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Tubular Bells - 50 Anos do Fantástico álbum de Mike Oldfield

Resenha - Tubular Bells - Mike Oldfield

Por Nelson Pintaúde
Postado em 31 de maio de 2023

A história que vamos contar pode ser classificada como mágica e talvez não seja exagero levantar a hipótese de que ela espelha, como diria Jung, uma sincronicidade de eventos: 1º) – Um jovem empreendedor queria montar sua própria gravadora; 2º) - um jovem e desconhecido compositor tinha gravado uma demo tape de uma peça instrumental e não tinha gravadora; 3º) - havia um engenheiro de som disposto a passar noites em claro para montar e testar o estúdio de uma nova gravadora! O cruzamento dos destinos destes três jovens daria origem a um dos mais fantásticos discos de música instrumental da década de 1970: Tubular Bells.

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A história se passa na Inglaterra entre 1971 e 1973. Richard Branson, então com 22 anos e editor de uma revista juvenil, sonhava em montar uma gravadora na qual pudesse dar espaço para artistas de vanguarda que não encontravam guarida nas grandes companhias. Ele vendia discos pelo correio e mantinha também uma pequena e excêntrica loja no centro de Londres, chamada Virgin Records. Sua experiência em atender pedidos de LPs importados lhe mostrou que havia uma clientela ávida por música feita com instrumentos eletrônicos e também por rock psicodélico, de vanguarda e art rock: um tipo de música que dava mais espaço à instrumentação do que à vocalização, muitas vezes com uma atmosfera esotérica nos arranjos – "m&ua cute;sica para o ouvinte saborear deitado", ou como diria Robert Fripp: música com uma autoconsciência mais aguda, que busca provocar reações na cabeça e não nos pés. O grupo alemão Tangerine Dream era campeão de vendas na loja.

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Uma greve nos serviços de correio fez com que Branson cada vez mais solidificasse a ideia de ampliar sua pequenina loja, montar um estúdio profissional de gravação e quem sabe até criar seu próprio selo fonográfico: Virgin Music.

Ele sabia que as grandes companhias mantinham esquemas rígidos com seus contratados: gravações com horários inflexíveis, produtores carrancudos, contratos leoninos... Branson queria que seu estúdio fosse totalmente diferente do que havia na época: além de equipamento moderno, ele deveria ser instalado em uma grande mansão, com vários quartos, cozinha e área de lazer, para que os artistas pudessem residir ali enquanto gravavam, sem horários muito rígidos, num ambiente leve, descontraído, em meio ao idílico bucolismo inglês. "Eu imaginava que o melhor ambiente para gravar um disco deveria ser uma casa grande e confortável no campo, onde os artistas pudessem ficar semanas a fio e gravar quando sentissem vontade, provavelmente à noite." – le mbra Branson. Sua loja de discos também era diferenciada: possuía almofadas espalhadas pelo chão, sofás, fones de ouvido, jornais e revistas especializadas para consulta e os clientes ficavam horas lá dentro conversando sobre música com vendedores que entendiam do assunto. Isto em 1971 era uma novidade total!

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Ele encontrou o imóvel ideal para o estúdio nas proximidades de Oxford, um casarão senhorial do século XVII com quinze quartos e um belo e imenso jardim. Era perfeito. Foi batizado de "The Manor" (O Solar). Tom Newman (28 anos, o segundo jovem desta história), músico e experiente engenheiro de som, maluco por tudo que se referia a técnicas de gravação, ficou encarregado de transformá-lo em estúdio. Tarefa que realizou com um prazer indescritível, equipando-o com o que havia de melhor na época: gravador Ampex de 16 pistas, mesa com 20 canais, equalização, redutor de ruído Dolby, phasing, echo, piano de cauda e sala para até 40 músicos. O panfleto de divulgação também mencionava que o estúdi o ficava a apenas uma hora de Londres, possuía um jardim de 100 acres, engenheiros de som e cozinheiros residentes, salas privativas para produtores, esposas, namoradas, gravação dia e noite.

