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ThorhammerFest: a primeira noite da roda de samba sueca em SP

Resenha - ThorhammerFest (Clube Piratininga, São Paulo, 30/04/2018)

Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 14 de maio de 2018

Por dois dias no ano, a capital de São Paulo transforma-se na capital nórdica do Brasil. O THORHAMMERFEST, festival produzido pela Berserker Produções, traz ao estado atrações de todo o mundo, especialmente da península escandinava. As bandeiras estendidas ao lado do palco do Clube davam bem a dimensão do quão multinacional e plural seria o festival. Argentina, Suécia, Noruega, os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo estariam o tempo inteiro representados, não só pelas bandas cada qual em seu tempo no palco. Outro ponto bastante interessante que transcende as apresentações musicais é a feirinha viking. Com bancas vendendo artigos tradicionais nórdicos, chifres decorados, runas, barcos vikings esculpidos em madeira e metal, estátuas (muitos itens com preços convidativos), fica quase impossível não voltar pra casa levando um belo suvenir. E as cervejas eram também uma atração à parte. Encabeçando a lista, a MANEGARM. Encorpada e de sabor desafiador, a cerveja dos headliners não teve quem não quisesse ao menos provar. E, claro, não poderia faltar hidromel. Fomos ao festival e contamos aqui como foi a primeira noite. Em breve, confira a segunda parte deste texto que conta como foi essa festa viking no meio da capital paulista.

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DUO ARKANUM

A primeira atração do festival leva o folk no sangue e na alma. A dupla de bardos catarineneses (Siddharta Gabriella, na voz e Daniel Mueller, no violão) apresentou canções folk de várias partes do mundo, canções da Europa Medieval, renascentista, mas também árabes. Resgatando canções que dificilmente teríamos a oportunidade de ouvir, a escalação do DUO ARKANUM no festival é maravilhosa. Nem há exatamente um contraste entre a cantora e o violonista. A voz dela é suave. O dedilhado dele também. Ambos estão a serviço da boa música de tempos que hoje não persistem nem mais na memória. Mas não há apenas contemplação, há sensualidade também, principalmente em "Morena Me Lamam", canção ancestral sefaradita que, pela origem ibérica, até chega a lembrar um tanto um fado português também. Se não ficou claro até agora, cabe ainda lembrar que boa parte das canções apresentadas datam de várias centenas de anos. "Que por al non Devess", por exemplo, foi composta pelo rei Afonso X, o Sábio, de Leão e Castela, que viveu entre 1221 a 1284 e é considerado autor de uma compilação de poemas chamada Cantigas de Santa Maria. O show também pode ser considerado o que mais teve canções cantadas em idiomas diferentes: espanhol, árabe, português, inglês, francês, turco, norueguês (algumas vezes, nem esses, mas os idiomas que lhes deram origem). Em algumas delas, Gabriella precisa acompanhar a letra em uma folha, mas isso não atrapalha ou tiro o brilho de sua voz e confere uma teatralidade a mais, dado o aspecto de manuscrito medieval do papel. Ela canta com uma interpretação graciosa, passando sentimentos de paz e convidando à reflexão.

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Em "Rosa das Rosas", do mesmo rei que já citamos, Daniel também faz backing vocais. Em 1492 isso era um heavy metal. Por que digo isso? Mesmo distantemente há elementos que estão presentes no heavy metal de hoje. " Ne Olur Bir Sabah", do folclore turco, encaminha a apresentação para o final. Nesta, Daniel usa o violão mais que como mero acompanhamento, mas como o fio condutor da canção e ainda fornecendo a percussão. É também a que tem as partes instrumentais mais longas. A última, no entanto, foi a norueguesa "Roland Song", mais uma do início do milênio passado (jamais pensei que escreveria algo assim em uma resenha). A banda vai gravar o primeiro álbum este ano. Será bem interessante (e necessário) tê-lo em sua coleção, não apenas como curiosidade, mas como bom ponto de partida para um mundo de música que os séculos e séculos esconderam.

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SETLIST:
1. Lamma Bada
2. Flow My Tears
3. The Wolven Storm
4. Morena me llaman
5. La Rosa Enfloresce
6. Que por al non Devess
7. Douce Dame Jolie
8. Come Again
9. Rosa das Rosas
10. Ne Olur Bir Sabah
11. Roland Song

VILSEVIND

O vento errante argentino passou pela Suécia e chegou ao Brasil. Formado pelo casal Johanna Ribnikov Gunnarsson e Sergio Ribnikov Gunnarsson, o segundo duo da noite, VILSEVIND, trouxe um folk mais moderno, mais vibrante, mas também ainda muito intimista. Animado desde a primeira canção, já em "Käringen på barnsöl" o público acompanhava com palmas as batidas do pé de Sérgio. E teve até quem se arriscasse a dançar. Pela primeira vez em São Paulo, o casal também tocou canções medievais, como a tradicional escocesa "Craigieburn Wood". Com um tempo a mais de estrada que o primeiro duo da noite, a VILSEVIND já tem material gravado, inclusive canções de sua própria autoria, mostrando algumas delas no ThorHammerFest.

