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Sakim de Kola: pegada agressiva e crítica social/política com seu novo EP, "Vórts"

Resenha - Vórts - Sakim de Kola

Por Júlio Verdi
Postado em 18 de outubro de 2022

Oriundo da cidade de Santa Fé do Sul (São Paulo), o Sakim de Kola> se formou tendo o punk/harcore como sua marca sonora. Na ativa desde 2019, o quarteto formado por Hugo Panicali (vocal), Rafael Cassimiro (guitarra), Vinícius Krnero Bordon (baixo) e André Bonini (bateria), vem cuspindo fogo, com o lançamento de seu novo EP, "Vórts", com sua sonoridade pesada e rápida e letras ácidas e sarcásticas.

A banda havia lançado anteriormente outro EP, "Cantigas Pedagógicas Aprovadas pelo MEC", em 2021, que abordou como tema o cenário da educação brasileira.

A sonoridade das músicas pode ter o punk como semente, mas passeiam por estilos parentes, como rockabilly, hardcore e até grindcore. As linhas vocais alternam momentos mais limpos e satíricos com outros mais quase guturais. As letras se baseiam na cartilha pela crítica social e política que o punk e seus subgêneros sempre carregaram.

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As 6 faixas que integram "Vórts", se apresentam com uma boa variação de elementos. "CBF", a primeira, apesar da batida rockabilly pesado, um bem colocado riff rock and roll (além dos licks) permeia a faixa. Vocais despojados e sarcásticos dão tom do humor.

A próxima "Bestiário", já vem mordendo com roupagem hardcore (rápido e pesado), com vocais podrimente contagiantes. O nome da faixa já identificada a crítica política lírica da faixa. "Usuário" já é mais arrastada, cujo começo se aproxima até mesmo de um doom metal, até que o baixão chama pro pogo nervoso. Quase no fim, um andamento mais quebrado fecha a faixa.

"Massud 8", curtíssima, 30 segundos de um insight grind. Já "Pau no Guedes" nem se necessita questionar do que se trata o assunto da faixa, que começa com um discurso do homenageado. Depois o HC rasga a faixa, com a virada da bateria mudando os andamentos.

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Fechando o EP, "Vô Mito" – esta com uma levada mais punk com um grau de melodia pesada. E até solo de guitarra enfeita a faixa. Refrão bem colante.

O Ready bateu um papo com a banda, que nos conta um pouco de sua trajetória e de seu mais recente trabalho.

Ready to Rock - Primeiro, qual a história do nome da banda?

Hugo - Após nosso primeiro ensaio, a gente sentou pra lançar algumas ideias de possíveis nomes pra banda. A gente queria algo que transmitisse essa aura debochada que pretendíamos construir com nosso som, vários nomes foram lançados na roda, de "Água de Chuca" a "Corre de 10", até que o Rafa chegou com a ideia do "Sakim de Kola", foi unânime. A ideia do nome é, além de mencionar uma das mazelas da nossa sociedade, também homenagear a infância e história do movimento punk no Brasil.

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Da capa de "Vórts", pelo conteúdo das letras e na levada das músicas, punk seria a espinha dorsal da banda. Quais as influências dos músicos?

Hugo - Certamente, nossa intenção era montar uma banda punk que usasse do deboche e do sarcasmo para embalar as críticas das letras. Nesse sentido, algumas bandas como Merda, Dead Kennedys e Os Pedrero, por exemplo, são algumas das influências em comum dos 4 membros. Todos curtem punk e seus derivados, mas temos nossas particularidades. O Rafa tem uma veia mais clássica dentro do rock, enquanto o Krnero é mais chegado nuns metal, umas podreiras. O André é uma enciclopédia punk encarnada. Meu gosto musical é uma bagunça, já fui mais da podreira, mas hoje busco escutar coisas mais diversas. Minhas composições instrumentais costumam ser bem simples, ao molde padrão do punk mesmo, 4 acordes e olhe lá. Eu não sou músico de porra nenhuma, nem sei tocar direito. Como vocalista, busco influência em outros vocalistas que puxem mais esse lado performático, afetado, quase teatral. É o que gosto de trazer pra banda e na minha performance ao vivo.

