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Belchior: ou uma presença que me lembra Dylan

Por Rodrigo Leon Contrera
Postado em 30 de abril de 2017

Antes de mais nada, existem dois Dylan (ou tantos quantos as pessoas reconhecem). Mas formalmente existem dois: Bob Dylan e Dylan Thomas. O primeiro, um cantautor que ganhou o Nobel por suas poesias que viraram canções. O segundo, um poeta que o pessoal mais chique adora citar, por seu lirismo - para alguns, contido ou para outros, exagerado.

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Mas aqui irei comentar sobre Belchior, falecido há poucas horas. Um Belchior que andava sumido, por motivos legais e amorosos, um Belchior que estava virando lenda antes de desaparecer na poeira, um Belchior cujo desaparecimento me foi lembrado pelo Mário Bortolotto, dramaturgo, diretor, ator, autor, cantor, compositor e amigo meu, em seu facebook. Hoje a gente se informa da forma mais tortuosa, para chegar aos jornais com uma impressão já definida e para sair bastante mal municiado de novas informações para pensarmos com calma - ou para lhe desejarmos uma boa jornada no além.

Aqui eu comentarei brevemente (para quem me conhece) em que medida o Belchior bate em minha pessoa. Bate pouco, de alguma forma, porque pouco da carreira dele eu realmente conheço (só tenho um CD dele, de coletânea). Mas bate muito, porque é com ele que eu consigo realmente me emocionar e me dar conta daquilo que eu ainda hoje sinto ser. É estranho, o Belchior me aproxima de mim, mais que da outra coisa. Como o Dylan, o Bob, com quem irei traçar - com ele - um breve paralelo.

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Nobel

Fiquei sabendo que o Bob havia ganho o Nobel pela web. Acompanhei algo da polêmica que teria advindo por sua aparente recusa em receber o galardão. Não comentei nada a respeito, até porque considero a polêmica uma bobagem. Mas soube que ele viajou para um show lá na Suécia e que acabou recebendo o prêmio, numa cerimônia privada. Fiquei feliz em tudo ter se resolvido bem. Ele merece.

O Bob, a cuja obra me aproximei bastante tardiamente, é um sujeito fino. Um sujeito que soube encontrar a via do sucesso sem se mancomunar por ele. Um sujeito cuja biografia eu comecei a ler em inglês e cuja empatia parece sobrepujar qualquer pré-conceito com respeito a gosto musical ou poético. Um sujeito que navegou e navega quase sozinho, sendo acompanhado por todos de perto ou de longe, e admirado pela grande maioria. Um sujeito tranquilo, que parece nem existir por detrás da sua obra, mas cuja existência pessoal se inculca em nós tão logo o vemos em shows ou em suas raras aparições em público. Um homem, com H maiúsculo. Um ser que soube ditar sua norma ao show business.

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Belchior

Belchior passava-me a mesma impressão que o Bob. Comentou-se, numa matéria longa cujo link eu perdi, como ele teria caído nas graças de uma moça com perfil bem definido e preferido sumir do mundo a ter que encará-lo novamente, com o sucesso que auferiu durante toda sua vida. Porque Belchior foi um sucesso, espalhado sim em hits que ainda são citados e cantados por aí, mas mais que isso um compositor e cantor que influenciou toda uma geração. Um cara que navegou pelo rock sem ater-se a ele. Que deixou uma marca toda pessoal em sua obra, e em sua vida.
Não é estranho que ele tenha preferido sumir desse jeito. Não é estranho nem lamentável. Ele deve ter passado por situações bastante difíceis ultimamente, sendo procurado - que eu saiba - também pela Justiça, mas mais que isso distante de tudo e de todos. Próximo quem sabe de quem ele realmente amou. Próximo de si mesmo, com toda certeza. Nesse sentido, ele se foi como quis, quase no anonimato - que é como aparecemos para o mundo. Pois quando nascemos poucos nos veem nascendo, poucos tiram fotos de nós, poucos têm a manha de ficar com uma impressão do ser imaculado que um dia tornar-se-á "alguém" - ou não. Talvez por isso eu nunca lamente muito as mortes de entes queridos de alguém. São poucos os que realmente nos conhecem em vida. Poucos os que souberam como fomos. Poucos os que realmente deveriam se manter à nossa cabeceira quando dermos o último suspiro.

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Fãs

Hoje, os sites e jornais publicam em suas manchetes a morte dele, de Belchior. Fazem o anúncio oficial, por meio de um comunicado passado pela família, e informam que a família entrou em contato com o Ceará para o traslado do corpo. Os jornais fazem, como quase sempre, o pouco que podem fazer, com as poucas informações de que dispõem. Já as pessoas que o conheceram aparecem caladas (por enquanto), os músicos que o admiravam mantêm-se pasmos com a notícia, e as pessoas (fãs) que veem e ouvem de longe permanecem apalermadas, com o desaparecimento do seu ídolo.

De minha parte, o Belchior é um dos poucos artistas que conheço que tão logo aparecem no rádio ou em meu equipamento de som me tornam mais eu do que eu mesmo. Mais por causa dos hits, eu admito. Mas também por causa de suas outras músicas, que eu me considero em geral incapaz de aquilatar em todo seu valor. São poucos os artistas com que isso se dá comigo. São poucos os Dylan e Belchior da vida que me fazem crescer tão logo com o aparecimento de seus timbres de voz, ou com a lembrança de alguns de seus versos. São poucos. Como muito poucos são os poetas que me fazem engrandecer, em suas visões da vida e da obra, em suas impressões sobre a vida e sobre a história, em seu compartilhamento da dor - porque para mim poesia é, em geral, apenas dor.

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Hoje o mundo musical acordou mais triste. Mais vazio. E com uma lenda que só irá crescer e crescer. Logo alguns irão disputar a tapa os direitos pelas informações sobre os últimos dias do sujeito. Logo editoras pagarão quantias bastante boas a quem se dispuser a pisar no terreno das obras que Belchior, hoje, e depois Dylan irão deixar. Porque a nós, que ficamos, só nos restam o pouco que resta. Mas não olhemos mais dessa forma, por favor. Vejamos a obra. E curtamos. Belchior deixou-nos a si mesmo já há bastante tempo. Hoje, ele apenas se foi fisicamente.

Grande abraço.

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