O convento das Burning Witches convoca uma chama que rasga os céus
Resenha - Bangers Open Air (Memorial da América Latina, São Paulo, 02 a 04/05/2025)
Por Bruno França
Postado em 02 de junho de 2025
O tempo parecia ser insuficiente para um descanso justo àqueles que tiveram uma vida noturna agitada na Sexta anterior. A comunhão da diversidade e similaridade proporcionada pelo Metal começou cedo já no primeiro dia do final de semana, e aqueles que ousaram permanecer nos três dias do Bangers Open Air sabiam que teriam que colocar as suas resistências corpóreas a um teste de fogo.
Fotos: Diego Camara
Em meio a um desfile de trajes pretos, era comum observar copos de bebidas (geralmente de cerveja) povoando o Memorial da América Latina, local que se tornou o epicentro da música pesada do Brasil durante três dias seguidos. Por conta da magnitude do local, a correria era tão habitual quanto o pôr do Sol, devido a necessidade de movimentação tanto de um palco ao outro, fazendo com que os mais ávidos fossem correndo para a grade da pista comum ou da pista Premium.

E agora, contando com um número enorme de atrações, se inicia o evento dos shows simultâneos, culminando já com um dos principais do dia.
...E ASSIM, DÁ SE INÍCIO A GRANDE CONJURAÇÃO
Com apenas dois minutos de atraso, um dos palcos centrais de todo o Bangers Open Air iniciou as suas atividades. Chega a ser paradoxal o fato da apresentação no Ice Stage ser justamente das BURNING WITCHES: uma piada interna entre os organizadores, talvez?


Sucumbindo à temperatura escaldante que o solo paulistano passou no dia anterior, agora o jogo muda de figura, já que às 11:57 é o auge do poderio do Rei Sol.

"UNLEASH THE BEAST" do mais recente álbum "THE DARK TOWER" anunciou a chegada das "Bruxas Queimadas", trazendo consigo exatamente o que consta em seu título: um ritmo feroz que não quis saber que o tradicional calor brasileiro em seu esplendor drena as energias dos seres vivos em contato com ele, com um toque bastante bem-vindo de Thrash Metal em sua composição.


Na forma de um desafio lançado à plateia para ver se todos aguentam a pressão, "DANCE WITH THE DEVIL" entra em cena como um surgimento já aguardado e para diminuir o momentum rápido da canção anterior. Através de uma alusão ao título, a vocalista Laura Guldemond se aproveitou para ficar a caráter: usando a máscara de um ser demoníaco e estimulando o público a fazer os tradicionais chifres do Metal.


DIFERENTES CULTURAS NÃO IMPEDEM A FORMAÇÃO DE UMA LINGUAGEM UNIVERSAL
A unificação do esforço multinacional composto pela Suíça, Holanda e Estados Unidos se prontificou a pintar o cenário com uma característica digna da Idade Média vista em muitos jogos de RPG ocidentais.


2025 marca a primeira década das BURNING WITCHES desde que foi concebida lá em 2015, o que suplica um passeio natural por todo o repertório das Bruxas, tornando a aparição num dos maiores festivais da música extrema da América Latina impressa mais intensamente na memória de sua existência.

Ao final do primeiro ato, foi o momento da frontwoman realizar as formalidades e cumprimentar a audiência.


Constantemente, Laura Guldemond comprova que nasceu para subir e se tornar uma com o palco, num casamento que combina tanto quanto o arroz e o feijão, ingredientes predominantes no paladar do brasileiro. Com o passar dos anos, a "feiticeira" teve o seu alcance vocal passar por uma evolução de mil vozes. A holandesa é basicamente a manifestação física de uma força da natureza, se aproveitando da ótima elasticidade de seu corpo de mais de 1,70m para tomar o máximo de local possível que tiver contato e estabelecer domínio de todo o ambiente do show, instigando todos a colocarem a laringe e os seus pulmões na potência máxima.


E é com um vigor desta grandeza que "MAIDEN OF STEEL" dá o ar de sua graça após desaparecida do repertório pela metade da existência do quinteto (!), sendo uma surpresa para os entusiastas das suíças/holandesas/estadunidense cujos ouvidos não a ouviram ainda.


ENTRE FEITIÇARIAS, O SOBRENATURAL, MITOLOGIAS; O ESTILO SE MANTÉM VIVO POR ERAS
A forte presença de palco de Laura não só está muito bem acompanhada, como é reforçada por um legítimo Quarteto Fantástico da vida real. A estadunidense Courtney Cox (não, não é a atriz do seriado Friends) é a integrante mais nova das Bruxas, e também segue a linha performática de Laura, não aos 100% do tempo, mas quando a situação implora por isso, como pôde ser visto em "NINE WORLDS", do quarto álbum de estúdio The Witch of the North.


