Guns N' Roses: o sucesso que a mídia forjou e destruiu - Parte 2
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 19 de novembro de 2013
Continuando a série de transcrições da entrevista realizada pelo site DROPPING THE NEEDLE com o produtor e empresário artístico bretão ALAN NIVEN, chegamos à segunda parte, onde Niven discorre mais sobre seu envolvimento inicial com o GUNS N’ ROSES, como ele testemunhou o AEROSMITH ser pasteurizado em uma baba para coxinhas e dá detalhes de como elaborou uma longa estratégia de marketing para alavancar a carreira do GN’R.
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Michael: Depois desse primeiro encontro, precisaram te pressionar mais para que você topasse, ou você simplesmente disse, ‘Quer saber? Eu vou fazer isso por você, Tom. Eu vejo que há algo aqui… ’
Quando você disse ‘sim’, você ainda o fez mais como um favor para Tom ou você pensou, ‘quer saber? Há algo que eu posso fazer com essa banda’?
Niven: Eu não poderia fazer aquilo simplesmente por Tom, tinha que haver algum tipo de convergência de personalidades. Por exemplo, nesse primeiro encontro com a banda ao qual eu fui, apenas dois membros do grupo apareceram, um dos quais estava cheirando cocaína de cima da mesa, era Izzy. Ele cheirava da mesa, o que deixou a mim e Slash sozinhos, e ele me levou para conhecer a cobra dele, eu tenho um medo patológico de cobras…
[risos]
E quando você está lidando com figuras desse tipo, fica envolvente e animador. Axl sempre foi reservado, nem sempre delicado… Duff causava uma intimidação punk naquela postura de integridade punk, mas era um cara muito, muito gentil e maravilhoso. Eu não conseguia decifrar o papel de Steven Adler na banda, porque ele era um cabeludo baterista de hair metal, ele era como um cachorrinho, e como ele se encaixava com aquelas personalidades era um mistério.
Michael: Então depois desse primeiro encontro, você disse, "Sim, eu vou botar esses caras debaixo da asa".
Niven: Sim, quer dizer, o processo demorou um pouco mais do que isso…
Michael: Mas essencialmente, é o que acabou rolando a partir daquilo.
Niven: Sim, eu também gosto de um desafio, e um sócio que eu tinha na época, quando eu toquei a demo pra ele, expressou sua opinião dizendo que eu poderia ir até o vale de São Fernando, escolher qualquer casa com uma garagem e jovens dentro dela, uma banda de garagem, que, no conceito dele, seria melhor do que a banda da fita.
E eu pensei, "Mesmo? É o que você acha? É uma postura polarizadora muito interessante. Vamos ver."
Mitch: A música, naquele período, eles eram meio relaxados, meio relapsos. Você teve que moldá-los quando entrou no estúdio, certo?
Niven: Não, a minha maior responsabilidade de todas era deixar que eles fossem eles mesmos. E manter a… quando você está lidando com a Geffen, você lida com gente do naipe de John Kalodner, e John Kalodner, pra mim, é alguém que pegou o AEROSMITH e os transformou em uma baba coxinha, da melhor maneira que ele pôde, para deixá-los tão pasteurizados e inofensivos quanto possível, e ordenhou tudo que podia deles.
Mitch: E ele fez a mesma coisa com o Great White em 1992, ou 1995…
Niven: Sim, ele quis provar que podia fazer algo sem mim, mas…
Lembre-se de que, nos anos 70, eu estava na [gravadora inglesa] Virgin, e eu me lembro de os Sex Pistols serem contratados pelo selo, no fim de 1976, começo de 1977, e rock n’ roll com pegada, bem, você precisa de alguém que segure essa bandeira, o tempo todo, e eu acho que naquela época, o GN’R faria isso melhor, mas não do modo extraordinário e com as dimensões que eles o fizeram.
Se alguém te dissesse que "Appetite" venderia tanto como vendeu, seria tomado como mentiroso. E o fato de que o disco deles vendeu tantas cópias, ninguém podia prever aquilo.
Michael: Qual o próximo passo em relação à banda com a Geffen? O que aconteceu então? Veja, eu amo, não tanto o lance meio tabloide de quem está dormindo com quem, eu sou realmente intrigado pelo lance por de trás dos negócios. O que está rolando na gravadora, agora que você faz parte do projeto?
Niven: Bem, a primeira coisa, e mais importante era fazer com que as pessoas aparecessem para ensaiar, e começassem a trabalhar na pré-produção do disco. Eu me lembro de algumas reuniões no começo, eu tive uma conversa não muito boa com Axl, porque era sempre ele quem não aparecia ou aparecia tarde demais, até aí, nenhuma novidade…
[risos]
Sabe, todo mundo me pergunta: "Axl piorou?" E eu respondo: "Não, Axl sempre foi Axl."
Michael: Gostei dessa…
Niven: Ele sempre foi o Axl, a única coisa que o dinheiro e a fama fizeram foi amplificá-lo, só amplificou seus traços de personalidade e seu comportamento.
