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Reflexão: os reality shows de música e sua repercussão real

Por Maximiliano Francisco Brandalise Pezzini
Fonte: Blog Rockrevista
Postado em 02 de agosto de 2014

Em plena época da febre da música tão descartável quanto um absorvente usado, compartilho com vocês a opinião de dois ícones da música sobre concursos como "American Idol" e "The Voice".

"Eu não quero que meu filho ache que a única forma de ser um músico é ficar na fila para teste em um grande concurso e acabar com um ricaço qualquer dizendo-lhe que ele canta bem ou não. Para mim, a música não é assim." (DAVE GROHL, baterista do NIRVANA e vocalista do FOO FIGHTERS)

"Eu odeio ser negativo, mas programas assim são um insulto à música e aos músicos. Toda vez que eu vejo jovens cantores arrebentando suas entranhas para tentar conquistar a atenção de alguém, que está grosseiramente sentado de costas para o cantor, eu me sinto enojado. O programa rebaixa o ato de cantar a um nível de um obstáculo estúpido. Isso não é definitivamente o sentido da música. Quando alguém canta ou toca, de verdade, não precisa ficar se esgoelando para tentar persuadir alguém a notá-lo. Basta ter alguma mensagem, emoções sublimes, algo belo que possa ser compartilhado pelo músico com um público, que dá a atenção àquilo que ele acredita merecer. A apresentação é tudo que um músico pode oferecer... Sua voz, seu som, sua linguagem corporal, sua expressão facial, um contato visual íntimo... Assim, é totalmente estúpida a ideia de que alguém possa julgar um cantor virado de costas para ele e perder todo esse contato. Para mim, isso não faz o menor sentido e é totalmente venenoso para o crescimento de jovens músicos."(BRIAN MAY, guitarrista do QUEEN)

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Após ler isso fiquei pensando e entendi ser interessante gerar uma reflexão saudável, na cabeça das pessoas que gostam de música.

Me perguntei, então: e se talentos como Freddie Mercury, Elvis, Roy Orbison, Dio, Bono Vox e outros menos cotados tivessem ouvido de um "jurado-Deus" que não eram bons o suficiente? Ou tivessem fracassado na votação popular?

Também pensei, rindo, em um concurso para ver se Monet pintava bem ou não, ou para constatar se Luis Fernando Veríssimo poderia ter ou não sucesso? Parei de rir quando me dei conta que o tempo, a obra e a obstinação faz dos gênios o que eles são, e que eles poderiam, em qualquer que fosse a área artística, sucumbir ao entendimento da massa votante ou à crítica nem sempre embasada dos jurados.

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A mim, tais programas musicais passam quase incólumes, em especial por ter outras fontes de descobertas do que posso querer ouvir. Todavia, admito que mesmo esses concursos podem ser uma boa gênese. Não sou tão rígido assim. Recentemente, por exemplo, fui apresentado a uma banda chamada SURICATO, da qual gostei e de quem vou buscar mais referências.

O que não encontra norte na minha cabeça é: o que esses reality shows realmente avaliam? Deixei de acreditar que é apenas o talento, apesar do contexto tentar evidenciar isso. Afinal, o termo "the voice" faria supor a melhor voz, não é mesmo? E sabemos que nem sempre as vozes mais impressionantes são escolhidas pelos jurados e ganham esses concursos.

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Obviamente existem competições dessa natureza onde a vontade popular predomina sobre o júri. E a voz do povo é a voz de Deus, dizem... Será mesmo? Quantas pessoas tem realmente a capacidade para avaliar um músico? Talvez 90% dos votantes saibam tanto de música quanto eu sei sobre física quântica. Dentro dessa ausência de "know-how", certamente avaliarão se deixando influenciar pela aparência do artista, por seu gosto pessoal ou por qual música cover o concorrente estava cantando ou tocando. Isenção e imparcialidade na escolha? No way...

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Assim, por mais que eu ainda quisesse acreditar que a qualificação seria a razão da láurea, percebo que o vencedor nem sempre é o melhor, mas o mais simpático ao público, aos jurados ou aos interesses de quem quer que esteja suportando esses embates.

