Jon Lord: música clássica e rock na Av. São João
Por Vitor Bemvindo
Fonte: MOFODEU
Postado em 06 de maio de 2009
O MOFODEU é um programa assumidamente amador. Não temos objetivos comerciais e não ganhamos nada por fazer o nosso podcast. Toda nossa dedicação é por amor à música, em especial, o Rock and Roll. Por isso, não espere de nós atitudes imparciais ou "jornalísticas". Somos fãs de Rock trazendo informação para outros fãs de Rock.
E foi esse espírito que nos moveu mais de 400 km do Rio de Janeiro para São Paulo para cobrir a Virada Cultural. Tudo feito de maneira amadora: nada de avião, hotel 5 estrelas ou qualquer tipo de postura profissional. Pegamos o carro e nos jogamos Dutra acima com o objetivo de curtir os shows e, de quebra, trazer informações para os nossos ouvintes. Tudo pago do nosso bolso, sem ajuda de nenhum meio de comunicação.
A Virada Cultura é um evento organizado em parceria entre os governos da cidade e do estado de São Paulo que tem o objetivo de popularizar as manifestações culturais. Durante mais de 24 horas, a maior cidade do país esteve envolvida em um sem-número de eventos culturais que incluíram entrada franca em museus, peças de teatro, filmes e muitos shows em diversos palcos espalhados pela capital paulista, tudo de graça.
No sábado, antes da abertura oficial do evento, aproveitamos para conhecer alguns museus como o da Língua Portuguesa (na Estação da Luz) e o do Futebol (no Estádio do Pacaembu), este último imperdível para quem curte o velho esporte bretão balípodo.
Mas estávamos lá para assistir o show de abertura da Virada: a apresentação de JON LORD, o lendário organista/tecladista do DEEP PURPLE, que apresentaria, junto com a Orquestra Municipal de São Paulo – regida por Rodrigo de Carvalho – e banda, o Concerto para Grupo e Orquestra.
Tal concerto, composto pelo próprio Lord, em 1969, foi executado originalmente pelo Deep Purple e a Royal Philharmonic Orchestra – conduzida pelo maestro Malcom Arnold – no mitológico Royal Albert Hall. O resultado, segundo a opinião do próprio compositor, ficou muito longe do esperado e, em 1999, o Deep Purple voltou ao Albert Hall – desta vez sem seu guitarrista original, Ritchie Blackmore, substituído anos antes pelo não menos talentoso Steve Morse – para executar novamente o Concerto, desta vez acompanhado da London Symphony Orchestra, regida por Paul Mann.
O resultado da versão de 1999 do Concerto para Grupo e Orquestra agradou tanto a Jon Lord que, além do lançamento do CD e DVD "Live at Royal Albert Hall", o Deep Purple saiu em turnê, no ano seguinte, para divulgar o novo álbum e celebrar os 30 anos do Concerto. A turnê contou com a participação de Ronnie James Dio (ELF, RAINBOW, BLACK SABBATH, DIO) e rodou o mundo sempre unindo o Deep Purple a uma orquestra local, inclusive no Brasil.
Pois bem, 10 anos depois, o Concerto celebra o seu 40º aniversário, e Jon Lord não poderia deixar a data passar em branco. Apesar de ter deixado o Deep Purple, em 2002, resolveu voltar a apresentar sua obra-prima. Esse ano ele já havia executado o Concerto, em duas apresentações com a Slovak Radio Symphony Orchestra em Bratislava, na Eslováquia, com a mesma banda que trouxe a São Paulo.
O show começou por volta das 18:25, quando Jon Lord subiu ao palco principal da Virada Cultura, na Avenida São João, e se dirigiu à platéia pedindo perdão por não falar português, mas dizendo que iria se juntar àqueles músicos para fazer música do fundo do coração. A simpatia de Lord com o público para mim não era novidade já que, minutos antes da apresentação, tinha tido a oportunidade de encontrá-lo nos bastidores, quando ele me recebeu com muita boa vontade. Nesse momento, mais uma vez o lado amador prevaleceu: diante de um mito da história do Rock, foi impossível ser profissional. As únicas coisas que consegui fazer foram tremer de nervosismo e pedir um autógrafo. Lord brincou com o meu nervosismo de fã, e tirou uma foto pedindo um sorriso. Só consegui pensar uma coisa: "Profissionalismo uma ova! O que eu faço com o MOFODEU é uma ode a personagens como esse cara!". Deixo as entrevistas e o bom senso para os profissionais, eu serei um eterno amador.