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Seguindo o mesmo estilo folk/celta/sueco, as canções que Johanna escreveu em homenagem à mãe ou à ilha em que nasceu (assim entendemos) em nada se distanciam das tradicionais, compostas pelos europeus de mil quatrocentos e tanto, até porque a temática é basicamente a mesma. E na maior parte das canções, Sérgio toca uma espécie de bandolim ou alaúde (o nome do instrumento é bouzouki irlandês), mas também toca com uma harpa judia (também conhecido como berimbau de boca no Brasil), um estranho instrumento da idade média que ressoa a medida que ele pronuncia vogais. Além de canções tradicionais e de autoria própria, o duo ainda apresentou uma de sua antiga banda, HULDRESLÅT. E se um dos atrativos do ThorHammer era a quantidade de cervejas diferentes a serem provadas e saboreadas, não poderia faltar uma canção sobre o tema, não é mesmo. Estamos falando de "Bryggstolen går". "Esta canção fala de duas coisas...", avisou Sérgio. "É uma receita de fazer cerveja... que era preparada pelas mulheres na Escandinávia, mas também é uma canção para as mulheres...em defesa da igualdade de gêneros. Foi também uma apresentação memorável e imperdível, rica em cultura e ancestralidade.

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Setlist

1. Käringen på barnsöl
2. Ingång: dag
3. Fuego
4. Ödeblues
5. Craigieburn Wood (Scottish traditional)
6. Majsol
7. Kom läile nette fröke
8. Bryggstolen går
9. Hùg Air A’ Bhonaid Mhòir (Julie Fowlis)

MANEGARM

O momento mais esperado da noite (e talvez o mais especial de todo o festival) foi a última atração da primeira noite. Pense num privilégio: quem poderia dizer que pode assistir a dois shows completamente diferentes de sua banda preferida em duas noites seguidas. No último Monsters of Rock em São Paulo, por exemplo, o JUDAS PRIEST se apresentou nos dois dias de festival, mas o segundo show foi basicamente uma versão um pouco menor do primeiro show. Longe de querer comparar os mestres do metal com o lobo sueco, mas sem deixar de ressaltar o fato, é preciso dizer que os fãs brasileiros do MANEGARM tiveram este privilégio graças ao ThorHammerFest.

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O MANEGARM que se apresentou no primeiro dia de ThorHammer subiu ao palco com uma configuração completamente diferente da usual, a banda composta por Erik Grawsio (vocal e baixo, mas aqui tocando violão), Markus Andé (guitarra, mas aqui com um violão), Tobias Rydsheim (guitarra, mas aqui cuidando do baixo), Jakob Hallegren (bateria, mas aqui com apenas um tambor) e Martin Bjorklund (violino) subiu ao palco às 23h para uma apresentação completamente acústica. "Faz três anos que estivemos no Brasil e estamos felizes por estar de volta", Erik, extremamente simpático e sem um pingo de estrelismo, fez questão de salientar.

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E mesmo sendo o baixo de Rydsheum o único instrumento mais elétrico no palco era o baixo, a apresentação não deixava de ter o clima de show de heavy metal. Afinal, o Heavy Metal estava presente nas versões originais de algumas das canções (parte, como "Himmelsfursten", que abriu o show, já tinha sido gravada já no formato acústico no EP "Urminnes hävd - The Forest Sessions"), mas também na alma da banda. "Eld", por exemplo, despertou gritos do público como se ali fosse se formar uma grande roda. E não a toa, cada um tinha uma Manegarm (a cerveja) aos pés. Mais tarde, seria o momento de fazer o merchandising, beber a cerveja, oferecer para o público. Skål!! E como se toda aquela apresentação, aquele formato acústico de beira de praia (mas praia nórdica, com o frio congelando as canelas e lobos uivando), os cinco ainda chamaram Sérgio e Johanna, do VILSEVIND, de volta ao palco. A parceria foi excelente e fez daquela apresentação ainda mais única. Que privilegiado foi o público do ThorHammerFest naquela noite, com o duo e o quinteto tocando juntos "Hemkomst" e "Ulfard". Outro belíssimo momento foi "Blot", a canção que fala dos sacrifícios vikings. O público, embora pequeno naquela noite, mostrava-se apaixonado e dedicado, cantando com a banda (não importando o quão estranha cada letra - nenhuma em inglês - pudesse ser). Foi definitivamente uma experiência belíssima e uma grande oportunidade.

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"Segervisa" fechou o show na hora certa para o público que precisaria voltar de metrô. Sim, o show foi curto, mas foi claramente um show produzido especialmente para o festival. E feito por gente que sabe o que faz. Para eles não é muito difícil montar a sua roda de samba nórdica e com todo o público cantando, empolgado, envolvido pela música, fica ainda muito mais fácil. Se "Segervisa" significa mostrar vitória, se juntar ao redor das mesas do salão de Valhala e brindar a vitória completa, a primeira batalha do MANEGARM em São Paulo em 2018 estava ganha.

Setlist

1-Himmelsfursten
2-Eld
3-Delling
4-Hemkomst
5-Ulfard
6-Blot
7-Segervisa

Agradecimentos:

Berserker Produções, especialmente Cecil Berserker, pela atenção e credenciamento.

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Cláudio Higa, pelas imagens que ilustram esta matéria.

Marialva Lima (OnStage) e Jani Santana (Imprensa do Rock) pela parceria na cobertura do evento.

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Sobre Leonardo Daniel Tavares da Silva

Daniel Tavares nasceu quando as melhores bandas estavam sobre a Terra (os anos 70), não sabe tocar nenhum instrumento (com exceção de batucar os dedos na mesa do computador ou os pés no chão) e nem sabe que a próxima nota depois do Dó é o Ré, mas é consumidor voraz de música desde quando o cão era menino. Quando adolescente, voltava a pé da escola, economizando o dinheiro para comprar fitas e gravar nelas os seus discos favoritos de metal. Aprendeu a falar inglês pra saber o que o Axl Rose dizia quando sua banda era boa. Gosta de falar dos discos que escuta e procura em seus textos apoiar a cena musical de Fortaleza, cidade onde mora. É apaixonado pela Sílvia Amora (com quem casou após levar fora dela por 13 anos) e pai do João Daniel, de 1 ano (que gosta de dormir ouvindo Iron Maiden).
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