Yngwie Malmsteen: A exultação egóica de um sonho
Resenha - Concerto Suite for Electric Guitar and Orchestra - Yngwie Malmsteen
Por Rodrigo Contrera
Postado em 10 de setembro de 2016
Nesta resenha que irei fazer aqui agora, não irei necessariamente analisar ou resenhar o CD do sueco Yngwie J. Malmsteen, do Concerto Suíte, mas tentar, ao analisá-lo brevemente, comparar sua abordagem musical da de alguns de seus maiores ídolos, no caso, da música erudita e do universo musical dos chamados prodígios, em instrumentos eruditos, nos séculos anteriores (embora, também, vá fazer, em alguma instância, isso mesmo). Pois creio que ele, Yngwie, em seu esforço de fazer esse concerto, com a Filarmônica Tcheca, quis de alguma forma fazer uma homenagem a esse tipo de abordagem, sob outra roupagem (ao menos parcial). E, nesse sentido, cabe avaliarmos se ele conseguiu seu intento, ou o que nós recebemos dessa sua vontade. Claro que não tentarei ser exaustivo, nem eminentemente objetivo nessa minha análise. Isto é uma resenha bastante subjetiva, e nesse sentido me aterei a uma avaliação meramente pessoal.
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Nas décadas de 80 e 90, eu começava a me familiarizar com aqueles concertos em que um solista sobressaía, normalmente um violinista - isso no caso da música erudita. Não eram, naqueles casos, exemplos de músicas muito ambiciosas. Eram mais composições de ocasião, que eu imaginava sendo apresentadas em concertos, em teatros ou mesmo lugares menos formais. Os maiores nomes que eu ouvia, à época, incluíam Paganini, uma das maiores referências do sueco que aqui tento resenhar. Por suas virtudes enquanto compositor, claro, mas, mais ainda, enquanto virtuoso, que parecia sobressair a tal ponto no seu contexto que assumia um caráter quase diabólico (como muitos lhes atribuem ainda hoje, mesmo em outros instrumentos). Esse caráter egóico de suas atividades também me atraía muito, devo confessar. A questão mais relevante, aqui, creio ser a fruição da habilidade do instrumentista, claro. Mas também havia o fato de ele poder improvisar, e fazer algo inesperado, que abrisse os olhos. Ou, nesse esforço, poder apresentar uma saída musical impressionante a algo que poderia ser maçante - um derivado do argumento anterior. Seja como for: a possibilidade de abordar obras menores não era o que mais falava contra a atratividade desses concertos; mas a possibilidade de abordar temas acessíveis de forma surpreendente era, aparentemente, o que mais atraía. Como, aliás, vemos nas diversas coletâneas de concertos desses violinistas, que deixaram sua solene marca (irei postá-las, aqui, indiscriminadamente).
Noto, em primeiro lugar, que naqueles concertos que utilizam um solista improvisador (como Paganini era), a composição algumas vezes era dele mesmo, e outras, não. Mas que geralmente havia um espaço bastante considerável para a orquestra introduzir o tema, assim como variações. Nesse sentido, a gente parecia se acostumar com a ideia de haver algo maior - a música - a ser apresentado e respeitado, sendo que o solista podia fazer seu trabalho a partir desse algo maior. Não nos sentimos, nesse sentido, amassados pelo ego do intérprete, ou somente sentimos isso em determinados momentos, quando ele, digamos, exagera, e se expande demais, para além da obra em si, ou da música em particular. Não creio que seja acaso que esse tipo de abordagem musical tenha florescido em particular em épocas dominadas pelo afã romântico, pelo engrandecimento do eu, da vontade particular. Nem vejo, claro, nada de errado nisso. Simplesmente esses gêneros parecem, ao menos em parte, pelo menos, grande frutos de época, e de momentos até filosóficos, por que não dizer.
Creio que muito das características inerentes a esse tipo de música (e de espetáculo, é bom ressaltar) se deva a que, naquela época, a burguesia reinante (ao menos enquanto hegemonia de pensamento) estava se formando naqueles séculos, na Europa, e que ela já parecia recusar formatos excessivamente pomposos, da nobreza, em que a música havia sido de índole eminentemente religiosa ou que havia sido feita com o intuito de ser apresentada em grandes ambientes fortalecendo ou aprimorando a figura do compositor, e em que os destaques estavam com temas maiores, digamos religiosos ou relacionados a grandes temas, retirados de romances, por exemplo. Aqui neste caso o violinista deixava um pouco de lado o fato de ser um joguete no meio da orquestra e se apoiava em sua técnica e seus dotes musicais (inclusive intelectuais) para se destacar e mostrar algo que parecia comprovar como sendo inédito e fora do comum. Era um prodígio, como já tinham havido, mas um prodígio que suplantara os limites pré-estabelecidos para ele mesmo por parte da sociedade e se apresentava, agora, como um músico de renome, em lugares públicos ou fechados, mas de algum luxo, ou mesmo muito luxo, e meio que disputava com os grandes nomes (compositores, por exemplo), já estabelecidos, para estabelecer sua marca. Aqui é bom ressaltar a questão da marca, algo que o ego, no romantismo, tanto prezava. Uma forma de ver o mundo, uma forma especial, e acima de tudo meritória. Não tenho muitos livros sobre essa época, mas essas inferências retiro de minha suficiente educação musical e relativa ao contexto histórico em que essa música sobressaía (no futuro, talvez eu entre em maiores detalhes, porque o que ocorre hoje é de meu maior interesse).