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No segundo semestre de 1971 o Manor Studios já estava funcionando, tendo como clientes vários artistas da musica pop inglesa, a maioria da cena alternativa e de vanguarda, mas também alguns medalhões, como Rolling Stones. Em outubro daquele ano o cantor Arthur Louis alugou o estúdio por duas semanas e levou um guitarrista para acompanhá-lo, um jovem de 18 anos chamado Mike Oldfield, nosso terceiro personagem.

Franzino, extremamente tímido, cabelos longos, voz quase inaudível e barba rala, o arredio Oldfield tinha mais a aparência de um franciscano do que um músico de rock. Nascido em 15.5.1953, em Reading, Inglaterra, ele tivera uma infância problemática com a mãe alcoólatra. Isolava-se da família trancando-se no quarto para tocar violão durante horas. Seus ídolos eram The Shadows (um conjunto de rock instrumental) e os violonistas Bert Jansch e John Renbourn. Sua dedicação ao instrumento fez dele um músico excepcional. Ainda garoto começou a rascunhar seus primeiros temas instrumentais, alguns deles aproveitados mais tarde. Em 1968 gravou um disco folk com sua irmã Sally, o lp Children Of The Sun. O duo, batizado de Sallyangie, teve vida curta e em seguida Oldfield f oi ganhar a vida como músico de estúdio e baixista do conjunto de Kevin Ayers, The Whole World. Também foi guitarrista substituto na peça Hair e aos poucos começou a se interessar por outros instrumentos, como teclados, sopros e percussão.

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Em sua mente, entretanto, havia um tipo de música instrumental que não estava ligada ao rock tanto assim. A não ser pelo fato de também utilizar guitarras elétricas, a música que o jovem inglês queria expressar estava numa esfera emocional diferente de Pink Floyd, Yes ou Genesis - seus contemporâneos. O destino o levou ao Manor e, por conseqüência, a conhecer Tom Newman, o mago da mesa de som.

Mike tinha uma fita demo contendo uma peça instrumental de sua autoria, com cerca de 18 minutos, meticulosamente preparada por ele nos últimos meses, com a ajuda de um modesto gravador doméstico Bang & Olufsen Beocord, emprestado pelo amigo Ayers. Sua alma estava naquela fita, seus medos de menino, suas esperanças, suas alegrias, suas frustrações, todas estas emoções transformadas em música. Ele fez a gravação sozinho, em casa. "Um dia eu estava no Abbey Road Studio esperando o grupo (de Kevin Ayers) para gravarmos. Enquanto eles não chegavam eu fiquei observando Paul McCartney gravando seu 1º lp solo. Aquilo parecia a caverna do Aladim, com toda aquela parafernália. Ele tocava todos os instrumentos, separadamente, sem ajuda de outros músicos, e depois fazia a mixa gem. Como meus companheiros estavam muito atrasados, sugeri ao técnico que eu poderia fazer o mesmo, gravar a parte dos outros músicos para não perdermos tempo. Foi assim que comecei a fazer tudo sozinho, graças ao recurso do overdubbing". – explica Mike.

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Após vencer a timidez, um dia Oldfield se aproximou de Newman e emprestou sua fita para que ele desse uma opinião. Newman não sabia, é claro, mas em suas mãos estava a semente de um lp que venderia 1 milhão de cópias em poucos meses..."Alguns dias depois, Mike me perguntou se eu ouvira a fita. Eu disse que não, havia esquecido e me desculpei. Mas eu tinha um velho gravador em minha sala. Fui lá e rodei a fita. Eu fiquei completamente encantado e fascinado. Fiquei alí três, quatro ou cinco horas tocando a fita do Mike, vezes sem fim" – relembra Tom Newman, que na época comentou com Branson que a música era "hiper-romântica, triste, pungente e brilhante".

