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AC/DC: E precisa dizer alguma coisa sobre Back in Black?

Resenha - Back in Black - AC/DC

Por Rodrigo Contrera
Postado em 13 de novembro de 2016

Eu estava casado, e nós íamos muito a livrarias, porque era o lugar em que eu me sentia bem. Procurava livros sobre autores de minha preferência, e ela gostava de me acompanhar - ou aos poucos aturava. Uma noite, fomos à Cultura do Villa-Lobos mais uma vez, e um atendente me mostrou um CD do AC/DC, banda que eu conhecia, e do qual ele me disse: fundamental. O CD estava meio zoado, e era da nova série de CDs que a banda lançara na década de 90, com encartes em que sua importância era lavrada. Eu confesso que não entendia muito de rock - e nem sei se queria entender. Nem sei sequer se ouvi o CD antes de levá-lo. Confiei no sujeito e levei. Era "Back in Black".

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Tenho o CD até hoje. Muitos irão dizer que é o melhor da banda - eu não sei. Outros irão brigar, dizendo que é inestimável, e o caralho a quatro. Eu não sei. Só sei que fui ouvindo-o aos poucos, e que foi com ele que passei a me aproximar do que era rock de verdade. Desculpem-me os headbangers, mas o heavy metal dos 80 havia causado uma impressão bastante forte em mim, sim, e eu havia entrado por meio dos LPs comprados na seara dos neoclássicos e com isso pirado até bastante. Mas eu soube o que era rock por meio do Back in Black. Disso tenho a mais absoluta certeza.

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Este artigo, dessa forma, não é um artigo de fanático que conhece tudo da banda. Nem é um artigo de alguém que pesquisou adoidado sobre o LP (CD), e que por isso tem muito a dividir com vocês. É um artigo de um fã tardio que não sabia o que era rock até conhecer este CD. E que passou a ter uma relação com o rock bastante complicada em função disso, do fato de ter conhecido tardiamente o gênero, e de seu gosto (o meu) ter em parte sido responsável por perder a sua esposa, que andava noutras direções, e que não mais curtia as curtições deste adolescente com mais de 40 anos de idade. Ainda lamento a separação, claro. Mas não lamento ter conhecido tudo isto, e o fato de tudo isto ter me conduzido aonde levou (à quase perdição).

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O disco

Antes de entrar nas faixas (admito que devo ser meio chato), analisemos o disco. Pela história, ele já mereceria um destaque merecido na discografia da banda. A retomada da estrada depois da morte do queridão Bon Scott. Lembro-me de ter lido em uma biografia do AC/DC. Os caras estavam no tacho. Não havia motivação para retomar a carreira, as lembranças consumiam os membros, e a tristeza dominava tudo. Ocorre que esse é aquele momento em que temos que chutar o pau da barraca. Em que é preciso superar ou realmente parar. Em que a vontade precisa decidir. Porque senão, seria o pior. E é isso o que o disco é. Uma retomada por cima. Assumindo o baque, mas destruindo e superando qualquer má expectativa. E é isso o que ele parece. Uma espécie de disco pós-ressaca. Isso eu vim descobrir meio tarde - digo, pela informação -, mas com o clima que aparecia já dava para entender o recado. Uma porrada. A maior possível.

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Hells Bells

(Tirando os sinos), os acordes da faixa de abertura já deixam claro que aqui o tom é de uma retomada. Sentimos o baque, e que nada é nem será o mesmo daqui por diante. Quando a guitarra assume o comando de tudo é que sentimos que estamos diante de uma banda com sangue nas veias. Algo sem romance, sem romantismo, sem saudosismo, nem nada. Já ali eles deixam claro que vieram para ficar. Porque, se poderiam ter parado, teria sido ali, naquele exato momento em que perderam vocalista de tal tamanho, com carisma, voz e postura. E é quando o Brian mostra que agora o tom é levemente diverso (ou muito, para quem acha que isso importa). Mas a banda está inteira, na mesma, dominando o panorama. Uma faixa que domina e que dá o tom de tudo o que virá a seguir, mais rápido, mais lento, mas sempre determinante.

