Guns N' Roses: o sucesso que a mídia forjou e destruiu - Parte 4
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 22 de novembro de 2013
Mais uma parte da transcrição traduzida do papo conduzido no começo desse ano entre os jornalistas MICHAEL BRANDVOLD e MITCH LAFON com o arquiteto da ascensão do GUNS N’ ROSES, o produtor e empresário inglês ALAN NIVEN.
Na postagem abaixo, Niven discorre mais sobre a primeira viagem do Guns N’ Roses para a Europa e a incessante queda de braço com a gravadora Geffen para que a banda se firmasse como acima da medíocre cena musical de sua época.
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[...]
Niven: O engraçado é que aquela nossa primeira viagem para a Inglaterra me incumbiu de muitas tarefas. A primeira foi a estratégia geral de… quer saber? Se você estourar nos EUA, você tem um território do tamanho de um continente, que você tem que coordenar com informação, energia e foco, pra que essa banda apareça e as pessoas prestem atenção nela. Se eu estou na minha velha e querida Inglaterra, é um pedacinho de terra que eu consigo atravessar de carro em cinco horas. É mais fácil de se inserir no foco em âmbito nacional, naquele país. Em segundo lugar, havia três jornais que saíam toda semana: o Melody Maker, o Sounds e o NME. E esses eram jornais impressos semanais… e a imprensa ali era muito, muito importante naquela época. E se você fizer com que a imprensa fale sobre você, você consegue sua cota de atenção naquele país, você tem as pessoas falando sobre você e te levando a sério, e te dando atenção, era uma coisa óbvia, ‘Vamos começar na Inglaterra, vamos tomar se assalto a Fleet street e vamos matar uns cachorros, ou dizer a eles que matamos. Vamos pro Marquee e dar uns shows a fuder, pra que os vagabundos fiquem falando nisso, e BOOM, agora temos a imprensa do Reino Unido do nosso lado’.
De repente, em Los Angeles, estão olhando para uma banda com reputação internacional…
Mitch: Certo.
Niven: ‘Eles deram certo na Inglaterra, então pode ser que deem certo aqui também’… ‘Se funciona tão bem assim na imprensa inglesa, é óbvio que vai dar certo aqui’. Outra coisa que rolou foi… em dezembro de… a última edição da [revista musical estadunidense] Music Connection… em 1986… tinha quatro bandas na capa: uma era o Guns N’ Roses e havia mais três. O que isso fez comigo? Deixou-me puto da cara! Tinha que ser só a minha banda na capa! O que essas três outras porras de banda estão fazendo aí? Isso me fez pensar, ‘Eu estou em uma quadrilha, e eu tenho que tomar a frente dela e eu tenho que ser o primeiro a chegar até os jornalistas, eu tenho que ser o primeiro a chegar ao Reino Unido, eu tenho que ser o primeiro a chegar à Alemanha, eu tenho que estar à frente do resto do grupo’. Porque nesse momento, a Music Connection, que é impressa em Los Angeles, está colocando essas quatro bandas na capa, isso quer dizer que no inconsciente coletivo das pessoas morando em Los Angeles, elas acham que há uma panelinha e que essas quatro bandas são a mesma coisa. E eu penso: há uma cena, mas a minha banda é infinitamente superior à porra das outras três. Por que caralhos estamos dividindo a capa?
Foi por isso que fomos pra Inglaterra primeiro.
Mitch: Outra coisa que eu ia te perguntar, continuando com a terceira coisa que você fez que eu achei interessante, foi que nesse espaço de tempo, você aceitou sair em turnê com o Aerosmith. O Aerosmith estava entrando numa viagem re-glam, com baladinhas bonitinhas como ‘Angel’ e músicas como ‘Dude Looks Like A Lady’, eles pareciam ser o completo oposto do que o GN’R era… Então por que não sair tocando pelas casas noturnas, por que a turnê com o Aerosmith, que meio que misturava ‘os marginais de rua’ com ‘os galãs bonitinhos’?
Niven: Vamos falar cronologicamente… Você está falando da primeira turnê pelo Reino Unido que não aconteceu?
Mitch: Não, eu me refiro a quando vocês voltaram para os EUA, por que vocês escolheram sair em turnê com… isso foi em oitenta e…
Niven: 1988, verão de 88.
Mitch: OK. O que aconteceu com a primeira turnê pelo Reino Unido que não aconteceu?
Niven: Obviamente, a estratégia era: ‘vamos lá, vamos fazer os três shows no Marquee, vamos fazer uns dois shows na Alemanha, e daí precisamos voltar’. Precisávamos de uma boa turnê para sair como banda de abertura. E o Aerosmith ia entrar no Reino Unido no momento perfeito, no momento de desenvolvimento… hm… e o que rolava na época era que você não podia confiar muito no Aerosmith para completar uma turnê europeia, seja lá por que razão fosse…
Mitch: Certo.