Se vocês já assistem, reflitam... Se não, chequem alguns vídeos no youtube, ao menos trechos das performances dos vencedores dos concursos. E questionem-se: o quanto esses "ídolos" tem mesmo talento ou outras coisas influenciam para rótulos e títulos? Obviamente existe muita gente talentosa, e alguns deles se sobressaem. Mas, em contrapartida, em quantos desses concursos realmente levou a medalha de ouro quem mereceu?

Analisando um desses programas, chamou minha atenção o fato da jurada sempre julgar todos os candidatos como "incríveis", independentemente da performance. Em uma das audições os caras da banda erraram a letra e desafinaram completamente. Mesmo assim, ouviram dela que eram "maravilhosos". O que ela verdadeiramente estava avaliando?

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Talvez tenha sido uma forma de incentivo, pena, ou mesmo um "lavo minhas mãos", já que o público julgaria depois. Não sei... Tenho certeza apenas que sem o espaço da mídia ou desamparados da bênção da avaliadora, aquela banda específica não teria "talento" pra conseguir cobrar R$ 1.000,00 de cachê pra tocar por aí. Fico matutando sobre qual interesse há em tentar me convencer que ao invés de mais ensaios aqueles caras mereciam estar tocando no som do meu carro.

Cada vez mais creio que não precisamos de jurados políticos, outros interesses ou avaliações populares para nos empurrarem goela abaixo o que devemos ou não ouvir e quem é talentoso ou não. A conclusão deve ser nossa.

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Um jurado deveria ter conhecimento e uma avaliação afiada para dizer se, tecnicamente, esse ou aquele candidato é bom ou não. E ponto final. O público poderia eleger, empiricamente, o mais popular dos artistas, o mais carismático, o mais performático... E novamente ponto final. Agora, querer tentar me convencer que "A" ou "B" são superstars, ídolos ou qualquer coisa do gênero por que o público votou ou porque o jurado tal falou que sim, me parece uma demasia...

O problema não é a influência desses estereótipos sobre quem realmente gosta de música como arte ou tem, por conhecimento ou experimentação, comparativos de qualidade. Esse público é seletivo e efetivamente analisa a qualidade, o carisma, a virtuose, a capacidade emocional ou técnica do músico. A banda que ficou em primeiro ou a que ficou em último estarão dentro de sua seara de avaliação e passarão sob seu crivo de qualidade.

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O cerne da situação reside sobre a grande massa. Porque a maior parte da população, infelizmente, não está muito preocupada com a qualidade. Ouvem o que está tocando ou mesmo aquilo que lhe dizem ser bom. Não tenho nada contra isso, pelo contrário. Tem gente que realmente ouve música para se divertir, independentemente de qualquer coisa. O ponto é que, não havendo preocupação do público com a excelência musical, qualquer coisa que venha bem maquiada, agradável aos ouvidos e com uma boa presença na mídia, parece vestir perfeitamente... E infelizmente, convenhamos, existe uma grande fatia de consumidores adquirindo o que é oco, obtendo música artificial ou usando músicos de um uso só, descartáveis como copos plásticos.

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Hoje a música é apresentada ao grande público como mídia de entretenimento, um passatempo rentável, mesmo que a qualidade esteja em último plano. Se isso ficasse apenas no campo "diversão", ok, mas a petulância de alguns em atribuir louros de habilidade a quem não os tem e profundidade a quem é raso como uma colher, beira o afronte.

Pior ainda é haver recursos para mascarar as imperfeições e melhorar o que é medíocre. Programas de computador conseguem emparelhar qualquer picareta a um grande músico. Segundo o site UOL, os instrumentos das músicas apresentadas para o público votar em um recente reality de música teriam sido previamente gravados, ficando somente a parte vocal ao vivo. Lembremos também da distância oceânica no espaço dos meios de comunicação em prol dos músicos que substituíram o cérebro pela bunda ou a alma pelo bolso.