Em fins de 1971 o selo fonográfico Virgin ainda não existia; havia apenas o serviço de mail-order e a pequena loja se tranformara numa rede com mais de dez filiais. Tom Newman incentivou Oldfield a procurar uma gravadora para lançar sua obra, visto que a música era de muito boa qualidade. Todos que ouviam a fita ficavam enlevados pela composição - que ainda não tinha título. Depois disso não se viram mais, por cerca de um ano. Mas Richard Branson não o esqueceu. Seu primo, Simon Draper, lhe alertou para prestar atenção naquele jovem de aspecto nazareno.

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Cerca de um ano depois, o selo Virgin Music, a tão sonhada gravadora de Richard Branson, estava pronta para iniciar suas atividades.

Qual será o primeiro artista que contrataremos? Perguntou Simon Draper para Richard Branson;
Que tal aquele jovem guitarrista da peça Hair? Aquele cabeludo acanhado, da fita, respondeu Branson;
Vamos telefonar!

Eles ligaram para Mike Oldfield. Incrivelmente ele continuava sem contrato. Todas as gravadoras que ele havia procurado rejeitaram sua obra. Ele aceitou prontamente a proposta de inaugurar o novo selo Virgin. Branson lembra das primeiras conversas: "Aconselhei Mike a morar no Manor: assim, sempre que o estúdio estivesse livre, ele e Tom Newman poderiam trabalhar em seu disco. Mas vou precisar alugar alguns instrumentos, advertiu Mike: um bom violão, um violão espanhol, um orgão Farfisa, um baixo Fender Precision, um bom amplificador Fender, um carrilhão, um bandolim, um melotron, (...)um triângulo, uma guitarra Gibson...e alguns sistros, claro. Sistro? O que é isso?, perguntei. Uma espécie de marimba feita com sinos tubulares’, esclareceu Oldfield".

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Numa feira de negócios da indústria fonográfica, Richard Branson fora avisado que seria suicídio comercial tentar vender um disco sem vocal, totalmente instrumental e sobretudo com duas longas faixas de 25 minutos cada! O comum eram faixas de 3 ou 4 minutos, para serem executadas nas rádios. Mas Branson sempre acreditou que somente arriscando poderia um dia se dar bem na vida. Ele gostava de correr riscos e sua intuição dizia que deveria apostar na música do jovem Oldfield.

Mike Oldfield e Tom Newman (auxiliados por Simon Heyworth) começaram as gravações no outono de 1972 e terminaram na primavera de 1973, trabalhando arduamente dia e noite, porque a peça musical, além de ter sido ampliada para aproximadamente 50 minutos, exigia a sobreposição de mais de vinte instrumentos diferentes, todos eles executados unicamente por Oldfield. Fala-se em 2300 takes e centenas de overdubs. Um trabalho intrincado, uma tapeçaria sonora cuidadosamente tecida, demandando infinitos retoques, incessantes aprimoramentos, num perfeccionismo que seria a marca registrada de todas as composições futuras de Mike.

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O lp finalmente ficou pronto para lançamento em maio de 1973 e foi batizado de Tubular Bells, uma referência e homenagem aos sinos tubulares que concluem epicamente a primeira metade da peça. A capa, genialmente criada por Trevor Key, trazia um imenso sino tubular retorcido, flutuando como um disco voador sobre uma praia ensolarada.