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Apesar dos moldes punks, as faixas mesclam outras tendências como hardcore ("Bestiário" e "Pau no Guedes"), rockabilly ("CBF") e até algumas partes metal ("Usuário"). Como é desenvolver as músicas dentro desta proposta?

Hugo - Como dito anteriormente, nós quatro temos preferências musicais distintas e cada um tenta colocar seu tempero próprio na composição de cada faixa, o que deixa o processo de composição bem democrático. Essa mescla de gêneros acabou contribuindo pra nossa marca como banda e foi se transformando numa de nossas principais propostas. Se apegar a um único estilo e seguir uma receita de bolo pra compor as músicas nos limitaria bastante. Gostamos de transitar entre todas as manifestações do punk (e alguns outros gêneros) pra compor nossa identidade, sem barreiras criativas. A tosquice é a cereja do bolo desse rolê.

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Os vocais conseguem trabalhar em duas frentes: limpos e sarcásticos e graves e rasgados. Como escolher quais partes devem soar dentro das músicas?

Hugo - Os vocais da Sakim foram mudando bastante desde nossos primeiros singles, lançados em 2019. Hoje me sinto bem mais solto pra cantar com meu timbre natural nas partes em que encaixo a voz limpa. O mesmo com os guturais, hoje os faço bem mais rasgados do que o drive que costumava usar no começo. A ideia sempre foi essa, mesclar estilos e encaixar uma voz específica conforme o feeling da música. Algumas passagens de voz são planejadas previamente (como "Vô Mito", com uma voz grave no meio travando um diálogo com a voz principal), outras vão se construindo durante os ensaios. Como uma das nossas propostas é a de não ficarmos presos a uma coisa só, qualquer hora posso aparecer com uma voz diferente pra alguma canção e tudo bem, o que importa é que a interpretação faça jus ao que a canção pede. Essa versatilidade na voz foi uma das razões pelas quais o André pensou em mim como vocalista quando a Sakim sequer era a Sakim ainda (risos). Do ponto de vista criativo, acho essa liberdade de interpretação bastante enriquecedora pra proposta da banda e é perfeitamente condizente com minha visão de arte.

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É evidente a crítica política nas letras, até mesmo nos nomes das faixas. Em tempos de polarização política do país, vocês tiveram algumas diferenças com alguém por conta dessas críticas?

Krnero - Acho que todo mundo que se posiciona politicamente acabou tendo desavenças. Não foi um momento fácil pro país e a extrema direita se mostrou cada vez mais violenta e preconceituosa. Na nossa cidade mesmo a gente nunca teve o mínimo reconhecimento ou oportunidade de tocar, já que é uma das cidades mais bolsonaristas da região e um dos nossos vereadores (que foi uma das pessoas que mais teve encontro com o presidente em Brasília) é organizador cultural que, claramente, só fomenta os artistas aliados do agro. A própria banda tem suas divergências políticas, mas todos são anti-Bolsonaro e, acredito que como todos que se posicionaram anti-Bolsonaro, tiveram divergências por aí...

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Hugo - Dentro dos meus círculos íntimos eu não tive nenhuma desavença, nem mesmo dentro da família. Tenho essa sorte de não ter vindo de berço reacionário. Claro que durante o dia a dia é impossível não estarmos em contato com bolsominions, ainda mais onde a gente vive, mas com estas pessoas aleatórias do cotidiano eu não entro em discussão desnecessária. Seleciono muito bem com quem ando e quem mantenho nas redes sociais, bolsominion passa fora, quero distância e não vejo nada negativo nessa polarização, bom pra mostrar quem deve ser mantido fora de nossos convívios. Deixo a tarefa de tentar convencer os convertidos radicais a quem tem paciência, bagagem retórica e política pra tal, eu mesmo quero que essa gente se foda bem longe de mim.

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A qualidade sonora é muito boa, creditados aos "Estúdios Secretos da Quinta Série Records". Mais uma bem humorada referência ao um home estúdio. Como foi a produção?