Agora, voltemos às décadas em que Yngwie surgiu, se expandiu e ao momento específico em que ele lançou este CD. O rock já havia, naquele então, passado por diversas etapas. Não irei entrar nelas, só irei dizer que naquela época as bandas não estavam mais restritas àquele time de bandas de rock pesado impossíveis de ultrapassar (Led, Deep), nem às bandas mais comedidas mas que iriam estourar posteriormente (como AC/DC, Scorpions, Iron), nem às chamadas bandas intelectualizadas (tipo Rush e Pink Floyd). Havia também as bandas comerciais, e aqueles meteoros que de vez em quando faziam sucesso e depois sumiam. Mas a questão é que, naquela época, o panorama era dominado por bandas. O rock era a pegada majoritária, claro, e havia espaço para novas tendências. Mas, embora a ideia genérica da época não estivesse sob o controle de UMA vertente em especial, a ideia de banda era o que dominava. Nesse panorama, os indivíduos, os instrumentistas, iam de uma banda à outra, e acrescentavam ou não a depender de seus méritos, mas não havia - embora houvesse exceções - tanto espaço assim para o talento instrumental específico sobressair. Claro que um Gilmour fazia toda a diferença naquilo que ele fazia, assim como um Brian May, ou um Lemmy, mas eram talentos que se encaixavam, ao menos aparentemente, em algo maior. Isso iria mudar um pouco com a década dos guitarristas neoclássicos. O pontapé inicial para isso iria ser dado pelo próprio sueco, por sua paixão incontrolável por esses dois mundos, o do rock clássico e o da música erudita. Ele, claro, iria ser seguido por muitos.
Nesse afã por criar algo que correspondesse à sua visão de mundo, a gente já intuía que ele queria meio que retomar a ideia dos virtuosos da antiga, os violinistas como Paganini, ou mesmo dos menos conhecidos, como Jasha Heifetz, que criaram a sua marca na música daquele tempo, ou ao menos no circuito orquestral que atraía a atenção das pessoas com bastante dinheiro (Heifetz fez temporada no Teatro Municipal, em São Paulo, inclusive). Nesse afã, contudo, Yngwie não queria algo que iria ser feito depois, um rock sinfônico, nem progressivo sinfônico, necessariamente. Ele parecia querer reviver uma época em que um solista podia fazer as vezes de um Paganini numa orquestra para tocar composições novas, ou retiradas do próprio repertório do solista, o que fez neste CD. Nesse sentido, o próprio divulgador do CD, no YouTube, ressalta o desejo do guitarrista. Combinar duas sonoridades, e dois universos, em suma combinar coisas que aparentemente não se tocam, em nome de algo maior, a música e talvez o ego do guitarrista. Terá ele conseguido isso? Cada um tem a sua resposta. Mas eu aqui chamo a atenção para as diferenças entre as posturas, tanto no que havia sido feito, quanto no que resultou do esforço. E não são pequenas essas diferenças.
Claro que os tempos não voltam. E o sueco sabe bem disso. Mas ele gosta do que gosta, e quer mostrar como aquilo de que ele gosta pode soar bem do jeito como ele acredita. E esse CD é a primeira oportunidade que ele tem para realmente fazer isso. E o faz com uma orquestra tcheca. Algo que pode ter se devido ao custo, ou ao fato de se ambientar num contexto realmente antigo, afinal, a Tchecoslováquia é uma sociedade antiga, dominada ora por uns ora por outros mas extremamente apegada às suas origens e aos seus dramas. Note-se por outro lado que conjugar ambos universos pode parecer estranho e inadequado para muitos, especialmente dos países mais bem colocados no ranking de qualidade. E por outro lado notemos que o sueco precisava de uma orquestra que seguisse os seus desígnios, e que fosse obediente e sensível o suficiente para se deixar influenciar por eles, durante o concerto. Pois sabemos o quanto uma orquestra de Londres trabalhou contra Frank Zappa na hora de ele colocar as mãos na massa no sentido de pôr suas músicas em ambiente orquestral (os caras saíam para beber, e voltavam chapados na hora das gravações). Esses resquícios de resistência o sueco deve ter vislumbrado, e mesmo percebido. E sabemos como ele, enquanto pessoa, é difícil. Então, nem imagino claramente como devem ter sido as gravações. Mas havia todo um cuidado, na intenção, em passar uma impressão, que a meu ver ele passa com louvor. Uma impressão de rigor mas ao mesmo tempo de exultação egóica de um sonho.