O Concerto começou com o seu Primeiro Movimento, chamado originalmente de "Moderato-Allegro". Nele a Orquestra Municipal mostrou incrível competência, executando com muita fidelidade a peça. Senti uma incrível semelhança com a versão de 1999 do Concerto, com diferenças evidentes na parte do grupo, no qual se pôde notar algumas improvisações de Lord com o seu simbólico órgão Hammond e na parte da guitarra com algumas pequenas alterações.
A banda que acompanhou Lord era formada por Chester Kamen (guitarra), Guy Pratt (baixo) e Steve White (bateria). Apesar de não comprometer, é impossível não notar um abismo de diferença entre esses músicos e os do Deep Purple, responsáveis pelo Concerto original. No Primeiro Movimento, por exemplo, Kamen se arriscou pouco fazendo o famoso feijão-com-arroz. Talvez eu fizesse o mesmo, se tivesse o peso de nome como os de Blackmore e Morse sob minhas costas.
No Segundo Movimento, a diferença entre as duas bandas ficou mais evidente. Em "Andante", a peça mais sentimental do Concerto, a Orquestra esteve, uma vez mais, irrepreensível, tocando com fidelidade impressionante. A parte do grupo foi sustentada pelo mestre Lord que improvisou de maneira impressionante. Mas para ouvidos mais atentos houve uma grande diferença no que se refere à bateria. Enquanto nas outras versões (em especial na de 1999), o incrível Ian Paice deu uma levada meio jazzística à parte do grupo, com muitas quebradas e viradas, o baterista atual da banda de Lord, Steve White, foi incrivelmente burocrático e tocou com se estivesse em uma banda marcial.
Mas a atuação de White não comprometeu o Movimento, principalmente por conta das atuações dos cantores trazidos por Lord: Steve Balsamo e Kasia Laska. Balsamo tem acompanhado Lord em suas apresentações na Europa e ficou conhecido pelo seu desempenho recente em uma nova versão da ópera "Jesus Christ Superstar". A atuação do cantor não deixou nada a desejar se comparada a de Ian Gillan nas duas versões do Concerto, especialmente nesse Movimento, quando ele ainda teve a ajuda da ótima cantora Kasia Laska que fez um ótimo backing vocal. Me arrisco a dizer que os dois foram até melhores que o mestre Gillan, mas também a concorrência é desleal: 2 contra 1.
O Terceiro Movimento, "Vivace-Presto", foi o mais modificado na versão executada na Avenida São João. Repleto de improvisações, o Movimento contou com um frenético solo de Hammond lá pelo quarto minuto de execução. Além do desempenho fantástico do mestre Lord, Kamen fez um solo honesto e White se recuperou fazendo um competente solo de bateria.
O Concerto se encerrou com aplausos calorosos do público (que compareceu em grande número). Em alguns momentos da peça, problemas de áudio foram apresentados, principalmente nos PA’s que levavam o som para a platéia. Como fiquei muito próximo ao palco não senti tanto os problemas, mas parte da equipe do MOFODEU que esteve junto ao "povão" sentiu a frustração de parte da platéia.
Outro problema foi o comportamento do público, e não vai aqui nenhum comentário preconceituoso. Mas é fato que o público brasileiro não está acostumado a apreciar um Concerto com Orquestra, no qual o silêncio é fundamental para que se possa ouvir todas as nuances dos vários instrumentos. Mas isso é bastante compreensível se entendermos que o acesso a esse tipo de espetáculo no Brasil, para o grande público, é quase inexistente.
