Viper: Felipe Machado comenta sobre Chorão
Por André Nascimento
Fonte: Blog Palavra de Homem
Postado em 10 de março de 2013
Guitarrista do VIPER (e jornalista) Felipe Machado escreveu um post sobre a morte de Chorão em seu blog Palavra de Homem. Segue abaixo o post na íntegra.
Hoje só os loucos choram
Conheci o Chorão há muito tempo, mas não posso dizer que éramos amigos. Conhecidos, talvez, no máximo colegas do meio musical. Em 1993, sua banda de rock pesado abriu um show do Viper em Santos. Lembro que fiquei impressionado com a energia do cara, ele pulava como um louco, se jogava no chão, falava sem parar, era uma loucura. Era nitidamente um cara carismático que faria sucesso de qualquer maneira. E a sua maneira. A banda ainda não era o Charlie Brown Jr., provavelmente um embrião daquela que viria a ser uma das bandas mais bem sucedidas do rock brasileiro nos anos 90.
Todo mundo sabe que Chorão era um cara polêmico, se envolveu em várias confusões. Mas acho que agora não é a hora de lembrar disso. É hora de lembrar do que realmente fica: a obra do cara, as músicas que ele fez, a alegria que levou a seus milhares de fãs. Por mais que você não seja fã do Charlie Brown Jr. ou do Chorão, o que é a mesma coisa, é inegável reconhecer que ele era uma voz extremamente influente para muita gente, principalmente para os adolescentes ligados ao rock ‘n’ roll e aos esportes radicais, como o surfe e o skate.
Chorão foi um porta-voz informal de uma geração que nunca chegou a seguir uma ideologia específica, mas uma série de padrões de comportamento fragmentados. Essa geração, no entanto, identificava-se de maneira intensa com a forma de Chorão pensar e se expressar em relação a vários temas: a importância de se levar uma vida com atitude, a força de quem acredita em seus sonhos, o espírito honesto – e heroico – de quem vence um dia após o outro. Chorão cantou isso nos palcos, e os fãs ecoavam suas palavras nas arenas e estádios.
Em relação ao som, confesso que nunca fui grande fã da banda, não era meu estilo. Mas há um lado muito positivo em ser uma pessoa sem radicalismos ou compromissos com ninguém: só assim é possível aproveitar o que o mundo oferece de melhor, sem ficar preso a amarras invisíveis que limitam a nossa existência.
Digo isso para justificar o tom deste homenagem que faço ao Chorão, ao usar a letra de uma música dele que pode soar bem ingênua à primeira vista, mas que pode trazer também uma leitura bastante profunda. Aposto que há vários outros exemplos mais radicais, mais roqueiros… mas resolvi escolher apenas esta.
Até porque eu realmente gostava dessa música, ‘Me Encontra’. Confesso que ela me chamou a atenção quando a ouvi no rádio (olha aí o lado positivo de não ser tão radical). Não pelo ritmo da bateria ou pela melodia da guitarra, gostei foi mesmo a letra. Sei que isso é difícil de acreditar, até porque não apenas o Charlie Brown Jr., mas a maioria das bandas dessa geração se preocupa mais com a energia da música do que com a letra.
‘Me Encontra’ é uma letra simples sobre um cara que vai sair na balada à procura de um amor; ele ‘espera há tanto tempo e ainda não rolou’, e por aí vai. O que me chamou a atenção nessa música não foi nenhuma frase em especial, apenas o simples jogo de palavras cantado no refrão:
"Me encontra… ou deixa eu te encontrar…"
Vamos pensar no que a formulação realmente significa: esse personagem, um jovem que nunca amou, está pedindo para alguém encontrá-lo, para alguém amá-lo. Na verdade, ele está implorando para ser escolhido. E ele tem esperança de que isso aconteça ‘hoje, nessa noite, porque espera há tanto tempo e ainda não rolou’. Ou seja, no fundo, esse garoto que sai na balada, louco para ‘pegar’ alguém, não é nada mais que um romântico à moda antiga: ele quer apenas amar e ser amado.
Há uma variável que expõe ainda mais sua fragilidade: se a garota não conseguir encontrá-lo, se ela não tiver a sensibilidade necessária para reconhecê-lo como um cara legal no meio dessa balada tão cheia de rostos parecidos, que pelo menos ela permita que ele a escolha, que ela lhe dê uma chance para que ele possa mostrar quem verdadeiramente ele é. Na clássica metáfora – que trata o amor como algo religioso –, o que ele espera é apenas um sinal.
É de uma simplicidade enorme, mas, ainda assim, poeticamente arrebatador: em qualquer idade, a única coisa realmente importante para os nossos corações é a esperança de que o amor possa surgir hoje à noite.
Não sei se Chorão chegou a ‘encontrar alguém’, nem sei se alguém chegou a ‘encontrá-lo’. Só sei que ele deixa uma obra única na música brasileira. Deixa também um filho, uma família. E milhares de fãs órfãos de um líder improvável que os empurrava para frente, apesar dos problemas que vida inevitavelmente traz.
Em uma de suas músicas, Chorão cantou ‘Só os Loucos Sabem’. Se os loucos são aqueles que lutam para terem suas vozes ouvidas, suas opiniões levadas a sério, seu estilo de vida respeitado… Então podemos dizer que hoje, infelizmente, só os loucos choram.
Morte de Chorão
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