Angra: A história do Angra daria um belo estudo de caso
Resenha - Angra (Via Funchal, São Paulo, 30/10/2004)
Por Bruno Sanchez
Postado em 30 de outubro de 2004
Para os amantes de uma boa estratégia, empresários e estudantes de plantão, a história do Angra daria um belo estudo de caso. Vejamos: a banda começou em 1992, lançou dois trabalhos fantásticos (Angels Cry e Holy Land) e estourou no mundo como um dos grandes nomes do Heavy Metal Melódico dos anos 90. Além disso, combinava com perfeição o melhor do Metal com sons tipicamente brasileiros (Carolina IV e Never Undestand por exemplo).
O problema é que ao mesmo tempo em que o Angra amadurecia e consolidava o sucesso, as brigas internas e diferenças começaram a ganhar muito espaço e o rumo dos paulistanos parecia caminhar contra um beco sem saída com o lançamento do morno Fireworks em 1998.
No final do ano seguinte, após a turnê do álbum, veio a grande bomba: Andre Matos, Luís Mariutti e Ricardo Confessori estavam fora do Angra.
O verdadeiro motivo da saída dos três permanece um mistério, mas o que nos interessa é que a banda soube dar a volta por cima com novos integrantes escolhidos a dedo e em 2001 a banda "renasceu" com o ótimo Rebirth. Um álbum que trazia exatamente as características que os fãs mais sentiram falta em Fireworks: agressividade, técnica e a combinação com sons brasileiros.
Em 2004, com a nova formação afiada, o Angra lança o Temple of Shadows que, se não é um CD revolucionário, pelo menos explora uma maior versatilidade em mostrar novos temas e um lado mais progressivo e vem recebendo ótimas críticas pelo mundo. Se este é o melhor trabalho da banda, não vem ao caso agora (particularmente fico com o Angels Cry), o que importa para os fãs é que a banda soube dar a volta por cima em uma situação difícil e voltou ao topo de onde nunca deveria ter saído.
Se o Angra é um exemplo de marketing, o Thalion, banda encarregada de abrir o show, vem na contramão da tendência e basta uma pequena pesquisa nas resenhas dos seus últimos shows (não só no Whiplash!) para verificar que tanta divulgação com anúncios de página inteira nas principais revistas de Rock do país talvez pudessem esperar mais um pouco.
Não que a banda seja ruim, longe disso e o próprio CD, Another Sun, mostra que os integrantes têm sim um talento a ser lapidado com o tempo. Mas esta é a palavra chave para a banda: tempo. Não é enfiando a banda goela abaixo dos headbangers que o Thalion irá ganhar seu público.
Para esta primeira apresentação aos paulistanos do novo álbum, o Angra marcou o show na melhor casa de São Paulo, o Via Funchal, com um espaço amplo, boas instalações, um bom palco e um ótimo campo de visão para quem está na pista.
O Via Funchal recebeu um ótimo público na quente noite de Sábado, no meio de um feriado. A fila para entrar na casa estava absurda e dava uma volta no quarteirão. Infelizmente, a demora para se entrar na casa fez com que muitas pessoas perdessem o show do Thalion, mesmo que este estivesse marcado para começar às 21 hs (pelo menos era o que estava escrito no ingresso). Este foi o meu caso também, pois só consegui entrar às 21:15 hs e o show da banda de abertura já tinha acabado. Das duas uma: ou o show do Thalion começou bem antes do marcado no ingresso ou a banda fez um set de menos de 15 minutos.
Não posso comentar esta apresentação pois não estava presente, de qualquer forma, conversei com algumas pessoas que já estavam na casa e peguei o provável setlist: Atmospheres (intro), Follow the Way, Another Sun, Nemo (cover do Nightwish que sempre divide opiniões), The Journey, Wait for Tomorrow e Long Farewell.
Uma pausa para a troca de equipamentos e às 22:10 as luzes se apagaram. A longa introdução Gate XIII / Deus Le Volt começou a sair dos PAs e o Angra entrou com a rápida Spread Your Fire, do novo trabalho Temple of Shadows. O som estava embolado no começo, mas durante a própria música o problema foi corrigido. A parte sonora, no entanto, permaneceu um pouco instável durante todo o show. Os primeiros efeitos pirotécnicos mostraram que o Angra não economizou na produção e nos detalhes com, também, um belo sol em néon em torno do pano de fundo.
Sem perder tempo, já emendaram mais uma música do novo CD, Waiting Silence, faixa mais progressiva (lembra bastante Dream Theater) com um belíssimo trabalho da nova "cozinha" da banda, fato que se repetiu durante toda a apresentação. Eu ainda me impressiono com a técnica do baterista Aquiles ao vivo. O apelido de "polvo" não é a toa. Por falar no apelido, Aquiles encarnou a brincadeira e agora tem um mascote: um polvo demoníaco de borracha que fica na frente do bumbo.
Edu Falaschi dá as boas vindas para São Paulo e o primeiro clássico da noite veio logo a seguir: Acid Rain, uma das músicas mais legais do Rebirth levantou o Via Funchal e o Angra mostrou que sabe fazer um setlist bem variado passando por todas as fases, sem saturar o público apenas com as músicas do novo trabalho como algumas bandas insistem. A prova é a próxima composição, Nothing to Say, o hino do CD Holy Land. A evolução de Edu nos vocais ficou evidente na execução desta música e, neste momento, ninguém sentiu saudades do antigo vocalista Andre Matos (hoje no Shaman).