Niven: Sabe lá deus que tipo contratempo eles tiveram…
[risos]
Quer dizer, no começo, a banda ficava perguntando, ‘cara a gente tem que tocar na Inglaterra? É só cerveja quente e mulher gelada. ’ E com o Aerosmith, tudo gira em torno de ‘mulheres geladas, cerveja quente e cadê a porra do meu traficante?’
[risos]
Mas enfim…
Mitch: Mas quando você olha agora, o Aerosmith, nos EUA…
Niven: Pensando assim, de pronto, foi em outubro de 1987, era quando a gente deveria ter feito isso. E toda essa coisa com o Reino Unido foi absolutamente crítica para a estratégia que eu tinha de fazer a banda estourar, e a turnê com o Aerosmith deu com os burros n’água, e o empresário inglês, era um cara chamado John Jackson, eu e ele, eu ficava acordado até muito tarde da noite, e ele já estava de pé bem cedo pela manhã, e discutíamos essas coisas. E John disse brincando, em uma das conversas, ‘por que vocês não vem pra cá e saem em turnê como banda principal?’
Eu pensei naquilo por um momento e respondi, ‘excelente ideia, John, por que não fazemos isso?’
E ele replicou: ‘Quer saber? Eu acho que pode ser viável’.
E eu, ‘Você está brincando’. E ele, ‘Olha, deixa pensar no assunto por 24 horas e eu te dou retorno’.
E daí John voltou e me disse, ‘Quer saber? Se vocês estiverem de fato preparados para correr um grande risco, poderíamos armar cinco shows. E há uma chance de termos êxito. ’
Lembrem-se de que a Warner Brothers não tinha conseguido vender nem cinco mil cópias naquela altura do campeonato. E ele está falando em sair em turnê por nós próprios. E quando ele voltou com os cinco shows armados, a quinta era no Hammersmith Odeon, que tem 3325 lugares, se não me falha a memória.
Então ele está me dizendo que podemos vender mais ingressos do que conseguimos vender discos. E claro, especialmente nas condições que tínhamos naquele tempo, tínhamos que ter uma ampla vendagem de discos para vender tantos ingressos assim.
E ele me diz, ‘Vocês venderam talvez uns 3 ou 4 mil discos, mas venham e toquem assim mesmo’.
E metemos a cara…
Mitch: Bastante arriscado…
Niven: Sim, mas como tudo, era calculado. E nos meus cálculos, eu não podia ir atrás da Warner Brother inglesa com aquele porra, que não representavam o que nossa base poderia vir a ser, ou deveria ser, e meu senso de fé e força na imprensa do Reino Unido era tamanho que, caso nós, por exemplo, pudéssemos plantar umas histórias bobas na imprensa, sabe, vamos fazer com que as pessoas apareçam. E também, pequenos detalhes, e eu tinha mais uma carta na manga: o pôster, com o crucifixo…
Mitch/Michael: Certo…
Niven: Ficou DO CARALHO naquelas paredes na Inglaterra, em Nottingham e em Liverpool, onde eles os colaram por todo canto. Colocamos eles em todo canto. E aquilo chamava a atenção, você acabava olhando pra eles, eles ficaram do caralho.
Deu certo. Foi arriscado sim. Sua pergunta foi por que escolheríamos sair em turnê com o Aerosmith?
Mitch: Sim, nos EUA, porque, quero dizer, o Aerosmith tinha ressurgido, e estavam usando roupas vermelhas, e eles estavam ficando mais espalhafatosos visualmente…
Michael: Você não está pulando um pedaço? Quer dizer, o GN’R tocou com o Alice Cooper antes disso, tocaram em locais menores, do tamanho de um teatro, produções menores… Eu me lembro de tê-los visto em um show em Rockford, Illinois, era o Guns N’ Roses, U.D.O. e Zodiac Mindwarp.
Niven: Sim…
Michael: Isso era o que estava acontecendo antes do Aerosmith nos EUA.
Mitch: Eu acho que estou falando da perspectiva canadense, porque pra mim, o Guns N’ Roses estava no [canal canadense dedicado somente a vídeos musicais] Much Music, e daí, logo em seguida, rolou uma turnê do Guns N’ Roses com o Aerosmith tocando do outro lado da fronteira, a duas horas de onde vivo, mas eu não me lembro de o Guns N’ Roses fazer nada antes disso – pelo menos não aqui. Mas eu posso estar errado…
Niven: Michael?
Michael: Sim?
Niven: Acho que acabamos de ter uma definição bastante eloquente de ‘inverno canadense’ descrita aqui…
Michael: Hehehehe
Niven: Hibernação!
Michael: Exatamente, hibernação, eles perderam dois anos…
Niven: Olha, só, o álbum foi lançado em janeiro de 1987 [nota do autor: na verdade, "Live! Like A Suicide" foi lançado em Dezembro de 1986, enquanto "Appetite For Destruction" em 21 de Julho de 1987], e ele perde tudo que rolou ao longo do inverno, e daí, de repente, na primavera de 1988, ele diz, ‘Porra, de onde saiu esse Guns N’ Roses?’