O que é incompreensível é o comportamento dos ditos "profissionais" de imprensa, que deveriam ter o mínimo de respeito ao espetáculo. Na área destinada aos "jornalistas", não houve silêncio em nenhum momento da apresentação. Muitos conversaram o tempo todo e falavam em altos brados em seus telefones celulares. Esse comportamento é ainda mais inexplicável por vir de pessoas que, teoricamente, têm preparo para entender o evento. Por estarem muito próximo ao palco, o mínimo que se esperava daqueles ditos profissionais era respeito aos verdadeiros profissionais que estavam no palco.
Apesar desses problemas o show seguiu e Jon Lord deixou o seu órgão Hammond e assumiu o piano para tocar canção "Wait a While", composta por ele e pela cantora Sam Brown para o disco solo do organista, chamado "Pictured Within", de 1999. A mesma canção havia sido executada com orquestra na apresentação de 1999 no Royal Albert Hall, e durante a turnê dos 40 anos do Concerto, com vocais da própria Brown. Em São Paulo, os vocais ficaram por conta de Kasia Laska que demonstrou muita sensibilidade e talento em sua interpretação que, na minha opinião, superou as versões originais. Além da bela voz, Laska imprimiu muita emoção à triste canção e foi muito amigável com o público.
Em seguida, veio um grande clássico do Deep Purple, "Pictures of Home", do álbum "Machine Head", de 1972. O arranjo para orquestra foi idêntico ao executado em 1999, com uma bela e calma introdução irrompida pelo peso da bateria e dos riffs entoados pela guitarra e pelo Hammond de Lord. Se é que pode haver crítica a peça, mais uma vez Steve White escorregou na entrada de bateria, que certamente deixaria o seu mentor, Ian Paice, decepcionado. Porém, a interpretação de Balsamo nos vocais deu a canção um vigor vindo direto do túnel do tempo. O cantor deu agudos que lembraram os áureos tempos do mestre Gillan. Mesmo sem ter muita familiaridade com a música, Balsamo, mais uma vez surpreendeu o público presente.
A surpresa da noite ficou por conta da execução de "Soldier of Fortune", composição de Ritchie Blackmore e David Coverdale para o disco Stormbringer, de 1974, do Deep Purple. A canção não costumava ser executada ao vivo com freqüência nem na época de seu lançamento, nem durante toda a carreira do Purple. Quem costuma tocá-la é Coverdale, em suas apresentações com o Whitesnake. Mas o próprio Lord não devia tocá-la há muitos anos. Isso ficou um pouco evidente no desentrosamento dos cantores com o organista e a orquestra de show. Pareceu que aquilo veio de um improviso de ensaio de véspera. Mas foi uma surpresa agradabilíssima pois trata-se uma bela balada e emocionou todos os presentes que tem algum apresso pelo Deep Purple. Uma oportunidade única de ouvi-la com um membro original da banda.
O gran finale ficou por conta de "Child in Time", do disco "Deep Purple in Rock", de 1969. O arranjo orquestrado deu um toque emocional ainda maior para a canção, que foi tocada um com um delicadeza bem distante da agressividade dos gritos rasgados originais de Gillan. Apesar dessa diferença fundamental, a canção não perdeu em nada. As interpretações diferentes longe de serem conflitantes, são uma forma de mostrar a versatilidade dos grandes músicos. Mais uma vez Laska e Balsamo se destacaram e o mestre Lord mostrou porque é um dos maiores nomes da história do Rock and Roll com um solo enérgico e impressionante.
Por fim, uma apresentação digna da história de um dos sustentáculos da tríade sagrada do Rock dos anos 70. Todo o talento e versatilidade de Jon Lord ficaram evidentes naqueles pouco mais de 80 minutos em que privilegiados puderam ouvir de perto um dos sons mais característicos da história do Rock: o som do órgão Hammond de Lord.
Ficou evidente ali o quanto a simbiose entre um grande músico e um instrumento musical único pode fazer uma revolução musical. Rock? Clássico? Não importa! O que Jon Lord sabe fazer como poucos é música de alta qualidade carregada não só de técnica e talento, mas essencialmente de emoção, que não sai dos dedos, mas sim do coração, assim como o próprio anunciou assim que pisou no palco.
Parabéns aos paulistanos pelo ótimo evento e, espero que outras cidades possam seguir o exemplo e promover a cultura de fácil acesso.
Clique aqui para ver fotos da apresentação.
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