As luzes se apagam e alguns instrumentos de percussão são trazidos ao palco. Kiko, Felipe e Rafael começam uma batucada tipicamente brasileira que logo se transforma em mais um clássico das antigas: Carolina IV, também do Holy Land para a alegria dos antigos fãs. A música ficou muito legal com a nova formação e o trabalho de backing vocals estava perfeito, sem playbacks.
Mais uma faixa nova, Angels and Demons, mostrou que a banda não se esqueceu de suas raízes para o Temple of Shadows. Ela lembra bastante os primeiros dois trabalhos do Angra e funciona muito bem ao vivo (novamente um show de Aquiles), em especial, após a "trilogia clássica" apresentada antes.
O primeiro momento acústico do show viria a seguir com um medley entre a nova Wishing Well (mostrando toda a técnica de Kiko e Rafael nos violões) e Millennium Sun do álbum Rebirth. Um momento mais calmo após toda a adrenalina inicial.
A próxima música seria uma grata surpresa e um velho sonho: Never Understand, uma das melhores composições do Angra (na minha opinião: a melhor), do primeiro álbum, Angels Cry. Quem já ouviu a versão original sabe o quão difícil ela é de ser tocada ao vivo, em especial nos vocais, com notas muito altas. A voz de Edu falhou um pouco e não funcionou tão bem como em Nothing to Say, mas valeu o esforço e a satisfação de se ouvir ao vivo um clássico que não era tocado há tanto tempo. A parte instrumental foi perfeita, com destaque para o solo do baixista Felipe Andreoli.
Heroes of Sand, outra do Rebirth, apareceu a seguir e foi o momento morno do show. Eles poderiam substituir essa faixa pela maravilhosa Running Alone, que infelizmente não deu as caras desta vez.
Edu avisa que quer o maior momento karaokê da história e iniciam a clássica Rebirth, um dos marcos simbólicos da nova formação. Os paulistanos corresponderam às expectativas no primeiro momento da música e levam a letra sem a ajuda de Edu, que só entrava nas partes mais rápidas. Um momento histórico que lembrou The Bard´s Song (In the Forest), o clássico do Blind Guardian quando tocado ao vivo.
Para a alegria dos fãs de Anime, Edu deu uma palhinha do tema de Cavaleiros do Zodíaco, que ele gravou para a nova exibição do desenho no Brasil, antes de anunciar a próxima música: The Shadow Hunter, a faixa nova que conta a história do cavaleiro das Cruzadas que começa a se questionar sobre seus valores religiosos. Uma bela música e, arrisco dizer, se tornará presença garantida nos sets futuros da banda.
Mais um clássico das antigas, Angels Cry, composição brilhante do primeiro trabalho, cantada em uníssono por todos os presentes em um dos momentos mais legais e animados do show.
Para fechar a apresentação, Edu avisa ironicamente que irão tocar a música mais lenta da carreira da banda e começam Temple of Hate, uma das faixas mais pesadas do Angra de todos os tempos. Na versão original em CD, tivemos a participação da lenda Kai Hansen (ex-Helloween, atual Gamma Ray), mas ao vivo, Edu dominou os vocais com muita técnica.
Para o bis, os clássicos das duas fases da banda: Primeiro veio Carry On, (com direito a introdução Unfinished Allegro) com todos pulando, cantando e as rodinhas se abrindo. Carry On não é somente um clássico do Angra, mas também um dos grandes marcos do Metal nacional e fica fantástica ao vivo, tanto com a nova formação do Angra quanto com o Shaman e os velhos integrantes.
E, finalizando, outra introdução: In Excelsis, com Nova Era, o grande símbolo desta volta por cima, com excelente participação do público mais uma vez. Para fechar o Angra ainda tocou a introdução de Raining Blood (o clássico do Slayer), mas foi só o comecinho instrumental mesmo para deixar os fãs com água na boca e encerrar o show com chave de ouro.
Nota 10 para o Angra pela competência e carisma em um show que superou as expectativas de muitos dos presentes e mostrou uma tremenda evolução da nova formação. Edu está mais solto no palco, brinca o tempo inteiro e conquistou a simpatia de todos. Kiko e Rafael formam a dupla de guitarristas brasileiros mais entrosada da história, com muita técnica e solos perfeitos. A nova cozinha, como já comentei nos parágrafos anteriores, não poderia estar mais afiada: Felipe dispensa comentários, não pára de bater cabeça um minuto e é dono de um punch raro entre os baixistas. Aquiles é um dos melhores bateristas brasileiros de todos os tempos, senão o melhor, tanto em matéria de precisão, quanto em velocidade e o cara ainda é dono de uma simpatia sem igual.
[an error occurred while processing this directive]Para complementar a noite perfeita, os caras ainda montaram um setlist eclético, que conseguiu agradar tanto os fãs das antigas quanto aqueles que estão com um primeiro contato com a banda, sem aquela péssima idéia de só tocar as músicas novas e esquecer os clássicos mais antigos. Outro fator interessante (e inédito em um show do Angra pelo que eu lembre), foi a total ausência dos solos individuais. Finalmente uma banda teve a idéia de eliminar esse tipo de solo em troca de incluir mais músicas. Parabéns por essa iniciativa também e quem saiu ganhando, com certeza, foram os fãs que puderam curtir um show completo valendo cada centavo do ingresso.
Sem sombra de dúvida, o melhor show do Angra dos 4 que já assisti (2 com a nova formação e 2 com a antiga) e podem ter certeza que os paulistanos já estão na expectativa para o retorno da banda no final da turnê atual.
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