Mas vamos ao CD. Uma das músicas mais marcantes na carreira deste guitarrista, enquanto efeito que devem ter causado em sua plateia, é, se não me engano, "Icarus Dream, Suíte, Op. 8", que apareceu no CD de estreia dele, "Rising Force" - nome de sua banda à época. Mas o tema de Ícaro aparece, na faixa do CD de estreia, num arranjo todo particular, que dá um destaque especial à guitarra e à pegada rock da faixa. Neste caso, porém, o tema aparece num outro tratamento, como Fanfarra, e com o todo inteiramente mudado. Mas o fã nota a referência, na verdade autorreferência, e exulta, porque aqui o acompanhamento erudito é mais portentoso e domina a cena. Nesse aspecto em particular, embora numa primeira leitura eu achasse que o Yngwie havia pegado pesado demais em sua inclusão na faixa, e na escolha dessa faixa em particular para abrir a nova obra, acho que ele foi particularmente feliz. Pois percebe-se um ar ao mesmo tempo majestoso em tudo, em que a guitarra entra como acompanhamento, e sola de forma a respeitar o todo, e mais ainda, sendo mais importante, acompanha a orquestra no tema, mostrando-se num afã de entrar, se imiscuir, e representar a entrada da guitarra em cena orquestral. Em suma, aquilo que antes eu considerava egóico hoje vejo de outra forma, quase humilde, na verdade honesto ao promover o que ele parece sempre ter querido, desejado, que é incluir a guitarra elétrica na paixão pela música erudita como um todo, e na erudita autoral em particular. Porque notamos que, ao contrário de um Uli John Roth, Yngwie vê a beleza no eminentemente autoral, o que também o aproxima dos virtuosos anteriores, de um Paganini ou mesmo de um Liszt. Essa é então a sua praia, e não a de simples ou respeitosamente transpor a música erudita para outros instrumentos. Yngwie quer é se expressar.
Por outro lado, a gente nota também que o sueco quer algo mais. Pois ouvindo alguns de seus admiradores - e alguns destes são gente da pesada -, a gente nota que muitos deles comentam nas conquistas, em termos técnicos, que Yngwie teria alcançado em seu afã por aproximar esses universos, o rock da música erudita. Claro que, embora eu não consiga avaliar que conquistas técnicas teriam sido essas, a gente nota um respeito acachapante e uma paixão quase comovente na forma como ele, Yngwie, trata as músicas eruditas, ou mesmo pequenos trechos delas, quando as reproduz em seu instrumento (embora ele saiba tocar outros, como baixo). Porque é, ouvindo-o, como se a gente estivesse vendo um sujeito ensimesmado em busca de novas possibilidades, de novos panoramas, nisso que ele já domina mas que quer transformar em algo diferente - ou em algo apenas reconhecível, em seus vários registros, por ele mesmo. Esse afã por novas possibilidades eu não sinto nele, porém, quando se dispõe a traduzir, do seu jeito, clássicos do rock (como eu já resenhei, em "Inspiration"). Pois neste outro CD o que eu vejo é mais um tributo, e não uma pesquisa árdua, técnica, que é aquilo a que ele, Yngwie, se refere em algumas de suas entrevistas. Porque por vezes a gente sente que é por intermédio do clássico, do erudito, que o sueco se sente mais à vontade para pesquisar novas alternativas, novas conquistas, que por serem mais difíceis desafiariam seu domínio do instrumento e do tipo de música que ele quer fazer. Pois ele por vezes me parece algo como um Prince do heavy metal, um cara que se restringiu a um gênero cujo codinome ele odeia para pesquisar sobre sua grande paixão, que é no fundo apenas a música, sem qualquer outro qualificativo (que ele identificou com a erudita por motivos vários, dentre eles talvez o seu porte, a sua representatividade ocidental, suas temáticas, ou apenas a forma como trata a realidade).
Como disse, o que eu quis aqui foi meio que dar uma margem para reflexão a partir desse CD do sueco que admiramos tanto. Falei especificamente da primeira faixa, mas pretendo falar mais das outras em outro texto.
Segunda parte da matéria:
Espero que tenham apreciado.
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