Simone van Straten a acompanha sendo a outra participante entre as "guitarras gêmeas", reforçando a presença holandesa do quinteto e substituindo temporariamente a fundadora Romana Kalkuhl, cuja ausência se deu conta pelas consequências desta estar em período de maternidade.

Os cabelos ruivos de Jeanine Grob voavam pelo palco em constantes headbangings enquanto a própria soltava a energia necessária em faixas como a excelente "WINGS OF STEEL", do primeiro álbum e figurinha marcada nas apresentações das Bruxas, que reforça a mescla do Heavy tradicional com Power Metal desde a sua concepção, com um refrão que carrega uma vibe muito remanescente da época oitentista.


E é na viciante "HEXENHAMMER", uma das principais de toda a discografia, que percebemos a versatilidade da baterista Lala Frischknecht, que embora localizada lá como plano de fundo, comanda e opera toda a conjuração em andamento em seus próprios termos, para que ocorra uma obediência indireta por todo mundo, não muito diferente de como acontece com uma necessidade natural do corpo humano. Destaque para o encerramento desta, ao ponto da Laura exalar a sua capacidade vocal soltando um grito gutural para finalizá-la.


"THE SPELL OF THE SKULL" é o lançamento mais recente, e que não está em nenhum álbum completo até agora, lançado em Dezembro passado, e que pela sua natureza de novidade, também esteve presente na segunda passagem pela banda suíça ao Brasil. Mesmo com a promessa de resgatar uma época que já acabou, "THE SPELL OF THE SKULL" entrega tal promessa com uma claridade e produção sonoras em roupagem moderna, sendo comparável até mesmo com um hino e forte candidata em ser uma das mais queridas para quem acompanha as BURNING WITCHES.


FINITE INCANTATEM
Sendo um passeio por todo o seu histórico até agora para comemorar o aniversário da primeira década, era esperado que a faixa-título do seu último álbum fosse representada, na forma da cativante "THE DARK TOWER", cuja abertura se inicia como uma música de ninar nesta música que faz valer do cenário diferenciado para criar a ambientação de uma feiticeira que é sentenciada a uma prisão dentro de uma torre por ter terminado precocemente a vida de vidas infantis.


Completando a dobradinha final, momentos antes da faixa que dá título ao conjunto, Laura pergunta o quão entusiasmado o público do Bangers gosta das BURNING WITCHES, demandando um berro que possa até tremer os arredores do Memorial da América Latina. O Sol pode ter sido um castigo divino direcionado aos que desejaram ou tiveram que aparecer em um ambiente paulistano a céu aberto, mas que mesmo assim deu o gatilho essencial para a saideira começar, tradicionalmente anunciada como a última oportunidade de se soltar com o som delas.


Foi apenas a primeira apresentação do Ice Stage, mas o que foi visto foi algo digno de ser uma das melhores performances até mesmo para quem possui um interesse ínfimo no gênero apresentado, até porque, as musicistas estudaram e aprenderam como alunas dedicadas dos seus "heróis" do passado, e que para a nossa felicidade, ainda vivem através das linhas instrumentais delas.


Necessário apontar que, enquanto a imensa maioria dos que se apresentaram ficaram distantes do público como um todo, todas as integrantes das BURNING WITCHES foram ficar no coração de onde o Bangers Open Air estava acontecendo: na mesma área de circulação do povo como um todo, sem cerimônias, sem estrelismos. Mesmo para aqueles que não puderam participar do local de autógrafos (Signing Sessions), os que passaram por elas perto da entrada da Horror Expo, ou até mesmo "curtindo o rolê" puderam tranquilamente ter uma interação com as "Bruxas Queimadas" ou até mesmo registrar o momento através de uma foto, demonstrando uma intenção em derrubar a burocracia em se aproximar com a sua audiência.


Há uma expressão no jargão policial/militar/lutador (ou de qualquer outra categoria que lida com combate físico) que é o "elemento surpresa", expressão a qual é auto explicativa. E a atitude descrita no parágrafo anterior cai dentro desta categoria, e também uma forma de protestar contra a crescente prática predatória de "Meet & Greet", onde os ouvintes pagam para poder cumprimentar e tirar uma foto com os musicistas de uma determinada banda, capitalizando e robotizando algo básico entre o convívio enquanto seres humanos: a interação entre nós mesmos.


Repertório:
1) Unleash The Beast
2) Dance With The Devil
3) Maiden of Steel
4) Nine Worlds
5) Wings of Steel
6) Hexenhammer
7) The Spell of the Skull
8) The Dark Tower
9) Burning Witches








Bangers Open Air
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