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Resumindo, se um computador ou o playback não salvam quem é ruim, a mídia trata de fazê-lo. Complicado ser músico qualificado ou idealista hoje em dia... Se correr o bicho pega; se ficar o bicho come.

Música é mais do que isso: é arte, é feeling, é alma, é vocação e/ou dedicação... A arte e a música podem até se tornar produtos de mercado, mas não podem nascer sendo. O manejo interesseiro em cima disso sempre existiu, mas se tornou pesado demais. Parece-me evidente que os meios de comunicação conseguem, ainda mais do que em outras épocas, moldar o gosto popular ou trilhar as opções de tendências para ali adiante...

Uma pesquisa recente, da empresa Crowley, revelou que no ano de 2013, nas rádios brasileiras, o gênero sertanejo foi executado cerca de 125 vezes mais do que a MPB, 80 vezes mais do que o axé, 20 vezes mais do que o rock, 05 vezes mais do que o samba/pagode e 04 vezes mais do que o pop. Ainda no meio radiofônico, a pesquisa apontou que entre os 10 artistas mais tocados nos últimos 14 anos, 06 são sertanejos... Nada contra, mas será que os brasileiros gostam tanto assim de música sertaneja?

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Interessante é que nas plataformas digitais (rádios web), onde o público tem outro perfil, mais seleto e preocupado com a qualidade musical, gêneros mais trabalhados musicalmente, como o pop, o rock, o metal, a MPB, o blues e a soul music predominam... Será mesmo que a mídia com maior penetração (rádios FM de massa e canais de TV aberta) realmente não exploram esse filão conforme seus próprios interesses?

Apesar de tudo isso, há boas novas...

Felizmente salvam-se algumas gotas em meio ao oceano inteiro de lixo empacotado e industrializado: artistas que ganham a vida sem deturpar a arte. Antigos e novos... Percussionistas, roqueiros, sambistas, instrumentistas clássicos, gaitistas, guitarristas de flamenco, blueseiros, jazzistas, músicos eruditos... Até mesmo músicos dos gêneros mais modistas... Seja de que estilo for, há gente muito boa no underground/lado escuro da mídia, mas ao alcance de todos em redes sociais e outras plataformas. O gosto de cada um vai segmentar seu público, mas ao menos podemos crer que realmente existe vida atrás dos detritos.

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No lado tecnológico, já foi lançado nos EUA um player de alta qualidade, que exigirá gravação em determinado grau de definição. Também borbulha um movimento mundial buscando baixar a compressão de gravação das músicas, o que significa que quem é ruim não conseguirá levantar o volume para parecer melhor.

Some-se isso a um acesso cada vez maior das pessoas à informação de outras fontes que não as de massa, e temos um pequeno alento a quem quer o bem da música... Para quem imaginava que só haveria tiroteio no fim do túnel, pequenas luzes começam a piscar.

Então, acreditemos nos artistas que nos cativam realmente, quer com 50 ou com 80% de aprovação do público na votação. Brindemos aos que tem talento sem olhar-lhes a beleza física. Aclamemos a quem dura mais de um disco ou de uma turnê, sejam dinossauros ou fedelhos. Aplaudamos tocam por amor à música e oferecem o melhor e mais sincero que podem a quem está ouvindo, mesmo que não apareçam na TV ou não estejam entre as 10 mais da rádio. Enfim, estendamos o elixir da longa vida aos que não são copos plásticos...

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Sobre Maximiliano Francisco Brandalise Pezzini

Max é gaúcho, coacher e responsável pelo blog www.rockrevista.blogspot.com. Sua paixão arrebatadora pelo rock'n roll vem desde a adolescência, quando seu saudoso padrinho os apresentou formalmente. Depois de devorarem alguns vinis, o mestre gravou para o aluno uma fita k7 gradiente com Elvis, Clapton, Dylan, Berry e Stones, entre outros "menos cotados". Desde então, o ritmo e todas as suas origens e vertentes fazem parte inseparável da sua vida, uma tatuagem indelével na sua alma. Escrever a respeito do rock é a sua maneira de agradecer todos os arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias que cada riff, solo, distorção e melodia lhe proporcionaram até hoje.
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