Isso era a primeira coisa na minha lista, assegurar que houvesse certa regularidade e fazer com que fossem ao [famoso estúdio de Los Angeles] S.I.R., trabalhassem em cima das músicas, ter certeza de que as músicas ficassem do melhor jeito que pudessem ficar, e especular uma data pra gravar.
Michael: Você já tinha um produtor? Mike Clink estava envolvido?
Niven: Deixa ver, porra já faz mais de vinte anos…
Mitch: Quase trinta…
Niven: Sim… duas das primeiras coisas que eu tive que fazer ao entrar na parada, na verdade foi serviço de manutenção. Primeiro eu tinha que manter a banda afastada do [estúdio] Pasha Studios e de Spencer Proffer. E Spencer se saiu muito bem com…
Mitch: com o Quiet Riot…
Niven: Certo, mas pra mim, Tom Zutaut não estava certo das ideias quando colocou Proffer para trabalhar com o GN’R. eu não achava que aquilo seria uma boa relação. Zutaut também prometera a CAA [Creative Arts Agency] para agenciá-los, e eu tive que lidar com isso também, e emperrar isso um pouco, eu acho que ainda não me deixam entrar no prédio da CAA. Mas, enfim, que se foda…
[risos]
Mas não, não tínhamos, em termo de procurar por alguém, eu e Zutaut éramos amigos há anos, mas essa era a primeira vez em que trabalhávamos juntos de fato em algo, então tivemos que nos juntar e pensar. Tão logo fizemos isso, nós dois conseguimos compreender claramente que fosse lá quem produzisse esse disco, teria que ter a paciência de Jó e, de preferência, que entendesse muito de guitarras, e que também entendesse que não queríamos aquele som que todo mundo fazia na época, entende? Queremos alguém que possa de fato captar o que essa banda é ao vivo.
Michael: E como é então que Paul Stanley chegou a ser considerado?
Niven: Isso foi pouco antes de eu chegar, graças a deus…
Mas isso deve ter sido ou o Paul procurar Zutaut, ou Zutaut procurar Paul, mas enfim, Mike Clink apareceu e ele simplesmente parecia ser apropriado pro serviço. A personalidade ele não era autoritária, ele não é aquele tipo de pessoa como [o produtor] Roy Thomas Baker.
Mitch: O produtor do Queen…
Niven: Certo. Roy Thomas Baker é totalmente autoritário e desagregante, enquanto Clink é bem paciente, e dizia, ‘deixa que eu armo isso, vou trabalhar o Slash, vou deixar sujo e cru’, e ele fez um trabalho brilhante. Ele ficou esgotado quando chegou a hora de mixar, porque, como vocês podem imaginar, sabe, trabalhar com Axl, Slash, e todo mundo te esgotaria depois de um tempo. [risos]
Mitch: Eu posso imaginar. Agora, o que você acha que pegou com os fãs quando eles ouviram "Appetite"? Aquilo vendeu o quê, 15, 18 milhões de cópias, nada mau para um disco de estreia… Qual era a qualidade especial nas músicas que fez com que as pessoas simplesmente se apaixonassem por ele?
Niven: Eu não saberia explicar isso melhor do que vocês, vocês são ambos autoridades no ramo, vocês já ouviram quantidades imensuráveis de musica, vocês provavelmente são mais qualificados para discorrer sobre isso do que eu sou.
Mitch: Na verdade eu odiei o disco quando o ouvi pela primeira vez, levou umas três ou quatro vezes para finalmente entender, depois de…
Niven: Meu melhor amigo na época achou que eu tivesse enlouquecido.
Michael: Eu acho que a maneira que o disco acabou emplacando, demorou mesmo para que as pessoas o absorvessem. Ele não foi um sucesso da noite pro dia.
Niven: Não, não foi da noite pro dia, foi um sucesso repentino que levou dois anos.
Michael: Certo…
Niven: Falando do meu próprio envolvimento pessoal nessa relação, foi basicamente dois anos do momento em que comecei a conversar com eles até a coisa decolar.
Mitch: Michael estava falando sobre o marketing e o aspecto corporativo, e eu estou interessado nisso, porque…
Niven: Deixa que eu me prenda à música um pouco, é meio redundante querer explicar isso depois de trinta anos, mas 1 – há uma energia; 2 – há integridade na abordagem…
Mitch: Há músicos contratados e não-creditados nisso tudo?
Niven [indignado]: Huh?
Mitch: Há músicos de fora no álbum ou só a banda tocou nele?
Niven: Caralho, de jeito nenhum.
Mitch: OK.
Niven: É o Guns N’ Roses, mano.
Então, você tem uma energia incrível, você tem uma abordagem muito direta, você tem um frontman com um som absolutamente único… eu não sei como você o descreveria, quer dizer, eu já ouvi pessoas se referirem a ele como alguém boquejando depois de inalar gás hélio, mas uma vez que você o ouve, você nunca mais se esquece dele. Você tem aquele que possivelmente tornou-se o maior ícone da guitarra no planeta, você tinha um baixista muito, muito seguro e competente, Duff já tinha sido baterista, e mandava bem no baixo, e você tinha um baterista incrível que possuía um grande senso de exuberância em seu modo de tocar, sobre os quais a coisa toda se fundamentava. Sabe, Matt Sorum, que deus o abençoe, um bom baterista, tecnicamente, mas pra mim ele tem a mão pesada e é quadradão demais. Steven, tecnicamente falando, não é o maior baterista do mundo, de jeito nenhum, mas ninguém conseguiu emular o sentimento e a energia que ele colocou naquelas faixas – que eram parte do entusiasmo e da empolgação dele – quando tocam aquele material. Ninguém consegue se equiparar àquele sentimento. É dele. Então, você junta esses elementos, e não fica difícil de entender porque deu tão certo.