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Shoot to Thrill

Aí o tom acelera. Meio que para dizer quem é a trupe que toca. Com uma pegada que quase faz estranhar, afinal sabemos por que é que eles estão passando. Imaginamos a trupe fazendo jus ao estilo de vida de Scott, tentando homenageá-lo, ou mesmo apenas jogando para fora suas próprias convicções de vida no relacionamento com o sexo oposto. Algo que surpreende, até pela acidez da letra, pelo caráter mulambento dos personagens envolvidos, e pela classe com que todos eles mandam tudo às favas. No meu caso, que fique claro que eu não entendia muito bem a letra da música quando a cantava, a plenos pulmões, nas viagens a trabalho que eu fazia. E que eu não compartilhava com esse estilo de vida na prática. Era um homem casado, com emprego fixo, com até um certo cargo a fazer jus, em suma, eu navegava em outros mares. Mas cantava, cantava, e cantava, sem me importar com o trânsito, com os problemas na estrada, ou com a impressão que poderia causar a qualquer um. Fato é que ninguém via nem acompanhava minhas cantorias, e que eu me adaptava ao estilo da banda com este CD que acabava de me cair nas mãos. Eu era um neófito, como ainda quase sou. Claro, depois li e pesquisei, mas até pelo foco do CD eu não me motivava a sair do som. Eu ficava nela e curtia.

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What do you do for Money Honey

Aqui o ritmo diminuía, mas o pique se mantinha. Eu - novamente - não entendia nada de nada da letra, e só ficava com o refrão, tentando adivinhar o resto. Note-se que na época não havia a facilidade das letras traduzidas de hoje, e que a gente também não requeria tanto isso. Minha relação com o inglês sempre fora problemática, e eu não implorava por entender isto. Simplesmente curtia a melodia, os gritos e tudo mais. Uma faixa comum, mas acima da média em relação a tudo o que eu conhecia para faixas B. Mas eu assobiava os solos, porque estes era possível, e tentava entender o que tudo isso significava a mim, enquanto homem, cheio de problemas a lidar. Mas era uma faixa que continuava apenas o pique inicial. Terminando com uma espécie de grito que eu repetia, nas viagens.

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Givin the Dog a Bone

Lembro-me bem de quando eu ouvia esta música no carro, a caminho de entrevistas. Geralmente eu me encontrava em algum posto, ou me preparando para sair, e encarava a deixa desta maravilha como uma forma de me esgoelar e jogar para fora a energia de um sujeito na flor da idade em busca de algumas sensações diferenciadas. Porque aqui, como quase sempre, vemos a mulher em sua forma dominante tomando conta de nós, e nos colocando em nosso lugar. Como eu iria saber que no futuro bastante distante eu iria passar por exatamente isso, com uma mulher que parece não ter tanto a ver comigo mas que geralmente me tira do sério e me deixa babando, sendo vizinha, e com a qual estabeleci uma profunda e duradoura amizade? Eu não poderia saber. Mas foi o que aconteceu.

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A música tem uma pegada como quase nenhuma outra. Avança sorrateira, e domina a paisagem. Como que nos vemos babando diante de alguém, e a música expressa exatamente isso. Uma baba que eu não consegui desenvolver com minha então esposa, e que poucas mulheres conseguiram em mim. Porque eu sempre fui um cara arredio, extremamente tímido por um lado, mas bastante grosso por outro. Um cara duro na queda, difícil de conquistar, difícil de amaciar (tanto que minha então esposa desistiu). Ocorre que esta música é feita para isso, para nos admitirmos vencidos, para supô-La acima de nós, nos dominando e nos dando o que realmente queremos - lá no fundo de nossa alma. Talvez um dos maiores pontos fortes deste disco que parece não ter pontos fracos, planícies, lugares para descansarmos. Não tem.