Hugo - Todo nosso processo de produção é feito de maneira 100% independente, ao mais puro "do it yourself". Quando tivemos a chance de poder montar um home-studio e adquirirmos todo o equipo necessário pra conduzir nossas gravações, eu me dediquei aos estudos de produção pra virar "o moço do som" da Sakim. Foi meu ofício pandêmico durante o isolamento (risos). E claro, há um processo contínuo de aprendizado que só se adquire praticando, percebe-se pela diferença das mixagens e tratamento final do nosso primeiro EP, minha primeira experiência produzindo a banda do zero, para este trabalho mais recente. Nossas gravações ocorrem de maneira fracionada, um instrumento por vez, começando pela batera e terminando nas vozes e não temos tantas frescuras quanto ao tratamento acústico. Isso aqui é ainda é punk, pô! (risos). Por exemplo, a bateria de ambos os trabalhos foi gravada no pátio da escola onde o André trabalha como professor, e que usamos como nosso local de ensaio desde o princípio. Já as guitas do "Vórts" foram gravadas no quintal do Rafa, em meio a um churrasco, pessoal comendo carne e bebendo de um lado e a gente gravando do outro, apertou REC era "OU, FAZ SILÊNCIO TODO MUNDO AÍ", é um barato! Já os vocais eu faço em casa sozinho com mais calma, mas acho que jamais fiz uma gravação dessas sóbrio. E tá ótimo, é um processo que pertence e que parte 100% da gente, isso torna o envolvimento com a obra bem maior e por vezes rende uns bons causos pra contar.

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O registro anterior "Cantigas Pedagógicas Aprovadas pelo MEC" teve 7 faixas. Desta vez "Vórts" veio com 6. Não houve plano para um disco inteiro?

Hugo - Oh, sim, nós já possuímos uma noção de como nosso primeiro álbum será. Ele já possui título e 11 canções prontas para uma setlist que planejamos contar com 16 faixas, aproximadamente. Algumas destas canções estão no nosso "banco de reserva" tem mais de ano, outras foram criadas pensando justamente na concepção do disco e nunca foram ensaiadas antes. Pensávamos em começar sua produção ainda este ano, mas também já tínhamos essa ideia de regravarmos alguns singles antigos e lançarmos em formato de split com outra banda. O split não pintou e como as eleições estavam se aproximando, pensamos em transformar este trabalho num pequeno EP pra ser lançado até a data do pleito. Além das regravações, apresentamos duas faixas inéditas. A faixa "Pau no Guedes" era uma das canções escaladas originalmente pro nosso disco, mas como corre a chance (assim esperamos) do dito cujo não ser mais o Ministro da Economia no próximo ano, decidimos incluí-la no trabalho para não perdermos esse timing. "Massud 8" é uma das velhinhas do nosso repertório, mas nunca havíamos a registrado antes, em single e nem nada, daí resolvemos incluí-la também. Nosso disco completo vai ficar pro próximo ano.

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Houve o lançamento de um clipe oficial, "Coronalive". Algum plano para clipes de alguma faixa de "Vórts"?

Hugo - O "Coronalive" foi um show nosso que foi transmitido ao vivo durante a pandemia. Fizemos este show via edital municipal da Lei Aldir Blanc, que forneceu auxílio aos trabalhadores da cultura durante esse período tenebroso do corona virus. Esse show nos proporcionou a grana necessária para que a gente pudesse comprar todos nossos equipamentos de gravação. Mesa, kits de microfone, monitores de áudio e a parafernália toda pro nosso home estúdio. Tosquice sem fim esse registro, mas foi importante demais pra gente fazer as coisas começarem a andar. Com relação a clipes, já sondamos diversas canções que renderiam clipes fodas, do "Cantigas Pedagógicas" a estas composições do "Vórts", que são mais antigas. Até agora não demos o pontapé pra produção de um clipe nosso, provavelmente no futuro coloquemos a mão na massa pra desenrolar.

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Como tem sido os shows da banda? Rolando muitos pontos pelo estado e/ou fora dele?