Michael: Sabe, pra mim, não querendo simplificar demais, mas também ia na direção contrária do que rolava na música. Não era hair metal polido, chapa branca, de menino bonitinho, foi tipo, de repente, ‘Wow, essa sim parece com uma porra duma banda de rock!’. Soa cru, soa sujo, e aquilo foi revigorante na época, porque eu acho que as pessoas começaram a ficar de saco cheio…
Mitch: Soava cru, mas só foi revigorante a partir do clipe de "Sweet Child o’ Mine", o clipe de "Welcome To The Jungle", por que eles estavam numa viagem hair metal no primeiro vídeo deles.
Michael: Eu discordo disso, naquele vídeo ele estava com o cabelo armado, mas não se parecia com uma banda de hair metal. O que você diz, Alan?
Niven [rindo]: Eu ia dizer que quando se trata disso, do vídeo de Jungle, você precisa entender que o cabelo de Axl no começo, digo, toda vez que tinha um show no Troubadour ou no Roxy, e Axl armava o cabelo, Duff vinha e ficava parado, na frente dele, olhando fixamente e dizia, "Que cabelo bonito, cara".
Mitch: Mas rolou uma tentativa!
Michael: Mas veja bem, eu não estou dizendo que não houve uma tentativa, mas…
Niven: O resto da banda não mudou depois do vídeo de "Jungle", era o que estava ali, e graças a deus, alguém tomou alguma providência a respeito do cabelo de Axl, aquela abordagem, e ele se encaixou com o resto da banda.
Eu acho que, meio que forçando um pouco, que é válido dizer que eles foram uma contracultura, que eles eram uma alternativa contrária. Eu não acho que eles tenham trabalhado em cima de se estabelecer como uma força contrária, o que eu acho é que eles eram mais elementares…
Michael: Excelente termo.
Niven: Eles eram mais elementares, e em termos da apresentação e interpretação visual deles, era, "cara, o que você tem a fazer é largar o laquê, o batom, e começar a parecer com uma pessoa de verdade", entendem?
Mitch: Certo.
Michael: Eu acho que é isso que foi pra mim, e mais uma vez, sim eles tinham cabelão armado, mas pra mim, a definição de Hair metal não se trata somente de ter cabelo armado, é tudo mais que eles faziam, é o batom, são as roupinhas bonitas, tudo que eles faziam… e é aí que o Guns N’ Roses , falando como fã, quando eu vi aquilo acontecer, era só, "esses caras são diferentes dos outros".
Mitch: Sim, mas isso veio com o clipe de "Sweet Child". O primeiro vídeo tinha calça de couro roxo apertada, cabelão armado, havia um certo visual glam, mas, eu quero falar sobre o marketing da banda, há três coisas que você fez no começo que foram brilhantes de importantes. A primeira foi, bem, você criou uma polêmica falsa com a capa do álbum. A primeira capa de "Appetite" tinha aquela gravura de um estupro sugerido nela. Você sabia que aquilo ia receber atenção da mídia, certo? Então me conte como você manipulou a mídia para fazer uso dessa atenção.
Niven: Bem, começou com a gravura em si…
Mitch: Certo…
Niven: E eu recebi uma ligação de Axl um dia, ele dizendo que tinha achado algo que seria bom. E eu fui até o apartamento dele, ele havia estado em um lugar em Melrose e comprado um cartão postal, e eu olhei pra ele e disse, "É perfeito". E ele olhou pra mim e disse, "Eu estava brincando. Acho."
Ele não tinha muita certeza. Mas Axl consegue dobrar, triplicar, quadruplicar suas próprias incertezas, e a imagem era incrível, e sob o ponto de vista da manipulação, uma coisa que era bem óbvia para mim era que ela seria facilmente mal-interpretada. E claro, todo mundo… Estamos nos EUA, e eu não sou dos EUA, sou inglês, então consigo rir de algumas paranoias dos estadunidenses. O que eu vi claramente nessa imagem foi karma prestes a se abater sobre o entretenimento, a tecnologia do entretenimento, por explorarem a figura feminina em particular. Isso era bem claro. Robert Williams está dizendo "Isso é o que Hollywood é e é isso que Hollywood faz com as mulheres".
Mitch: Certo.
Niven: E lá vem o karma. Mas eu achei que aquilo era perfeito, e é também de onde o nome do álbum surgiu, porque a gravura era intitulada "Appetite For Destruction". E era bem claro que rolaria um ultraje, falso ou autêntico, por causa daquilo. [...]
Continua…
Guns N' Roses - o sucesso que a mídia forjou e destruiu
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