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Let me put my love into you

Quem conhece bem esta balada tende a ouvir um "baby" bem no final do título, porque é assim que ela aparece na faixa. Com um baby meio lacrimoso ou lamentoso ou implorante de um sujeito que parece apenas começar a usufruir da garota que quer. Essa que ele realmente quer, que deseja. Claro, a faixa tem todo um quê de cafajeste, na medida em que implora para colocar o amor dentro dela, como numa transa bastante gostosa. Mas ela também tem um quê romântico à la antiga, porque afinal ele implora por algo que quer, quase acima do seu próprio querer, algo presente em seu íntimo de animal desejante, de cachorro querendo trepar, mesmo que na rua. Lembro-me como uma garota falou bem assim comigo, e como eu mesmo assim relutei, e não fomos afinal para a cama. Porque não havia cabimento para tal, porque eu não queria, porque parecia apenas um momento de leveza, que não precisava acabar com os corpos sedentos e em fúria. Esse evento, aconteceu bastante depois, e bem separado daquela época em que minha esposa me perseguia, talvez achando-se pouco desejosa, quando na verdade o problema estava em mim. Mas aqui a faixa é outra coisa. É simplesmente sexo, embora reacenda a algo de amor, lá no fundo. Algo por que eu gostaria de passar com minha fixação atual. Se bem que, bom, deixa.

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Back in Black

Bom, aí chegamos ao hit do CD, o hit por excelência que dá o seu nome e sua energia. Back in black. Na época em que comprei o CD, eu mal conhecia a história da banda, mas um dia vieram a cair nos meus ouvidos as histórias sobre Bon Scott. Nessa época, eu já gostava da pegada mais blues da banda, e até cantava alguns de seus sucessos. Mas não sabia como deveria do choque que foi a morte dele para todos. Nem sabia da energia necessária que eles precisaram desenvolver para pegar de novo o pique e a estrada. Bom, esta faixa dá bem uma ideia de tudo isso, e de como a convicção dessa trupe de caras relativamente tranquilos de vida precisou ser levada ao máximo para conduzi-los de novo ao estrelato.

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Eu fico imaginando a cena. O pessoal reunido após a morte desse que foi para muitos o maior vocalista dos australianos, e da necessidade de pegar de novo no batente, com um estreante que vinha com tudo - mas que talvez não captasse direito a responsa. Ocorre que todos captaram a energia e que todos entenderam que o show não poderia parar. Quanto à faixa em si, é uma das mais paradas que conheço, dentre todas as de metal que realmente me convencem. Mas é tão e tão bem feita e gravada que não imaginamos sequer qualquer remendo a fazer. É nela também que o Brian Johnson estabelece sua marca, e que meio que diz para todos que agora o som deverá ser mais pesado do que antes. Porque é mais pesado. E a responsa também é.

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You Shook Me All Night Long

Bom, hoje sou um tiozinho ou tiozão bastante tranquilo, que frequenta igreja e tudo mais. Mas nessa época eu buscava uma orientação para meus gostos, para minhas crenças, e para tudo que envolvesse alguma convicção de postura. E eu não achava. Trabalhava na editora, me dava bem mal com meus colegas, queria apenas me dedicar ao assunto em si, e saía muito para visitar clientes (primeiro, no meu Uno, depois num Classic que praticamente ganhei de presente). Nesse sentido, não tinha muito espaço para experimentar ser alguém de minha idade, e nas saídas, quando me metia a ouvir as fitas K-7 com o AC/DC, eu simplesmente curtia a música. O que significa que eu não entendia as letras que me eram ditas, apenas vislumbrava algum sentido nelas. Como neste hit dos maiores que deixa no chinelo quase qualquer outro hit de banda da mesma época. Porque passa a energia jovem de quem gosta de alguém. Porque parece ambientada à noite, naqueles bares em que gostaríamos de nos entrosar com alguém. Porque expressa bem claramente a fixação que temos por alguém que nos deixa a ver navios na vida, apenas com o seu jeito de ser. Nada mais gostoso de curtir, e uma das faixas mais claramente roqueiras da banda, como um todo.

