roupas exclusiva foi uma das exigências da banda]. Eu continuo divagando. Já passaram quatro minutos das nove horas.
Finalmente...
... "Long Way To The Top", do AC/DC toca nas enormes caixas de som.
E que a próxima seja trilha sonora de filme de bang-bang, de preferência um bom spagetti western. O coração está um tiroteio.
Então, é isso mesmo. "Il buono, il brutto, il cattivo", de Sergio Leone, está na tela. E o "ô ô ô - ô" de Enio Moricone nunca foi tão emocionante quanto quando é escutado por milhares de vozes enquanto o cowboy percorre o cemitério nos telões.
A intro... as fotos do álbum "Hardwired..."... E James Hetfield, Lars Ulrich, James Alan Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Stuart Lee Hammett e Roberto Agustin Miguel Santiago Samuel Trujillo Veracruz (eita!) estão no palco. Acabou a calma. A frente do palco virou um lugar perigoso.
O show começa com a dobradinha que inicia o disco novo, "Hardwired", já cantada a plenos pulmões, e "Atlas, Rise!", mais cantada ainda. E nos telões, imagens muitas vezes diferentes, oriundas de diferentes câmeras, nos deixam a obrigação de parabenizar a direção de arte.
"São Paulo, vocês são lindos. Eu não me importo de onde vocês vieram, quem vieram ver. Agora vocês fazem parte da Metallica Family", diz James em sua primeira (das muitas) falas ao público. E o chão passou a se mover ao som inconfundível do primeiro riff (dos muitos) do primeiro clássico (dos muitos) da noite: "From Whom The Bell Tolls". Agora a banda divide o telão com imagens de guerra, urubus... "olhe pro céu / é a última vez que o fará"... um calafrio percorre a espinha enquanto nos pegamos mesmo olhando para o firmamento.
Em "The Memory Remains" o "A A A AAAA" de Marianne Faithful foi cantado por dezenas de milhares de vozes, acompanhadas ao fim apenas (apenas!) por Lars nos pratos e James batendo no próprio coração. O resto da banda sai e fica Kirk para se divertir num solo com base no wah wah e remetendo à " The Judas Kiss". E se não fosse isso, o "Death Magnetic" [o álbum], que ensinou o METALLICA o caminho de volta ao Thrash quase ficaria de fora.
"The Unforgiven", a próxima, pode já ter sido muito tocada em São Paulo. Que tenha vindo 7, 8 vezes, que seja a "Let It Be" do METALLICA. Não seria jamais justo ficar de fora.
"Oi, irmãos e irmãs? Vocês estão vivos? Mas se vocês querem viver pra sempre, primeiro devem morrer". É a deixa para "Now That We're Dead". Sim, ele deve dizer essas mesmas coisas, um tanto sem sentido até, todas as noites. É um circo. Todo mundo sabe como vai ser uma noite no circo. E todo mundo sabe o que vai acontecer num show do METALLICA. Basta ver o DVD. Mas essa resenha quer mostrar mais, pretende mais te colocar lá dentro (ou te levar de volta). São os olhos brilhantes do menino vendo o palhaço ladrão de mulher pela primeira vez em sua primeira ida ao circo... É o temor de que algum trapezista erre e se esborrache no picadeiro... Ou aquele domador que mete a cabeça dentro da boca do leão encontre lá a prematura sepultura.
Voltando a conversar com seu público cativo, Hetfield perguntou se tínhamos o álbum novo, se gostamos. Avisou que também tocariam coisas antigas e ponderou: "uma vez que somos velhos, a maior parte do que temos também é velho". "Mas ainda é um sonho tocar pra uma multidão assim. Nós amamos". E iniciou "Moth Into The Flame" (e, ao contrário do Grammy, o microfone funcionou).
"Harverster of Sorrow", do "... And Justice For All" também dá as caras. Os segundos em que Hetfield pára e mira a multidão, para então explodir com agressividade parecem meia-hora.
Em seguida, temos só ele na guitarra. O som do Perry atrapalha um pouco a magia de um momento assim. Quando todos estão tocando não há problema, mas James estava só, cantando a primeira estrofe de "Halo on Fire" porque queria criar algo.
Não. Não conseguiu.
Ouvíamos os tuts tuts. Mas quando todos voltam não há mais problema. É tudo esquecido, principalmente quando James e Kirk duelam, quase como Murray e Smith. Eu exagero. No álbum, a canção nem é das melhores, mas ao vivo, ganha mais vida.
E o cara das trancinhas, Trujillo, vem fazer seu solo. O americano de origem mexicana, ex-SUICIDAL TENDENCIES, faz todo tipo de perversidade com o pobre baixo. Usa percussivamente. Maltrata. Os "ú ú" que vem do Perry fazem parecer que são eles que estão escutando agora. Assim como fez Kirk, Rob inclui ecos de "The End of the Line" para representar o "Death Magnetic", mas foi quem reconheceu a homenagem a Cliff Burton, com "Anesthesia (Pulling Teeth)" que mais se emocionou.