O sucesso de Tubular Bells é hoje bem conhecido. Já vendeu quase 20 milhões de unidades desde seu lançamento, uma quantidade assombrosa para música instrumental. A intuição de Branson estava correta. A originalidade do álbum fazia com que as pessoas se encantassem na primeira audição e muitas ficavam viciadas nele, tocando-o repetidamente, não só pela beleza da música mas também para admirar como que um único músico poderia ter feito aquilo tudo praticamente sozinho. O modo como o disco havia sido gravado, por si só, também era pura arte. O conceituado crítico John Peel escreveria para o jornal Listener: "...um disco novo que tem tal força, tamanho poder e tanta beleza que, para mim, representa o primeiro passo real ja mais dado por qualquer músico de rock para entrar na história". Como toda obra que traz um novo conceito, foi difícil enquadrar Tubular Bells em um gênero específico: progressivo, pop/rock, minimalismo foram alguns dos rótulos que a obra recebeu. Até em revistas de música erudita o disco foi analisado - Oldfield declarou na época que o compositor finlandês Sibelius (1865 – 1957) era uma de suas grandes influências. Na verdade Tubular tem um pouco de vários gêneros musicais, sendo que em sua fase embrionária (demo tape) pendia mais para a folk music, talvez pelo fato de ter sido composta no violão. Com a gravação no Manor novas ideias foram surgindo e quando finalizado ficou com a aparência de sinfonia pop, uma espécie de "grande síntese", com vários temas se interligando de fo rma espetacular e uníssona. Um disco para deleite. Se no final da parte 1 ouvimos os solenes sinos tubulares, Oldfield encerra a parte 2 com a irreverente e infantil Sailor’s Hornpipe (a música do marinheiro Popeye!). E como nada é perfeito, Richard Branson vendeu os direitos do álbum para a americana Atlantic Records e esta autorizou sua utilização no filme O Exorcista (1974), para desespero de Mike, que ficou transtornado com a associação de sua obra com um filme de terror. O piano minimalista que abre o álbum tornou-se trilha obrigatória de Halloween e situações de mistério e suspense.

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Com Tubular Bells, ficou provado que música instrumental de qualidade é muito bem recebida pelo público. Estabeleceu um formato que seria seguido: longas faixas instrumentais, com pouco ou nenhum vocal, compostas e executadas por um único artista. Seu enorme sucesso abriu a possibilidade para que outros talentos então emergentes pudessem ter a oportunidade de mostrar suas composições. Vangelis, Kitaro, Jarre e muitos outros trilhariam por esta via. Alguns consideram que em T.B. podemos ver o embrião daquilo que anos depois viria a ser batizado genericamente de "new age music": músicos trabalhando sozinhos em seus estúdios, como alquimistas do som, à procura de Deus através da música, produzindo obras que de alguma forma provoquem bem estar espiritual nos ouvintes. "Mi nha música é de muita paz, é para as pessoas refletirem um pouco sobre a vida...", declarou Oldfield na época do lançamento de seu 2º lp, Hergest Ridge, em 1974, uma bela homenagem à placidez da vida no campo. Música para acalmar, pacificar, sonhar...

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Mike Oldfield lançou mais de vinte álbuns depois do lendário Tubular Bells, o qual teve duas boas continuações, uma em 1992 e outra em 1998, além de uma versão orquestral em 1975, a cargo do maestro David Bedford, parceiro desde os tempos da banda The Whole World. Para celebrar a chegada do 3º milênio ele lançou no final de 1999 o cd The Millennium Bell, trazendo na capa o sino tubular, com temas que fazem uma retrospectiva dos fatos mais significativos da humanidade nos últimos dois mil anos. Em 2003 Mike regravou Tubular Bells, com tecnologia de ponta, declarando que nunca havia ficado totalmente satisfeito com o resultado final da gravação de 1973. A atmosfera tubulariana também está presente no cd Music Of The Spheres (2008), s eu primeiro álbum totalmente sinfônico, lançado pelo selo de música clássica Decca, com o pianista/celebridade Lang Lang, a soprano Hayley Westenra e regência de Karl Jenkins, outro velho conhecido dos anos 70. O ápice do icônico disco viria nos Jogos Olímpicos de 2012, quando trecho de Tubular Bells foi executado pelo próprio Oldfield na abertura do evento.
Atualmente existe a expectativa que ele lance a quarta sequência de T.B., em gestação há vários anos e cujo single recentemente foi disponibilizado nas plataformas de streaming. Sua meta é a perfeição e esta obstinação é que faz com que cada novo disco seja sempre uma obra instigante, sempre melhor que a anterior. Não pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti, Mike!

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