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Have a Drink on Me

Nessa época, eu também não fora apresentado à bebida, ou aos hábitos notívagos (ou diurnos) de quem bebe, seja lá por que razão for. Isso eu vim experimentar muito mais tarde, quando investi numa breve carreira como ator bissexto (em pequenos papéis, num pequeno teatro), e como diretor de um grupo montado por mim para apresentar breves e potentes cenas. Foi com o pessoal daquele teatro em especial (o Cemitério de Automóveis) que eu iria aprender a beber, já bastante distante de meu casamento (que gorara há anos), e sem muita orientação a tomar para a vida. Mas não creiam que caí na bebida como um desesperado. Fui com muito cuidado, ainda meio apalermado com o caso do meu pai, que se viu em belas enrascadas com a bebida, qualquer uma, e mesmo a mais barata. Eu comecei aos poucos, com cervejas bem leves, e somente bastante tempo depois recaí por algumas semanas em cachaça, que bebia quase inteira já de manhã, envolvido emocionalmente com uma vizinha.

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A forma alegre que esta faixa utiliza para celebrar a bebida era, e sempre foi, algo bastante estranho portanto para mim. Eu bebi no teatro para tentar me entrosar - até porque sem bebida, naquele local, é bastante chato de ficar -, depois bebi para tentar aguçar meu paladar - especialmente vinho -, e só recaí mesmo na cachaça porque ela era a opção mais barata e mais forte que eu tinha para tentar esquecer ou me esquecer. Mas nunca sofri a menor queda para beberrão. Sempre me controlei muito, e larguei de tudo com a maior facilidade. Nesse sentido, entendo a pegada da faixa, de celebração, algo bem dionisíaco, para entendidos nos gêneros de bebida, mas nunca embarquei realmente naquilo. Hoje sei, claro, quem não tem traquejo na área (muitos que aparecem e que não aguentam realmente não têm); também sei quem aguenta e não faz nada, e quem sabe parar (para saber beber é preciso antes de mais nada saber parar). Mas não entendo a bebida como uma saída pela tangente para a vida para curti-la melhor. Ao contrário, considero a bebida quase sempre uma escapatória covarde. Mas deixemos isso para lá, porque não é isso que conta. Conta que a faixa é celebrativa, e muito gostosa de ouvir, realmente para cima, uma faixa de quem gosta da vida.

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Shake a Leg

Lembro-me de como, ao chegar a esta faixa, eu meio que já prenunciava o hino que iria ser declamado na última (que comentarei na hora). Porque talvez eu não me sentisse realmente tão afastado da normalidade para assumir uma postura fora da lei como esta faixa faz. Claro, eu meio que queria sair fora dos trilhos, mas não tinha coragem. Não tinha costume com garotas, não tinha traquejo de noite, não sabia beber, em suma, eu não sabia praticamente nada. Bem ao contrário de hoje, em que me pego amedrontando (sem querer) gentinha que insiste em manter o olhar contra mim (só esta semana foram dois); bem ao contrário de hoje, em que consigo dominar as conversas, embora não queira isso mais (pois quero mais é ficar na minha). Esta faixa, então, reacendia uma rebeldia que eu apenas tinha em teoria, que não abraçara de vez, e pela qual não tinha coragem de pagar uns míseros centavos. Mas a faixa era agitada, animada, bem tocada, e me animava até o fim da fita, quando chegava aquele hino do qual falei.

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Rock and Roll Ain't Noise Pollution

Esta, eu cantava a plenos pulmões. E sabia o que significava. E reacendia a liberdade, a uma liberdade a que eu ainda não fizera jus. Porque com esta faixa eu entendia a pegada do gênero, e me aproximava para valer do rock pesado, sem passar antes pelo heavy metal melódico. Porque esta faixa, e este CD, foram fundamentais para que eu ultrapassasse uma barreira, para que eu afinal entendesse em primeira mão o que era rock para valer - e para que com isso talvez perdesse a ingenuidade de outrora. Foi por meio de Back in Black, o CD, que eu realmente comecei a entender que havia outro mundo a percorrer, a gozar, e a aproveitar. Foi por meio dele que eu passei a estabelecer limites aos outros, e que comecei a estourar os meus. Porque foi com ele que finalmente, após bastante estridência (este, nem é tanto nesse quesito), eu entendi o que era rock. Não foi tarde. Foi providencial.

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Não vendo o CD nem que a vaca tussa.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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