James, perguntou se tinha fãs old school, do "Kill 'Em All". Adivinha qual canção eles vão tocar agora?
A que dá nome ao site em que você está lendo esta matéria.
Ela mesma.
"Whiplash"
As rodas voltaram para receber a rápida e singela canção.
- Vocês se sentem bem? Espero ser parte disso. Porque nós nos sentimos bem.
Hetfield também perguntou quem já tinha visto o METALLICA e quem era a primeira vez. "Tá meio 50/50", ele conclui. "Então, já que já nos conhecemos, bem vindos à família. Vocês sabem que gostamos que nossa música seja pesada. Vocês gostam de música pesada?" Ele pergunta como quem dá ordem. Ele pergunta como quem comanda. Ele pergunta como se a única resposta possível fosse um sim. E foi exatamente o que ele ouviu. E "Sad But True" fez a festa. A saber, de acordo com os últimos shows, 50/50 também era a chance de "Creeping Death" nesse momento.
[an error occurred while processing this directive]Lasers e sons de canhões e metralhadoras preparam o ambiente para "One". Se Kirk erra de vez em quando, se abusa do wah wah, se Lars não é tão veloz como quando não precisava de um gorro pra esquentar a careca, isso nada importa. Deus me ajude, "One" é uma das canções mais lindas do METALLICA. Não bastasse o impacto natural da canção, o vídeo no telão também é impactante, com soldados andando, vagando, depois se revelando figuras fantasmagóricas. A suite é seguida de "Master of Puppets", a melhor música do melhor álbum de Heavy Metal. Volta o "ôôô" do público. E mais uma vez temos um cemitério no telão e o master manipulando Kirk, Lars e James (as imagens gravadas casam com as imagens captadas ao vivo de forma que há a impressão de que os fios do manipulador estejam mesmo ligados aos músicos). Depois é hora de mais um solo de Kirk, com trechos de "Leper Messiah", também do "Master of Puppets", que depois de muito maltratar a White Zombie (a guitarra) ainda a passou na câmera e até pisou nela.
Como se não bastasse "One" e "Master of Puppets" uma atrás da outra, "Fade To Black" vem para reforçar a trinca de aço. Se o show tivesse apenas essas três ainda seria o melhor show do LOLLAPALOOZA. Ainda valeria a viagem, a dor nos pés...
- Vocês sentem o que eu sinto? Eu amo quando vocês sabem a letra e cantam. Eu me sinto bem. Eu gosto de ver que quando eu digo "Seek"... James ia dizendo "Eu sei o que vocês vão responder", era o que ele tinha ensaiado, mas o público já responde: "and Destroy". "Era exatamente isso. Já nos conhecemos bem", ele tem que concluir.
[an error occurred while processing this directive]Eram 11h. Era a hora marcada para o fim do show. E eles se despedem. Agradecem.
Ninguém sai.
Todo mundo sabe que tem que ter "Nothing Else Matters" e "Enter Sandman".
Mas ainda vem "Battery".
E a roda?
Bem, a roda continua violenta como há duas horas atrás. A balada "Nothing Else Matters" e "Enter Sandman" põe fim ao espetáculo. E com os fogos, o METALLICA espanta o bicho-papão. Não dava pra acreditar. O show tinha acabado. Não dava pra acreditar. O show tinha acontecido. Tínhamos visto, alguns pela primeira vez, uma das bandas mais influentes do Heavy Metal, aquela a quem ninguém consegue ficar indiferente.
Com a chuva de palhetas (Kirk presenteou o público com praticamente um balde delas), aqueles que estavam mais perto do palco. E dez mil garis (este repórter, claro, inclusive, óbvio, lógico) passaram a esmiuçar cada centímetro da grama do autódromo em busca dos valiosos souvenirs.
Era o fim de um sonho, mas um sonho realizado. Optamos falar apenas sobre o METALLICA neste texto. Confira mais sobre o festival em nossas outras matérias (e, em breve, a resenha dos shows do segundo dia).
Update: os primeiros comentários que lemos na Internet no dia seguinte falavam de um show completamente diferente. Diziam que a plateia estava bem morna, que ninguém cantava junto as músicas. Acho até possível que muitos ali estivessem dominados pelo cansaço (esperaram o dia inteiro em pé, sem comer, sem beber, sem ir ao banheiro), outros realmente não eram fãs do METALLICA, talvez fãs do XX ou de outras bandas tendo o seu primeiro contato com um show de metal, mas, no ponto onde estávamos, a certeza que tivemos, lendo os comentários, foi que o show que assistimos foi completamente diferente daquele que tantos amigos assistiram pela TV. E essa diferença entre ver um show ao vivo, com o artista lá na frente, suando, errando, arrasando, dizendo frases ensaiadas que soam como se tivessem sido improvisadas... é isso que nos faz ir aos shows.
Agradecimentos:
Time 4 Fun, especialmente Costábile Salzano Jr. e Gustavo Martines Mayer, pela atenção e credenciamento.
Marcelo Rossi e Camila Cara pelas imagens que ilustram esta matéria.
Comente: O que faz você ir ao show ao invés de assistir pela TV em casa?
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