Hugo - Nossos shows costumam ter uma resposta bem legal do público, tem lugares em que vamos que o pessoal vem cantar junto e isso é um barato! E como vocal, faço o máximo pra interagir com a galera assistindo, vou pro meio do pessoal durante as músicas tentando animar o mosh, faço piada, entre outros artifícios performáticos pra atrair o gosto do pessoal. Nossa banda é um bebê ainda, quatro aninhos. Contando que metade desse tempo passamos impossibilitados de organizar os rolês por causa da pandemia, nós não rodamos muito por aí ainda. Nossos shows até agora têm rolado aqui nas cidades da região, ainda não tivemos a chance de levar nosso barulho pra fora dos domínios do DDD 17 (risos). Aliás, se alguém aí tiver lendo isso e quiser chamar a gente pra tocar na sua cidade ou estado, chama nóis, que nóis vai, pô! Dando aquela força pro combusta, tá sussa! Vai que... hahaha!

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Lembrança de algum show especial por algum motivo?

Krnero - O último show que a gente tocou em Rio Preto foi bem massa. Encontramos muita gente conhecida que fazia tempos que não víamos, fizemos amigos novos com a galera do Ação Direta e Social Chaos. Mas eu achei muito traia que, por causa do vídeo de divulgação que fizemos imitando os vídeos virais do Toguro, umas vinte vezes no rolê alguém apontava pra mim e falava: "em pleno ano de 2022..."

Quais os planos pro futuro da banda?

Hugo - Bem, por agora, pretendemos dar continuidade ao processo de concepção do nosso primeiro álbum, compor algumas faixas novas e trabalhar nas que já estão prontas pra deixar o disquinho bem apetitoso. Além disso, ir encostando nos rolês sempre que chamarem a gente e esperamos que tenham mais rolês em breve! Tocamos recentemente num festzinho incrível em Rio Preto e estamos com sangue nos zóio pra mais doses!

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Como tem sentido a aceitação na banda na cena punk/HC do Brasil?

Hugo - Oh, a aceitação tem sido incrível, ainda mais pra uma banda tão novinha. A gente conseguiu chegar em diversos lugares, concebemos uma série de entrevistas, fomos parar até numa rádio da Argentina com nosso som. Aos poucos a gente vai mostrando nossa proposta e ficamos satisfeitos demais com a atenção que vemos conseguido desde então. Onde tocamos sempre recebemos uma aceitação foda do pessoal e os comentários que fazem pra gente depois deixam a gente com sorriso de orelha a orelha. Já fomos em shows aqui na região em que haviam pessoas que chegavam na gente dizendo que estavam lá só pra nos ver, ou que nunca haviam encostado numa gig de punk/metal antes e que adoraram ver nossa apresentação. Satisfatório pra caralho essas coisas, dá um gás pra continuar o trampo. E é isso, a gente faz isso por amor, underground é isso, essa camaradagem. Ninguém ganha nada com essa porra, a gente quer é levar nosso som pra onde puder, entrar na quebradeira com o pessoal e levar nossa mensagem adiante.

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Certa vez, uma das mais representativas figuras do punk nacional, João Gordo, disse que o punk teria mais a cara do Brasil do que da Inglaterra, devido às inconstâncias econômicas e injustiças sociais que o país sofreu e sofre há décadas. E nada mais apropriado para uma formação deste segmento, como é o caso do Sakim, dedicar sua expressão líricas para críticas sociais e políticas.

Apesar da faceta satírica e de humor ácido que a banda carrega (até no nome), o Sakim põe seriedade em sua proposta sonora, mostrando, como "Vórts" comprova, bastante cuidado na elaboração e produção dos temas. Provando que o punk/hardcore está muito vivo na cena nacional, dentro das características que marcaram o estilo no país, desde o final dos anos 1970.

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Sobre Júlio Verdi

Júlio Verdi, 45 anos, consome rock desde 1981. Já manteve coluna de rock em jornal até 1996, com diversas entrevistas e resenhas. Mantém blogs sobre rock (Ready to Rock e Rock Opinion) e colabora com alguns sites. Em 2013 lançou o livro ¨A HISTÓRIA DO ROCK DE RIO PRETO¨, capa dura, 856 páginas, trazendo 50 de história do estilo na cidade de São José do Rio Preto/SP, com centenas de fotos, mais de 250 bandas, estúdios, bares, lojas, festivais e muitos outros eventos. Curte rock de todas as tendências, em especial heavy metal e thrash metal.
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