Mitch: Foi em julho, acho…
Michael: Em julho! Passou um ano inteiro!
Niven: Então, esse é o pobre Mitch, ele está enfiado na porra do iglu dele!
Você está debaixo do gelo!
Mitch: Eu tinha visto eles na TV, era demais…
Michael: Pobres de vocês canadenses, vocês perdem tudo, né?
Mitch: Na real, perdemos mesmo, as regras do rádio e da TV canadenses impedem isso.
Niven: Mas o que você ia dizer, Mitch?
Mitch: Eu ia dizer que tinha esse lance aqui chamado "CAN CON" [ele se refere às normas reguladoras da The Society for Canadian Content in Speculative Arts and Literature, que cria uma forte reserva de mercado para artistas originais canadenses e impede que artistas estrangeiros tenham maior destaque do que os nativos na mídia daquele país] algo com que eu tenho certeza que você se deparou por aqui com o Guns N’ Roses, sabe, nunca tivemos MTV aqui, eles não permitiam, e eventualmente tivemos que esperar pelo Much Music, que apareceu três anos depois… uma banda do tamanho do Ratt tocou no Toronto Maple Leaf Gardens uma vez e nunca mais fez nenhum outro show no Canadá, era desse jeito, quer dizer, o Canadá protegia sua cultura e sua comunidade, então, a menos que você fosse o Rolling Stones, ou o U2, ou o KISS e meio que pudesse cruzar essas fronteiras internacionais, então nós tínhamos o Gown, o Honeymoon Suite e o Brighton Rock, e só. Entende? E a Celine Dion cantando em francês… antes mesmo de ela conseguir estourar no…
Michael: Coitadinhos de vocês! Eu tenho lindas memórias, tô falando sério, de poder dizer que vi o Guns N’ Roses,num teatro pequeno, com o U.D.O. e o Zodiac Mindwarp.E a banda ainda saiu e fez um meet-and-greet com umas dez pessoas depois do show. Você era parte de algo… eu consegui ver essa coisa crescendo. Eu os vi abrindo para Alice Cooper.
Mitch: Wow. Eu os vi abrindo pro Aerosmith, como eu disse, e eu vi Axl dar um chilique e tentar bater em alguém na plateia, então… Eu estava bem ali, no chão onde rolou o rebuliço, foi ótimo. Alguém tacou uma garrafa no palco, ele pegou, tacou de volta e daí já viu, o pau tava comendo.
Michael: Então, Alan, vamos voltar para o que estava rolando na Geffen nessa época. Eles ainda não tem certeza do comprometimento deles com a banda, ou eles já haviam dito, ‘Quer saber? Vamos apoiar essa banda?’ Qual era sua relação com a Geffen à medida que isso começava a crescer?
Niven: Bem, você tem que considerar outro elemento… em junho de 1987, eu lancei um disco, e lancei outro quatro semanas depois. Ambos estavam programados para serem lançados no mesmo dia. E eu convenci Eddie Rosenblatt para me dar uma folga e permitir que eu conseguisse trabalhar um pouco em cima de um antes de ter que lidar com dois discos, dois discos de estreia, de bandas novas, ou novas por assim dizer, simultaneamente.
E a outra banda, por sorte, incendiou as rádios de AOR pra valer. Mas, para esfregar na cara da porra da Geffen, e a porra do Whitesnake deles, a minha banda seria quem comandaria as rádios de AOR naquele verão, Sempre ficávamos em segundo lugar, atrás do Whitesnake. E aquela banda ganhou disco de ouro em novembro, e quando você tem duas coisas… quer dizer, eu sou obrigado a poder lembrar de um tempo em que, no rock n’ roll, qualquer pessoa na gerência de um artista tinha o privilégio de viver a experiência de duas bandas estourando ao mesmo tempo, que é basicamente com o que eu estava lidando, com o que eu estava trabalhando, tentando fazer aquilo funcionar. E eu me lembro de receber um telefonema do cara que mandava na [agência] ICM, e agendamos, para novembro de 1987, uma turnê do Mötley Crüe, com o GN’R abrindo, e os primeiros meses do Whitesnake nos EUA, com abertura da outra banda, e esse cara me perguntou, ‘como você se sente tendo as duas bandas que mais crescem no país atualmente?’
E eu disse, ‘Não tão bem quanto ter as duas bandas principais da turnê, vamos trabalhar.’
Eu estava tentando manter minha mente equilibrada, e mesmo assim, havia uma sensação de energia, e um certo gosto de realização. Quando, em dezembro de 1987, Rosenblatt me levou pra almoçar, e sentou comigo e disse, ‘Você fez um excelente trabalho, garoto, nós somos muito agradecidos, mas achamos que você deveria tirar a banda da estrada e começar a prepará-la para um segundo álbum’, e eu estou recebendo essa instrução da Geffen em 1987, eu fiquei meio assustado, pra dizer o mínimo. [...]
Continua...
Guns N' Roses - o sucesso que a mídia forjou e destruiu
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