O antológico último show dos Beatles
Por Marcos Rodrigues de Oliveira
Postado em 11 de fevereiro de 2024
Em 30 de janeiro de 1969, há 55 anos, os Beatles se apresentaram pela última vez num show que ficou marcado na história da música, principalmente pelo local onde foi realizado: no terraço de um prédio na Inglaterra.
O antológico show intitulado "Rooftop Concert" entrou no imaginário popular. De fato, a escolha do terraço da Apple Corps, empresa criada pelos próprios Beatles, fez o concerto ser marcante. Porém, há muito mais para ser contado sobre os bastidores do show, desde sua concepção, passando por sua realização e chegando ao seu legado na cultura pop.
A ideia para o show
Os membros da banda discutiram muitas ideias de lugares onde a apresentação poderia ser feita. Um barco em movimento, um anfiteatro grego ou então o centro de artes cênicas Roundhouse, localizado em Londres. Na verdade, a ideia inicial era que os Beatles voltassem a fazer apresentações ao vivo, e essa seria apenas a primeira delas. A banda não se apresentava desde 1966, quando fez seu último show no Candlestick Park, em São Francisco.
A escolha do terraço é alvo de discussões até hoje, tendo sido atribuída a muitas pessoas. Billy Preston acreditava que John Lennon havia tido a ideia. O engenheiro Glyn Johns disse em sua autobiografia que a ideia do show foi de sua autoria. Ken Mansfield, ex-gerente da Apple Records acreditava que Michael Lindsay-Hogg, diretor do filme "Let It Be" foi quem idealizou o concerto. Segundo Ringo Starr; "havia um plano para tocar ao vivo em algum lugar. Nós estávamos imaginando onde poderíamos ir – talvez ao Palladium ou ao Saara. Mas nós teríamos que levar todas as coisas, então decidimos: 'Vamos subir no terraço'". O fato é que a apresentação muito provavelmente foi inspirada numa gravação de Jean Luc Godard e D.E Pennebaker, que contou com a banda Jefferson Airplane tocando em cima de um prédio Nova-Iorquino e que seria inserida no filme "One A.M (American Movie)", que não foi finalizado.
A apresentação
O show teve início ao meio-dia numa fria terça-feira 30 de janeiro de 1969 no edifício da Apple Corps, na área central, onde o comércio dominava as ruas. Por conta do mau clima, Lennon pediu emprestado o casaco de Yoko Ono, enquanto Ringo Starr usou o casaco de Maureen Cox, sua então esposa. O vento tinha tudo para estragar a apresentação; batia nos compridos cabelos de Lennon, fazia os microfones gravarem seu som e esfriava o clima de Londres. Mesmo assim, o tempo não impediu a banda de se apresentar. Logo após começarem a tocar, pessoas começaram a parar para observar e logo a notícia foi se espalhando e mais pessoas chegaram para assistir. George Harrison convidou o tecladista Billy Preston para tocar junto da banda, sendo que ele serviu como uma espécie de "conciliador" da banda. Um fato curioso é que Lennon não se lembrava das letras de suas músicas e, por isso, pediu a um membro da equipe para segurar cartazes contendo as letras das canções.
Michael Lindsay-Hogg ficou encarregado das filmagens, filmando tanto a banda quanto a reação daqueles que estavam assistindo aquela que seria a última apresentação do fab four. Inspirou-se nas gravações do Jefferson Airplane para escolher os planos e contraplanos das filmagens. Os engenheiros Glyn Johns e Alan Parsons ficaram encarregados de gravar o áudio. Usaram meias calças femininas nos microfones da bateria e das guitarras para que eles não capturassem o vento que ocorria no local. Johns acabou por participar de gravações de outros grandes artistas, como Eric Clapton, The Who, The Rolling Stones e Led Zeppelin.
Haviam muitas pessoas assistindo ao pequeno espetáculo naquele dia por conta do horário de almoço. Quando a notícia chegou ao posto policial da 27 Saville Row, houve a preocupação que um tumulto pudesse ser causado pois o tráfego ao redor do prédio começou a ser afetado. Apesar da maioria das reações ao concerto terem sido positivas, houve uma em específico que foi negativa, a de Stanley Daves, um comerciante vizinho do prédio da Apple. Ele teria dito "Eu quero que esse maldito barulho chegue ao fim! Isso é absolutamente uma desgraça!". Quando os policiais tentaram entrar no prédio da Apple Corps, os funcionários tentaram impedi-los. Porém, tiveram que deixar os policiais subirem pois foram ameaçados de serem presos. Ao verem os policiais subindo, os membros da banda sabiam que o show seria encerrado, porém continuaram a tocar. Paul McCartney improvisou uma brincadeira na letra de "Get Back", cantando a seguinte frase: "Você está tocando no terraço novamente e você sabe que sua mãe não gosta disso, ela vai prendê-lo!". Por fim, a banda parou de tocar após a execução de "Get Back", onde Lennon brincou dizendo "Eu gostaria de agradecer em nome do grupo e de nós mesmos e espero que tenhamos passado na audição".
Em janeiro de 2022 foi lançado nas plataformas digitais " The Beatles: Get Back — The Rooftop Performance", um álbum com todas as músicas que foram tocadas no concerto, entre elas "Get Back", "Don't Let Me Down", "I've Got a Feeling", "One After 909" e "Dig a Pony". Vídeos da apresentação podem ser encontrados no YouTube e no Vimeo.
O legado duradouro do Rooftop Concert
Eternizado na cultura pop, o "Rooftop Concert" foi referenciado diversas vezes ao longo dos anos. Num dos episódios da quinta temporada de Os Simpsons, "Homer Barbershop Quartet", os Be Sharps, banda ficcional composta por Homer, Apu, Barney e Diretor Skinner, tocam no topo de um prédio. George Harrison faz uma participação especial no episódio, aparecendo na cena em que os Be Sharps estão tocando no telhado. Harrison grita algo como "já foi feito!'. No final do episódio, Homer repete a piada de John Lennon sobre passar na audição e todos riem, porém Barney diz "Eu não entendi". A banda James fez um show parecido em 30 de janeiro de 1991, vinte e dois anos após o show dos Beatles. Kazuyoshi Saito recriou o concerto para seu videoclipe da música "Zutto Suki Datta", onde Saito estava vestido como Paul, Lilly Frank como John, Hiroyuki Kobori como George e Gaku Hamada como Ringo. O U2 homenageou o concerto dos Beatles em duas ocasiões: no videoclipe de "Where the Streets Have No Name" onde fizeram um show num edifício de Los Angeles e também no seu "U2 at the BBC" em 27 de fevereiro de 2009. No filme "Across The Universe" a banda da personagem Sadie faz um show em Nova Iorque que faz homenagem ao Rooftop Concert e, como ocorreu na vida real, a polícia encerrou a apresentação. Há também uma homenagem ao concerto no filme "All You Need is Cash" que usava inclusive ângulos de câmera parecidos com os do show da vida real. Mais notoriamente, Paul McCartney fez um pequeno concerto no centro de Nova Iorque na marquise do Ed Sullivan Theater, onde gravou uma apresentação para o "Late Show With David Letterman". As ruas próximas foram fechadas para que os fãs pudessem assistir ao concerto.
Mesmo 55 anos após seu acontecimento, o Rooftop Concert ainda é lembrado por fãs de Beatles e de música por todo o mundo. Aquela foi a última vez que os garotos de Liverpool se reuniram. Porém, para os fãs da época, a esperança era a de que aquele seria apenas o primeiro de uma nova leva de shows, coisa que infelizmente não aconteceu. A apresentação foi enérgica e trouxe ótimas execuções das músicas da banda. Aqueles jovens músicos definitivamente estavam em seu auge, no topo da carreira. Porém, para a surpresa dos fãs, no ano seguinte a banda acabou, deixando órfãos aqueles que acompanharam o trabalho do Fab Four por tanto tempo. Era o fim de um ciclo, o fim de uma era que revolucionou a música. O mundo nunca mais veria os Beatles tocarem juntos. John Lennon deixaria o mundo de maneira precoce ao ser assassinado em 1980, e George Harrison morreria tragicamente de câncer em 2001, colocando, assim, um fim na esperança dos fãs de que os Beatles se reunissem algum dia. O mundo só teria um vislumbre do que poderia ter sido uma reunião dos Beatles em 2023, quando a música "Now and Then" foi lançada após ser finalizada com a ajuda de inteligência artificial. Apesar daquele fatídico show em 30 de janeiro de 1969 ter sido o começo do fim da banda, suas músicas nunca irão morrer graças aos seus fãs dedicados e apaixonados pela boa música com a qual os Beatles nos presentearam. A verdade é que aquela fria terça-feira 30 de janeiro foi apenas mais um de vários dias em que os Beatles escreveram seus nomes na história da música e da arte.
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